Diogo Santos, Iago Montalvão e Flávia Calé: “o Socialismo como rumo necessário para o sucesso do desenvolvimento”.
Entrevista exclusiva que o Portal da FMG fez com os pesquisadores Diogo Santos, Iago Montalvão e Flávia Calé, coordenadores do Grupo de Acompanhamento e Pesquisa (GAP) sobre “Desenvolvimento nacional e socialismo” da Fundação Maurício Grabois
Qual a relação entre o desenvolvimento e a construção do socialismo no Brasil? Esse foi o tema da entrevista concedida por Diogo Santos, Iago Montalvão e Flávia Calé, coordenadores do Grupo de Acompanhamento e Pesquisa (GAP) sobre “Desenvolvimento nacional e socialismo” da Fundação Maurício Grabois, para o Portal da FMG. Na entrevista, os pesquisadores lembraram da importância da questão ambiental para esse projeto. “Há uma grande disputa no mundo atualmente sobre como enfrentar os impactos ambientais das atividades econômicas”, avaliam.
Diogo, Flávia e Iago, a mais recente experiência da Fundação Maurício Grabois foi a criação dos Grupos de Acompanhamento e Pesquisa (GAPs). Podem nos contar um pouco sobre o GAP – Desenvolvimento nacional e socialismo, do qual vocês são coordenadores?
Esse GAP tem foco no desafio do desenvolvimento nacional e sua relação com a luta pelo Socialismo no Brasil, que é o objetivo estratégico do PCdoB.
O trabalho de pesquisa do grupo está organizado em seis eixos de pesquisa: 1) Desenvolvimento e questão ecológica; 2) Desenvolvimento e finanças públicas; 3) Financiamento do Desenvolvimento e dominação financeira; 4) Dimensões política e ideológica do Desenvolvimento; 5) Desenvolvimento industrial, científico e tecnológico; 6) Dimensão social do desenvolvimento. Cada um desses eixos contém temas mais detalhados que direcionam o trabalho do grupo. Eles foram selecionados de acordo com o debate atual sobre desenvolvimento na sociedade, no interior do Partido, e também na Academia. Destacaria em particular a necessidade de desenvolvimento das articulações entre luta política, ideológica e a dimensão social do desenvolvimento. Esses temas são notoriamente relevantes, pois envolvem o tema da estratégia de luta pelo socialismo tendo o desenvolvimento como caminho. Nisso se inclui desvendar os caminhos necessários para envolver diretamente as camadas populares na luta pelo desenvolvimento.
Os primeiros passos do grupo será analisar a atual política industrial e tecnológica do governo federal à luz desses eixos e temas. O objetivo é fornecer ao Partido e ao campo progressista uma leitura abrangente e propositiva dos desafios de ordem econômica, política e ideológica para o sucesso de uma estratégia de modernização industrial nas condições atuais.
Um tema importante que está no radar do Gap é o da crise ambiental. Como aliar o desenvolvimento com a redução das externalidades ambientais?
Esse tema é um dos eixos de pesquisa do grupo e também é um tema central em pelo menos dois programas do governo federal, o Nova Industria Brasil e o Plano de Transformação Ecológica. Há uma grande disputa no mundo atualmente sobre como enfrentar os impactos ambientais das atividades econômicas. Existem propostas mais liberais alicerçadas na ideia de que o mercado, sobretudo financeiro, é capaz privadamente de enfrentar os desafios de mobilização de recursos, bastando o Estado conceder as garantias de lucratividade e redução de riscos, ou seja, o Estado em função da grande burguesia financeira. E existem caminhos com maior presença do Estado na coordenação do processo econômico, do qual a China é o exemplo mais claro, e que está mais alinhado aos desafios de países subdesenvolvidos como o Brasil.
