Niterói invicta e a luta dos comunistas
Igor Alves Pinto escreve sobre o filme “Niterói invicta”. A produção independente narra a tentativa de golpe sofrida pelo então prefeito Rodrigo Neves em 2018, abordando sua prisão, o uso de lawfare no julgamento e a derrota do pedido de impeachment na Câmara Municipal. O filme traz depoimentos de figuras centrais, como o próprio Neves, Fernanda Sixel, Técio Lins e Silva, e Jandira Feghali.
Memória, verdade e justiça são as palavras de ordem das pessoas que sofreram violações de direitos humanos no período da ditadura. Elas estão presentes também nas famílias das pessoas que sofreram repressão policial, no movimento de mães de mortos pela PM nas incursões nas favelas do Rio de Janeiro. Há um sentido em comum desses movimentos de lutar pelo reconhecimento de direitos. O arbítrio estatal, seja pelo executivo ou pelo judiciário, deixa uma série de marcas na população. Em especial nas pessoas que tem algum grau de militância política, em sentido amplo, pelos direitos do povo brasileiro.
O processo de perseguição política através do judiciário ganhou contornos dramáticos nos últimos anos da história de nosso país em razão da interferência política ocasionada pela operação lava-jato. De fato, muitos processos políticos começaram e terminaram em razão dessa operação que buscava, a priori, lutar contra a corrupção. O caso mais famoso foi a prisão do ex-presidente Lula que, em razão dessa condenação, não pôde participar da eleição presidencial em que era favorito. O termo Lawfare passou a ser utilizado, então, para definir essa discussão: o uso das instituições jurídicas, do Direito, para fazer política.
O pretexto de neutralidade que envolve os tribunais e as instituições que o permeiam tem a capacidade (e peculiaridade) de abrir caminhos argumentativos na política de um mundo cada vez mais polarizado. Se o Ministério Público apresenta uma opinião, se um juiz dá uma sentença, há uma presunção da opinião pública de que ela é séria e não tem qualquer segunda intenção. Foi com essa base argumentativa que esses processos deram a tônica da última década na política brasileira.
Além do processo que levou Lula à cadeia, outros processos judiciais foram utilizados para fazer política. Um exemplo dramático é do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier que foi preso pela Polícia Federal em 14 de setembro de 2017, durante a Operação Ouvidos Moucos. A investigação, conduzida pela ex-coordenadora da Operação Lava Jato, o acusava de envolvimento em um suposto desvio de mais de R$ 80 milhões. Cancellier foi levado à prisão, onde foi algemado, passou por revista íntima e ficou detido em uma cela de segurança máxima por 30 horas. Poucos dias depois, ele cometeu suicídio, deixando um bilhete em que escreveu: “Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!”. Em 2018 o inquérito foi encerrado por falta de provas.
Esse período na nossa história, embora recente, não pode ser esquecido. É preciso resgatar essa memória e é esse o objetivo que o documentário Niterói Invicta quer alcançar. O trabalho, que não tem pretensão jornalística, mas autoral, posiciona outro episódio da vida pública do país: a prisão arbitrária do prefeito de Niterói, Rodrigo Neves.
Provavelmente boa parte da classe política do brasil se lembre pouco desse caso. Rodrigo Neves era prefeito da cidade de Niterói e detinha um nível de aprovação muito grande tendo sido eleito com ampla maioria. Provavelmente em razão da probabilidade de encabeçar um movimento de resistência à ascensão do fascismo no Estado do Rio de Janeiro, seu governo foi também vitimado com a perseguição política do Lawfare da operação lava-jato. A prisão do prefeito ocorreu sem qualquer aviso e o fato mais curioso é que ele ficou 93 dias preso sem nunca ter sido ouvido. Mais do que isso, até o fim do processo, em 2023, ele nunca foi chamado para depor.
No mesmo dia de sua prisão por um suposto esquema de corrupção no transporte público de Niterói, 3 pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara. O primeiro, pelo PSL, defendido pelo então vereador Carlos Jordy. Um pedido com quase 200 páginas. Chama atenção o curioso fato de o pedido ter ganhado tamanha densidade em poucas horas, levantando a hipótese de que, assim como Deltan Dallagnol e Sergio Moro, haveria algum vazamento de informações.
Além do pedido elaborado por Jordy, Bruno Lessa, do PSDB, e Talíaria Petrone e Paulo Eduardo Gomes, do PSOL, também subiram à tribuna para fazer a defesa de outros dois pedidos de impeachment. Essa sessão da câmara foi uma batalha pelo futuro da cidade visto que Rodrigo Neves estava sem vice-prefeito na época e, portanto, caso aprovado o impeachment deveria ser realizada uma nova eleição. O documentário foca nos discursos na câmara trazendo as falas do presidente da câmara, Cal (PP), Verônica Lima (PT) e o importante papel do vereador comunista Leonardo Giordano.
O PCdoB, na época, teve uma participação importante nessa disputa. Como alguns meses antes o partido havia viabilizado a CPI dos Transportes na Câmara e apresentado sua opinião pública de maneira crítica quanto a essa questão, não havia dúvida de que ele teria capacidade de liderar a luta contra o processo de lawfare em curso. Assim, o filme retrata as estratégias e discussões da câmara que levaram a derrota do impeachment e a retomada, após soltura da prisão, do governo de Rodrigo Neves.
A memória é seletiva e nem tudo fica gravado e registrado (Michael Pollak, 1992) e por isso tais símbolos são necessários para a efetivação desse processo de construção da memória coletiva de um povo e do seu sentimento de identidade. A elaboração desse tipo de memória implica um trabalho árduo, que toma tempo, e que consiste na valorização e hierarquização das datas, das personagens e dos acontecimentos. O documentário avança esse sentido de dar visibilidade à essa luta e trazer, mais uma vez, Niterói para dentro do centro político do Brasil através da atuação dos comunistas.
Igor Alves Pinto, Advogado, Professor, Dirigente do Comitê Municipal do PCdoB de Niterói e Diretor do filme.
Assista abaixo: