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Lula traça uma linha de demarcação contra a oligarquia financeira, mas falta uma peça

27 de junho de 2024

O economista Diogo Santos explica o sentido da campanha liderada pela oligarquia financeira contra o governo Lula

O presidente Lula, na entrevista desta terça, 26/06, ao Uol, traçou uma linha nítida de demarcação a respeito da pressão em curso realizada pelo mercado financeiro sobre os direitos conquistados pelo povo na Constituição de 1988. Lula foi enfático na defesa das vinculações de aposentadorias e benefícios assistenciais ao salário mínimo e, principalmente, que o governo federal persegue e continuará perseguindo o crescimento com distribuição de renda. E isso não significa desconsiderar as regras fiscais que o governo é obrigado a seguir, e sim que a recuperação de receitas perdidas ao longo da última década continuará sendo o caminho principal para atingir o resultado primário estipulado. Claro que há o erro do governo em ter proposto resultados primários muito elevados para a atual situação e necessidades do país, mas o ponto principal no momento é outro.

A questão chave no momento é que há uma forte campanha capitaneada pela oligarquia financeira no sentido de fazer o governo ceder e realizar um ajuste fiscal sobre as classes populares, e o presidente Lula está resistindo a essa campanha. E a pressão não é pequena. Após a entrevista de Lula já ocorreu uma piora na taxa de câmbio e uma série de matérias espalhadas pela internet críticas às declarações do presidente. Naturalmente, a piora na taxa de câmbio está sobretudo associada a um aumento dos rendimentos dos títulos do Tesouro nos EUA que direciona o fluxo de capitais para aquele país. Mas, em termos de pressão política, a nova desvalorização aumenta as tentativas de coação sobre o governo.

Lula também reforçou que a política monetária está desajustada ao afirmar que não há justificativa para uma taxa selic de 10,50% a.a. com uma taxa de inflação a 4% a.a. E ele está correto. O mercado praticamente ignorou o fato de que o IPCA-15 do IBGE divulgado nesta terça ter sido de 0,39%, abaixo do valor de maio (0,44%) e também abaixo do esperado por instituições financeiras consultadas pelo jornal Valor Econômico (0,43%, na mediana das opiniões). Note que o IPCA-15 de junho compreende uma pesquisa de preços inteiramente feita após os desastres no Rio Grande Sul, os quais têm impactos inflacionários. Além disso, segundo o IBGE, o maior responsável pela inflação foi o grupo Alimentação e Bebidas (0,21 ponto percentual), que são itens com maior volatilidade de preços, logo menos indicativos da tendência da inflação. Isso mostra que a estratégia fiscal do governo, realizando gastos para reconstruir o país e elevando receitas por meio da eliminação de distorções e benefícios injustificáveis às empresas e milionários, está correta, pois melhora o perfil do gasto público, contribui decisivamente para o crescimento econômico e alivia a pressão sobre os preços.

Não se trata de negar que há pressões inflacionárias recentes, principalmente vinda da desvalorização acentuada da taxa de câmbio. Mas trata-se de mostrar que a inflação efetiva atual está reiteradamente mais controlada do que supõe o mercado financeiro, dado concreto que é ignorado, pois o que interessa à oligarquia financeira é criar continuamente justificativa para manter as taxas de juros elevadas e avançar seu controle sobre o orçamento público. E é essa batalha que está em curso agora.

Por enquanto o presidente Lula tem dado firmes mostras de seu compromisso com as classes populares, mas os riscos são elevados. Mesmo dentro do governo, há sugestões de revisão de indexação de benefícios assistenciais ao salário mínimo. Além disso, há segmentos relevantes do Congresso Nacional contrários a rever os benefícios concedidos às empresas, colocando obstáculos para a continuidade da estratégia de ampliação de receitas. Portanto, haveria de se ter neste momento uma reação social e política mais ampla do campo progressista, a qual o próprio governo deveria se empenhar em construir. O presidente Lula está falando quase sozinho. Essa é a segunda batalha que o presidente assume pra si neste governo que não é acompanhada de uma reação compatível do campo progressista e da capacidade de convocação do governo. A primeira foi a questão da política monetária e agora a segunda sobre manter ou retirar os pobres do orçamento. Portanto, por um lado há uma lacuna de convocação e articulação do governo para defender a agenda de reconstrução do país e, por outro lado, há um baixo engajamento do campo progressista em responder a essas batalhas.  Dado o nível da pressão sofrida pelo governo, não está garantido que retrocessos não ocorrerão, logo seria fundamental uma demonstração de forças dos partidos progressistas, dos movimentos sociais de modo geral e da intelectualidade. Exercitar nossa capacidade de resposta a essas batalhas em curso é fundamental para chegarmos mais preparados às eleições de 2026.