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A grande questão para o Brasil é que a disputa atual mundial pela transformação produtiva na direção da indústria 4.0 e de uma economia neutra em emissão de carbono, traz oportunidades, mas também grandes riscos. Sem um projeto coordenado pelo Estado, o Brasil entrará nesse processo na posição colonial em que sempre esteve, isto é, como fornecedor de matérias-primas, como minerais raros e nobres, relevantes para a produção de componentes industriais de ponta, ou como fornecedor de energia renovável para empresas multinacionais que aqui se instalem, ou exportando, indiretamente, energia renovável, sem alterar a estrutura produtiva local. Essa é a tendência deste processo. Investimentos gigantescos estão sendo feitos por EUA, Europa e China nessa direção. São valores com os quais o Brasil não consegue competir, sobretudo, dado o controle que a burguesia financeira conquistou sobre a política econômica no país. Desse modo, o Brasil deve correr contra o tempo para evitar que uma nova relação centro-periferia se consolide.
Felizmente, o governo Lula tem demonstrado clareza desse desafio. E o PCdoB, especialmente a partir do MCTI, tem sido essencial para imprimir esse rumo ao governo. Mas os obstáculos políticos, ideológicos e também econômicos são consideráveis. É crucial que esse projeto continue a frente do governo federal por vários mandatos. Para isso é imprescindível que os trabalhadores, nos quais se incluem, homens, mulheres, negros, jovens, população periférica, e também a classe média progressista, seja protagonista da defesa desse caminho. Que esses setores identifiquem o desenvolvimento como uma questão urgente. Vale lembrar Juscelino Kubitscheck quando, ainda presidente, disse que “…desenvolvimento do Brasil não é uma pretensão ambiciosa, um desvario, um delírio expansionista, mas uma necessidade vital. Desenvolver para nós, é sobreviver…”.
Em síntese, o sucesso do urgente desenvolvimento do Brasil exige a participação ativa do povo, sobretudo dadas as fragilidades políticas e ideológicas da burguesia industrial, após décadas de regressão produtiva do país. É nesse sentido, que a luta pelo desenvolvimento só pode ganhar a envergadura que precisa, se tiver o Socialismo como rumo, ou seja, o povo como protagonista político e o Estado como coordenador do processo econômico. O GAP buscará contribuir para compreendermos e encontrarmos esses caminhos.
Além desse tema, quais outros vocês consideram importante para a agenda do GAP?
O que nós estamos chamando de “dimensão social do desenvolvimento”. O que entendemos por essa expressão é exatamente como articular a estratégia de desenvolvimento com a transformação objetiva das condições de vida das classes populares. A ideia é que as classes populares devem ser as maiores e mais diretamente beneficiadas pelo desenvolvimento. Isso é um ponto chave, pois essas classes precisam necessariamente serem a base social de defesa e luta pelo desenvolvimento. Isso envolve temas como infraestrutura social e urbana; economia doméstica e de cuidados; economia assistiva e complexo industrial da saúde; desenvolvimento regional. O ponto é a vinculação entre demandas populares e desenvolvimento.
Uma das tarefas dos GAPS é contribuir com a formulação do novo programa do PCdoB que será aprovado no ano que vem, no 16º. Congresso. O que vocês imaginam que haverá de novidade nesse novo programa?
Essas novidades surgirão ao longo do percurso de pesquisa. Um tema já presente no atual programa, mas que poderá ser aperfeiçoado é justamente a relação entre desenvolvimento e Socialismo. O programa do PCdoB já é claro quanto ao papel protagonista da classe trabalhadora na luta pelo desenvolvimento nacional, contudo, talvez seja necessário aprofundar a compreensão sobre a relação reciproca entre desenvolvimento e luta pelo socialismo, ou seja, que a luta pelo desenvolvimento somente pode ser exitosa se tiver o socialismo como rumo. Veja, não é somente o desenvolvimento como caminho ao Socialismo; mas o Socialismo como rumo necessário para o sucesso do desenvolvimento.
Diogo Santos é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais, com período na Universidade de Leeds na Inglaterra. Suas áreas principais de pesquisa são financiamento do desenvolvimento e política industrial. É da direção do PCdoB em Minas Gerais e em Belo Horizonte.
Iago Montalvão é mestrando em Economia no IE-Unicamp e pesquisador do Transforma-Unicamp. Suas áreas de pesquisas são financiamento da transformação ecológica no sul global. É da direção do PCdoB no estado de São Paulo.
Flávia Calé é Doutoranda em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Conselheira do Ctc-ES da Capes. É da direção estadual do PCdoB GO.