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Grande Sertão traz o realismo fantástico da literatura para o cinema brasileiro

14 de junho de 2024

Filme de Guel Arraes adapta a obra de Guimarães Rosa para uma comunidade carioca do século XXI

O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é a coragem”.

Estreou na última semana a mais nova adaptação da literatura brasileira para os cinemas. Trata-se de Grande sertão, filme dirigido por Guel Arraes a partir da obra clássica de Guimarães Rosa. No filme, o sertão agora é uma comunidade no Rio de Janeiro tomada pelo conflito entre traficantes e policiais corruptos.

Como disse certa vez o mestre Antonio Candido sobre o livro, não sobre o filme, Grande sertão: veredas é uma obra de realismo mágico. Isso significa colocar Guimarães Rosa na mesma prateleira que Jorge Amado, Ariano Suassuna e Gabriel Garcia Márquez, entre tantos outros. O filme reafirma com sucesso essa avaliação de Candido. E nem poderia ser diferente. Ter Guel Arraes no comando, diretor que já adaptou magistralmente o realismo fantástico do Auto da Compadecida para o cinema, faz com que a aventura não se perca nos perigos da transformação da literatura em filme.

No início do século XXI, o cinema brasileiro apostou em diversas obras que retrataram com realismo os conflitos sociais do país. Sob esse registro, vale a pena lembrarmos de Cidade de Deus (2002) de Fernando Meirelles e Tropa de Elite (2007) de José Padilha. Nos últimos anos, no entanto, a aposta tem sido menos no realismo e mais no realismo fantástico. Aqui, destacam-se obras como Bacurau (2019) de Kleber Mendonça e Medida Provisória (2020) de Lázaro Ramos. Se Bacurau lida com a resistência popular contra o imperialismo e Medida Provisória com a resistência ao autoritarismo e ao racismo, o novo Grande sertão denuncia de forma complexa conflitos subalternos da sociedade brasileira contemporânea.

As atuações hiperbólicas, lembrando os exageros de uma peça teatral, trazem uma forma própria para o filme. Caio Blat interpreta o protagonista Riobaldo com segurança e seriedade. A carismática Luisa Arraes faz de Diadorim uma síntese dos debates sociológicos contemporâneos sobre identidade e gênero. Luís Miranda realiza um coronel Zé Bebelo que exala valentia, honra e uma queda pela política. E Eduardo Sterblitch, que tinha tudo para ser um mero coadjuvante, transforma o vilão Hermógenes em uma atuação impecável.

A estratégia de Arraes de trazer o filme para um tempo mais próximo do nosso é acertada. Em certos momentos, faz recordar a adaptação feita por Baz Luhrmann na década de 1990 para Romeu e Julieta de Claire Danes e Leonardo Dicaprio. Em outras ocasiões, lembra os personagens caracterizados no futuro distópico de Mad Max. Uma boa maneira de atrair novos públicos para a obra.

Produzido pela Paranoid de Manoel Rangel, Grande sertão comprova a força e vitalidade do cinema brasileiro.