Quem está botando fogo no Brasil? E por quê?
Em artigo, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) fala sobre o negacionismo climático no Brasil.
Se é preciso ver para crer, então ninguém mais pode se dar ao “luxo” de ser negacionista climático no Brasil. Ainda sinto no rosto o calor do fogo que vi na BR-101 ao voltar de uma agenda de campanha em Campos dos Goytacazes, no Norte do Rio, na última segunda-feira. No mesmo dia, folhas queimadas por um incêndio criminoso cobriram a capital do país, sopradas por um vento de fumaça e fuligem vindo do Parque Nacional de Brasília. Em Campo Grande, os aplicativos meteorológicos passaram a indicar que o clima no Mato Grosso do Sul não era mais “sol”, “chuva” ou “nublado” – era “fumaça”.
Além do fogo que vi na estrada, os outros dois exemplos me chegaram pelo telefone, em fotos e mensagens enviados por pessoas próximas. Sabe aquelas previsões apavorantes sobre o clima que os cientistas cansaram de repetir nos últimos 10, 20, 30 anos? Não são mais projeções de um futuro insalubre, mas fazem parte do nosso dia a dia. Pior: temos percebido que os alertas mais catastróficos dos cientistas eram otimistas. A emergência climática é uma realidade. E agora?
Se fosse “só” o clima, já seria um desafio e tanto. Mas, além disso, o país tem respirado perplexo os ares sujos do que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, corretamente classificou como terrorismo climático. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou mais de 180 mil focos de incêndios no país este ano, um aumento de 108% em relação a 2023. As populações dos estados do Norte do Brasil já estavam envoltas na fumaça tóxica das queimadas ilegais meses antes de elas cobrirem boa parte do país. Há milhares (milhões?) de animais mortos, árvores e plantas que continuam a arder na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. Fogo que mata também saberes ancestrais. A dor é imensurável. O prejuízo, bilionário.
Mas que fogo é esse que surge sincronizado nos mais diferentes cantos do país? No dia 23 de agosto, imagens de satélite mostraram como o fogo começou quase ao mesmo tempo em diversos municípios de São Paulo. Há dez dias, o delegado da Polícia Federal Humberto Freire de Barros confirmou o que as imagens de satélite já indicavam: muitos dos incêndios ocorrem em ações coordenadas. Assim como perguntamos – e encontramos – as respostas sobre quem comandou e financiou a tentativa de golpe no 08 de Janeiro de 2023, precisamos agora fazer outra pergunta inescapável, e não parar de repeti-la até que tenhamos uma explicação: quem está botando fogo no Brasil? E por que?
Precisamos dessas respostas para poder punir, com todo o rigor da lei, estas pessoas que ignoram a realidade e insistem em práticas destrutivas e insustentáveis. Não sabemos ainda os rostos nem as intenções, mas não é segredo para ninguém que muitos latifundiários e seus associados (grileiros, garimpeiros ilegais e todo tipo de extrativista primitivo) vêm botando fogo sistematicamente no Brasil há décadas. Uma prática violenta e criminosa que ameaça nossos povos originários, matas, rios, a saúde pública e a segurança alimentar de todos nós. Em última instância, nossa própria sobrevivência. Defender a agricultura e aquela que coloca a maioria dos alimentos na nossa mesa – a agricultura familiar- é combater esses crimes.
Se fosse um país, o agronegócio brasileiro seria o sétimo mais poluidor do mundo: sozinho, o setor é responsável por 75% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil (que por sua vez é um dos dez maiores poluidores do mundo). Os dados estão em artigo assinado por um grupo de ambientalistas na “Folha de S.Paulo”. No texto, eles sugerem aos empresários da soja e da pecuária a adoção urgente de uma “agenda positiva”. Entre as sugestões, apoiar a retirada de pauta de todos os 25 projetos de lei e três PECs do chamado “pacote da destruição” e o endurecimento de penas para crimes ambientais.
Em vez disso, latifundiários têm sido flagrados por órgãos ambientais ateando fogo em áreas protegidas dentro das próprias terras. É um grande negócio. Na Amazônia, ao menos 1.389 propriedades que registraram queimadas entre julho e agosto, muitas em áreas de conservação, haviam recebido anteriormente créditos rurais que somam R$ 2,6 bilhões, graças a brechas na legislação – algumas já tinham áreas embargadas pelo Ibama por infrações ambientais.
A Polícia Federal já abriu mais de 50 inquéritos para investigar os incêndios no Brasil. Na última sexta-feira, deflagrou uma operação de busca e apreensão contra sete pessoas acusadas de queimar uma área da União de 6 mil hectares no Pantanal para fazer pasto. Além da destruição do bioma, os prejuízos calculados são de R$ 220 milhões. Este fogo também pode ser uma tentativa violenta de impedir os esforços do governo Lula para reverter os retrocessos ambientais dos desgovernos de Temer e Bolsonaro. Desgastar o atual governo. O combate ao desmatamento e a repressão aos grileiros e garimpeiros ilegais nunca foi visto com bom olhos por este consórcio da destruição.
Com o crédito extra de R$ 514 milhões, autorizados pelo STF, para o combate aos incêndios e das consequências da seca histórica, Ibama, ICMBio, Cemaden e outros órgãos poderão intensificar estes esforços. O anúncio da criação da Autoridade Climática modifica a lógica da gestão de desastres para a da prevenção, e a sinalização da formação de um Conselho Nacional de Segurança Climática, nos moldes do que eliminou a fome do Brasil nos governos anteriores de Lula e Dilma Rousseff, também são medidas alentadoras.
No fim das contas, é uma questão de regulação, como tudo neste mundo desequilibrado por redes sociais sem controle e ideologia neoliberal disseminada até em igrejas. Assim como as redes sociais desreguladas ameaçam a democracia, precisamos ordenar, fiscalizar e controlar nossas estratégias de adaptação e transição energética. Todos já vimos, sentimos e respiramos os efeitos da emergência climática. Não há mais alternativa a não ser mudar nossa relação com o planeta e os meios de produção. Há muito o que podemos fazer desde já, a começar por não votar, nestas eleições, em pessoas que representam a destruição da vida. As enchentes no Sul, os incêndios no Norte e Centro-Oeste e a fumaça no Sudeste são provas concretas de que a hora de derrotá-los é agora.
Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ).
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.