Num ato inesperado após a derrota de seu grupo político para as eleições do Parlamento Europeu, o presidente francês Emmanuel Macron convocou a antecipação das eleições parlamentares do país para o último dia 30 de junho – o segundo turno aconteceu em 7 de julho. Mas o resultado não foi o que Macron desejava: a esquerda francesa, reunida em torno da Nova Frente Popular elegeu a maior parte dos deputados do país, 182 (31%) de um total de 577. O partido de centro-direita de Macron, o Juntos pela República, conquistou 163 (28%) cadeiras da Assembleia Nacional. Já a extrema-direita liderada por Marine Le Pen, do Reagrupamento Nacional, elegeu 143 (25%) deputados. Com menor votação, Os Republicanos, partido de direita do ex-presidente Nicolas Sarkozy, teve 40 (7%) eleitos.

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Como o tom de toda a campanha eleitoral foi a de unir forças dos democratas de todos os partidos para impedir a vitória da extrema-direita, acreditava-se que o caminho racional seria a indicação de um primeiro-ministro que saísse da Nova Frente Popular (esquerda) com o apoio do Juntos pela República (centro-direita). A coalizão desses dois partidos reuniria cerca de 60% das cadeiras da Assembleia Nacional e isolaria a extrema-direita. Mas não foi isso o que aconteceu.

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Para a surpresa dos democratas franceses, Macron ignorou a frente ampla construída para impedir a derrota da extrema-direita e nomeou na última quinta-feira (05/09) um primeiro-ministro da direita, Michel Barnier, apoiado por seu partido e pela extrema-direita. Ou seja, Barnier virou primeiro-ministro com o apoio do Juntos (centro-direita), do Republicanos (direita) e do Reagrupamento Nacional (extrema-direita).

Não há nenhuma ilegalidade no movimento feito por Macron. Trata-se, evidentemente, de uma manobra legal para garantir que a direita mantenha o controle do governo no país. A discussão que se coloca na sociedade francesa é menos sobre legalidade e mais sobre legitimidade, no sentido que dá ao termo Norberto Bobbio. De acordo com Bobbio, a legitimidade “consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos específicos”. E Bobbio diz mais: “É por esta razão que todo poder busca alcançar consenso, de maneira que seja reconhecido como legítimo, transformando a obediência em adesão. A crença na legitimidade é, pois, o elemento integrador da relação de poder que se verifica no âmbito do Estado”.

Com efeito, a decisão de Macron não gerou nenhum consenso e nem foi reconhecida por parte considerável da Assembleia Nacional e da sociedade francesa. Por essa razão, dizem, trata-se de uma decisão ilegítima. Na manhã deste sábado (07/09), milhares de pessoas foram para as ruas em cidades de toda a França protestar contra Macron. Cartazes colados em muros acusam o presidente de dar um golpe para manter seu grupo no poder e, como consequência, fortalecer a extrema-direita. Longe de garantir a estabilidade democrática no país, Macron ampliou a tensão, o conflito e a crise.

No último mês, lideranças de todo o mundo se apressaram em cobrar do governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, explicações sobre o resultado das eleições. Resta saber se a mesma comoção internacional recairá sobre o presidente francês.

Theófilo Rodrigues é cientista político.