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A Folha e os dois projetos de país em disputa

29 de agosto de 2024

Ataques da Folha de S. Paulo contra a FINEP e a Petrobras mostram que a agenda neoliberal voltou a pressionar o governo Lula.

A eleição presidencial de 2022 foi marcada, mais do que qualquer outra, pelo signo da chamada Frente Ampla. Contra um projeto neoliberal, autoritário, negacionista e conservador liderado pelo então presidente Jair Bolsonaro, uma larga aliança política reuniu lideranças do campesinato, da classe trabalhadora urbana e de frações de classe da burguesia, além de setores da imprensa, em torno da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República. Nada expressou melhor essa aliança do que o fato de Lula ter como seu vice o paulista Geraldo Alckmin.

Essa chapa Lula/Alckmin foi eleita para impedir o avanço do projeto fascista no país. Ela foi vitoriosa, não obstante elementos do fascismo ainda estejam presentes na sociedade brasileira e em algumas lideranças políticas da oposição.

No entanto, para além da mudança política, a vitória de Lula também representou uma mudança de política econômica. Se os governos de Michel Temer e Bolsonaro ficaram identificados com a austeridade fiscal e as privatizações, o novo governo que teve início em 2023 trouxe consigo uma forte agenda de desenvolvimento e fortalecimento do Estado brasileiro. Sob esse registro, o programa conhecido como Nova Indústria Brasil parece ser o principal instrumento do atual governo para a intervenção econômica do Estado.

Leia mais: Os consensos e os desafios da Nova Indústria Brasil

Claro, essa mudança de economia política não tem ocorrido sem contradições e conflitos. Isso é o que podemos ver nas críticas desferidas pelo jornal Folha de S. Paulo ao governo Lula desde o ano passado.

A Folha e a normalização do bolsonarismo

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Em 30 de março de 2023, a Folha iniciou o processo de normalização do bolsonarismo. Em uma primeira versão online do seu editorial publicado naquele dia, o jornal concluiu o seguinte: “Opondo-se ao petismo, o bolsonarismo pode dar vigor à política brasileira – desde que abandone a violência, a atitude antidemocrática e a polarização irracional”.

O texto não caiu bem entre os leitores e o jornal rapidamente mudou essa frase no editorial da versão impressa, que ficou assim: “O bolsonarismo até poderia, se abandonasse a violência e o autoritarismo, liderar uma oposição saudável ao PT. Esse não é infelizmente, o desfecho mais provável”.

Independentemente da rápida correção na frase, o fato é o mesmo. Para a Folha, é possível que o bolsonarismo seja moderado, assim como é possível que canibais comam de garfo e faca.

A Folha e a privatização da Petrobras, da Caixa e do Banco do Brasil

Leia mais: Sobre editoriais zumbis e fantasmas neoliberais

Foi nessa toada que a Folha apresentou o seu projeto econômico para o Brasil em editorial publicado no dia 24 de agosto de 2024. Intitulado “Privatizar Petrobras, Caixa e Banco do Brasil”, o editorial defende abertamente que as três grandes empresas brasileiras entrem no programa de desestatização, ou seja, que sejam privatizadas.

Em suas palavras, “o inconcebível hoje é que tais atividades e serviços públicos já tenham estado à mercê da ineficiência da gestão pública”. Contudo, dados recentes mostram que as estatais brasileiras tiveram lucros somados de R$ 197 bi em 2023. Que ineficiência seria essa?

O que a Folha defende é um projeto de país em que os lucros das empresas retornem apenas para alguns poucos, repetindo aquilo que a literatura especializada conhece como a “teoria dos acionistas”. Como argumentava Milton Friedman, “o único propósito de uma empresa é gerar lucro para os acionistas”. Essa frase do pai do neoliberalismo parece guiar a linha editorial da Folha.

A Folha contra a Finep

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Hoje (29/08) foi a vez do Grupo Folha, por meio do UOL, girar seus ataques para uma outra empresa estatal, a Finep. Em tom de denúncia, a matéria alega que “a Finep, estatal de ciência e tecnologia, se tornou uma espécie de BNDES paralelo” e que ela oferece juros “mais baixos que os do mercado”. Diz a matéria:

“Nenhum banco, privado ou público, oferece esse patamar de juros. As empresas estão pagando, em média, 5% ao ano, com um prazo de 10 a 16 anos para restituir o dinheiro à estatal. O BNDES, por exemplo, cobra pelo menos 5,9% ao ano em juros. Os bancos comerciais, de 20% a 30%, segundo levantamento do Banco Central”.

Para a Folha, um banco estatal oferecer crédito em condições vantajosas para estimular o desenvolvimento nacional parece ser um crime. Ora, mas essa não deveria ser justamente a função de um banco estatal?

Ademais, qual o problema da Finep ser “uma espécie de BNDES paralelo”? Para ficarmos em apenas um caso de sucesso, a China possui diversos bancos de desenvolvimento. Será que o Brasil não deveria seguir esse exemplo e também ter diversos outros bancos como o BNDES e a Finep? Ainda assim, cabe ressaltar: BNDES e Finep não possuem atividades exatamente semelhantes, mas sim complementares. Enquanto a Finep possui a responsabilidade de apoiar projetos de inovação para introdução no mercado, o BNDES realiza investimentos para elevar a capacidade produtiva das empresas.

Para tentar sustentar sua denúncia, o texto traz adjetivos para tentar atacar o que é justamente a função da Finep. O jornal diz o seguinte: “Para obter os empréstimos “amigáveis” administrados pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), é preciso apresentar um projeto que proponha inovação tecnológica”. Ora, mas essa é justamente a razão de ser da empresa. Pelo visto, o jornal descobriu a existência da estratégica Finep somente agora.

A oposição da Folha ao governo federal mostra claramente que existem dois projetos de país em disputa. Por sinal, é saudável em uma democracia que projetos distintos disputem espaços na esfera pública. O que não é saudável é que sejam utilizados instrumentos torpes que mascarem a realidade ou que firam deslealmente a integridade de figuras públicas como tem feito o jornal de São Paulo no caso da Finep e do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.