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Diálogo Brasil-China como construção de alternativa ao modelo neoliberal e ao imperialismo

3 de setembro de 2024

O economista Iago Montalvão escreve sobre a visita da delegação do Centro de Cooperação Econômica do Departamento Internacional do Partido Comunista da China (PCC) ao Comitê Central do PCdoB

No dia 2 de setembro de 2024, dirigentes, militantes e amigos do PCdoB receberam, na sede do Comitê Central, em São Paulo, uma delegação do Centro de Cooperação Econômica do Departamento Internacional do Partido Comunista da China (PCC). O intuito do encontro foi compartilhar alguns dos principais tópicos discutidos e aprovados na 3ª Sessão Plenária do PCC em julho deste ano. Entre esses tópicos estão a importância da estratégia de abertura econômica do país, o desenvolvimento de alta qualidade e a cooperação entre Brasil e China.

É indispensável reafirmar que o processo de reformas da economia chinesa resulta de um processo de mais de 50 anos. Iniciado no final da década de 1970 sob a liderança de Deng Xiaoping, essas reformas transformaram profundamente a economia e a sociedade chinesa, criando as condições para sua impressionante expansão e estabilidade, bem como o desenvolvimento cada vez mais robusto de novas forças produtivas e de um novo tipo de formação econômica e social sob orientação socialista.

Cabe também destacar que, embora parte dos objetivos dessas reformas se vincule à perspectiva de abertura e internacionalização econômica, a trajetória e os mecanismos utilizados, bem como seus resultados, não se assemelham à lógica de abertura financeira e comercial propagandeada e levada a cabo pelas economias ocidentais orientadas pelo Consenso de Washington. Ao contrário do que se observa na tradição neoliberal, a economia chinesa tem promovido um processo de abertura e inserção no mercado internacional com uma capacidade ímpar de planejamento e papel estratégico do Estado, de maneira que se encontram semelhanças, como Elias Jabbour tem apontado frequentemente, com as ideias da economia de projetamento desenvolvidas por Ignácio Rangel.

Ainda que com suas devidas contradições e limitações, que precisam ser permanentemente superadas, o desenvolvimento da economia chinesa nas últimas décadas tem colocado em xeque boa parte das teorias econômicas convencionais, baseadas no modelo de abertura comercial com restrição fiscal, ausência do papel do Estado e regime de metas de inflação. Durante sua intervenção, o presidente do Centro de Cooperação Econômica da China, Ke Zhizhong, reforçou várias vezes como o direcionamento da economia, com uma condução liderada pelo Estado, para objetivos políticos estratégicos tornou os avanços na sociedade mais rápidos e mais eficazes.

Nesse sentido, como desdobramento dessas transformações, o partido, em suas discussões mais recentes, tem reafirmado a necessidade de aprofundamento e ampliação das reformas com o objetivo de alcançar um desenvolvimento de alta qualidade e uma abertura de alto nível, capaz de ser realizada por meio da introdução de novos tipos de forças produtivas na economia chinesa. Essas novas forças produtivas devem necessariamente se desenvolver por meio de um profundo processo de inovação e avanço tecnológico e científico vinculado à indústria, cujo caráter ecológico terá papel central, especialmente por meio dos mercados de eletrificação do transporte e da energia renovável.

Ainda sobre a diferenciação da China em relação às economias ocidentais do centro do capitalismo global, Zhizhong chama a atenção para a diferença na relação diplomática e comercial entre países. Os documentos e decisões do PCC apontam como um dos principais objetivos das reformas de abertura comercial chinesa a construção de relações de cooperação, e não de exploração ou competição, com outros países. O Brasil aparece como um parceiro importante nesse conjunto de relações, especialmente pela complementaridade entre as economias e por sua capacidade de desenvolvimento de inovação em tecnologias verdes e transformação ecológica, campo que pode impulsionar a cooperação entre os dois países. Há ainda, no entanto, uma forte vinculação do mercado chinês à exportação de produtos primários brasileiros, especialmente da carne bovina, tema que merece ser melhor discutido, partindo da urgente necessidade de que o Brasil diminua sua dependência excessiva do mercado internacional de commodities, reforçando suas capacidades industriais de alto valor tecnológico agregado, a exemplo do desenvolvimento da inteligência artificial. Esse campo deve ser absolutamente estratégico na relação entre nossos países.

Outro tópico de grande relevância abordado pela delegação do Centro de Cooperação Econômica do PCC está vinculado à questão ambiental e ao combate às mudanças climáticas. Atualmente, a China é responsável por cerca de 30% das emissões globais de dióxido de carbono, sendo o país com a maior quantidade de emissão[1]. Isso se deve, em grande parte, à alta dependência do país em relação ao uso de carvão mineral como fonte de energia, o que corresponde a aproximadamente 60% da geração de eletricidade do país. Embora em ritmo decrescente, o uso de carvão ainda tem crescido anualmente. No entanto, é fundamental destacar que as quantidades de emissão acumuladas estão muito distantes daquelas praticadas ao longo de décadas nos países desenvolvidos, além de um crescimento acelerado do uso de energia renovável, aumentando 104% entre 2018 e 2023[2]. Atualmente, a China já aparece como o país com o maior nível de geração de energias não poluidoras no mundo.

Em termos de transição verde e desenvolvimento sustentável, as orientações do PCC e do governo chinês têm sido bastante claras. Um dos objetivos principais do país é alcançar o pico de emissão de carbono em 2030 e a neutralidade em 2060. Metas que, como reforçado por Zhizhong, não foram fruto de acordos multilaterais ou imposições de qualquer país ou instituição externa, mas compromissos firmados pela decisão política das próprias autoridades chinesas. Essas são metas importantes e desafiadoras, e precisam ser efetivamente cumpridas para que a China contribua com a urgente demanda global de preservação da natureza. Essas medidas, no entanto, exigirão exatamente a formatação dessas novas forças produtivas e de um desenvolvimento de alta qualidade, que combine a inovação tecnológica e o aumento de produtividade com a redução dos impactos ambientais e uma ainda maior socialização da renda e da qualidade de vida entre a população.

A experiência chinesa ainda tem muito a nos ensinar, e não há dúvidas de que os próximos passos dessa grandiosa nação também nos apresentarão importantes lições. Assim como os próprios chineses se referem ao seu processo de transformação, cada país deve projetar seu desenvolvimento em acordo com suas próprias condições e características, por isso não esperamos encontrar no modelo chinês respostas prontas para questões e processos históricos particulares de outras nações. No entanto, a análise criteriosa, dialética e científica dessas experiências, bem como o fortalecimento da cooperação entre nossos povos, pode nos conduzir ao caminho de fortalecimento estratégico de um novo campo geopolítico global que proponha alternativas aos modelos falidos do neoliberalismo ocidental.

Nesse sentido, encontros e compartilhamento de ideias e experiências como este que presenciamos devem ser referenciados, pois reforçam nossos laços e possibilidades de construir um futuro compartilhado e uma sociedade mais justa.

Iago Montalvão, graduado em Economia pela FEA-USP, é mestrando em Teoria Econômica no IE-UNICAMP, pesquisador do Transforma-Unicamp e Secretário Geral do CEMJ


[1]https://www.instituteforenergyresearch.org/fossil-fuels/coal/china-is-still-increasing-its-coal-fired-generation/

[2] https://interactive.carbonbrief.org/the-carbon-brief-profile-china/