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Uma breve saudação ao Mestre Olival Freire Jr.

24 de julho de 2024

Artigo de Aloisio Sérgio Barroso sobre o físico marxista Olival Freire Jr.

Chegando aos 70 anos, Olival Freire Jr. será homenageado, no auditório da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA (25-6/07), com o simpósio “História das Ciências, Ensino de Ciências e Desenvolvimento Nacional”, hoje professor titular do Instituto de Física da UFBA e diretor científico do CNPq.

Baiano, de Jequié, Olival construiu uma (muito) rara aliança entre a ciência entranhada na história de sua epistemologia, notadamente da física moderna; e uma atividade política sem disfarces: jamais abandonou seus vínculos na militância comunista.

Intelectual reconhecidamente brilhante, Olival mostrou a que veio, como se diz, ao transformar em livro sua tese de doutoramento (USP,1995), publicando o excelente “David Bohm e a controvérsia dos quanta” (1999), portanto há 25 anos.

Esse estudo, que obteve reconhecimento internacional, especialmente após a publicação do livro, foi prefaciado pelo renomado físico, filósofo e historiador da ciência Michel Paty. Em 2003, Osvaldo Pessoa Jr. resenhou-o para a Universidade de Chicago ¹.

Nele, Paty já alude a uma futura linha de pesquisas sobre o complexo exame feito por Olival, acerca da nova fase das interpretações da mecânica quântica – em resumidas contas -, a partir da passagem do “indeterminismo” ²dos movimentos das partículas atômicas, à não-separabilidade local (teorema de Bell) ou a não localidade dos sistemas quânticos. Mas o que significa mesmo isso?

Farei aqui apenas um registro tentando ligar certas pontas. Correndo o risco da simplificação, as pesquisas sobre os fenômenos não locais remetem ao paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen (EPR), que acusa a teoria dos grandes físicos Niels Bohr/Werner Eisenberg (grupo de Copenhagen), da interpretação (probabilística) da Mecânica Quântica não poder oferecer uma descrição completa de uma realidade local.

Ora, ao que se sabe hoje, a mecânica quântica, em planos gerais, não local, os sistemas quânticos não podem ser precisamente localizados no espaço-tempo; mas é possível que dois estados espacialmente separados fiquem “emaranhados”, e isso pode acontecer devido ao “colapso” da função de onda (uma ou mais partículas físicas), o que é uma das teses fundamentais da teoria quântica.

Mas o que tem a ver isso com o estudo de Olival sobre David Bohm? É que as ideias-força de Bell já estavam, implicitamente, em Bohm – assegura Olival.

A meu juízo, partem desse estudo meticuloso, profundo, de Olival Freire Jr., suas reconhecidas contribuições ao que denominou, também, de “dissidentes quânticos”. Pessoalmente, fiquei impressionado com o exame sistemático das correspondências e especialmente os debates de Einstein e Bohr, naquele livro.

Topicamente, resulta desse debate o que mesmo? Para o que nos parece instigante, especialmente nas ulteriores formulações de Einstein (1948): a) os conceitos da física relacionam-se a um mundo externo que têm existência real independente do sujeito que percebe; b) os objetos deste mundo são pensados dispostos no contínuo espaço-tempo e dois objetos separados neste contínuo agem como dois objetos independentes, sem correlações, a não ser aquelas contidas nas leis clássicas da conservação (da Energia; da Quantidade do Movimento etc.) (FREIRE Jr., 1999, pp. 27-8).

Mas isso não quer dizer que a teoria de Bohr essencializava-se no idealismo filosófico. Importa registrar que, Olival “defende” Niels Bohr da acusação de “não-realismo” ou de idealismo: [uma] ótica que subestima a natureza, e a dificuldade, dos problemas epistemológicos concretos trazidos à tona pela teoria quântica; autores de episteme diversa, como K. POPPER, H. FOLSE e V.A. FOCK, por exemplo, recusavam a direção anti-realista atribuída a Bohr (FREIRE Jr., idem, p. 32).

Caminhos de Bohm

É curioso perceber como David Bohm (1917-1992), físico norte-americano da Pensilvânia passa a interessar a Olival Freire. Sua “complementaridade” às teses de N. Bohr enfocam uma visão de mundo onde, em clivagem (social) ao pensamento do dinamarquês (Nobel de física em 1922), busca uma materialidade no movimento das partículas físicas, quer dizer, uma ontologia, nas palavras de Bohm, que se remete a “uma tentativa de construir uma representação física da natureza quântica da matéria” (FREIRE Jr., idem, p. 48).

Em seu estudo “Quantum Theory” (1951), Bohm interpreta um mundo como indivisível, flexível, sempre mutante e probabilístico: o “determinismo completo” é substituído pela “causalidade” como tendência estatística – mais uma vez, em resumidíssimas contas.

Aluno ex-aluno de Robert Oppenhmeier, o marxista Bohm foi obrigado a se exilar no Brasil por perseguição do macartismo anticomunista. Bohm teve ligações orgânicas com o Partido Comunista dos EUA, entre 1942-3, mantendo vínculos até 1947, e abandonou o marxismo (1957) após o malfadado relatório de N. Kruschev. Frente ao Congresso dos EUA aludiu à 5ª Emenda constitucional que dá o direito ao silêncio, sob a acusação de pertença ao PC, ao que se sabe, para não se prejudicar tampouco aos amigos.

Fascinante, portanto, quando Olival, particularmente no capítulo “Algumas questões históricas e epistemológicas” (7) desvela a natureza da relação entre a filosofia e a interpretação da teoria quântica aparecendo em teóricos marxistas da física, notadamente entre os anos 1930-50, e suas fases.

Na verdade, desde 1947-8, por influência do bolchevique A. Jdanov (o “Zhdanovismo”) as controvérsias críticas à teoria quântica influenciaram o pensamento físico e filosófico na URSS, em benefício, então, (indiretamente) da teoria da causalidade de Bohm (FREIRE Jr., idem p.195-8).

Olival revela ainda que Bohm aproximou-se do pensador indiano Krishnamuti, ainda entre 1959-61. A ideia central do indiano – “qualquer dicotomia em observador e observado seria altamente artificial” – exerce influência na teoria da “Ordem implícita”, de Bohm, nos anos 70 – o que ele parece ter tergiversado. Ora, essa suposta “igualdade” formulada por Krishnamurti faz simplesmente a principalidade ontológica (da matéria) evaporar!

Sei bem que já passei dos limites do(a) eventual leitor(a).

É que, além, a riqueza do formidável estudo de Olival Freire Jr. deixa-me inclusive incapacitado de desvendá-lo em sua completude. Afora ainda as formulações matemáticas da física teórica, mesmo que esparsas, sobre as quais não tenho condições de opinar.

E há muito mais nas páginas desse instrutivo livro, que demonstram o início grandioso da trajetória de Olival, hoje reconhecidamente um dos mais brilhantes teóricos da “Dissidência Quântica” do nosso planeta.

PARABÉNS, ADMIRÁVEL OLIVAL!

NOTAS

[1] Aqui: https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/380716

[2] Conforme o próprio Bohm, W. Heisenberg “supõe que as relações de indeterminação teriam uma validade final e absoluta, que se manterá indefinidamente, mesmo que, com parece bastante plausível, a forma corrente da teoria quântica venha a ser corrigida, estendida ou mesmo mudada de um modo fundamental e revolucionário”. No conceber do “princípio da indeterminação”, de Heisenberg, ele é uma manifestação fundamental que opera na totalidade das leis naturais (“Bohm. Causalidade e acaso na física moderna”, Rio de Janeiro, Contraponto, 2015, p.178).

[3] Em “David Bohm, sua estada no Brasil e teoria quântica”, O. FREIRE Jr., M. PATY e A.L.R. BARROS ilustram bem a importante temática, no artigo publicado nos “Estudos Avançados” (USP), em 1994.Aqui: https://www.scielo.br/j/ea/a/7fxJG6GMN4cy3Nq8ShrxbhK/?format=pdf&lang=pt

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