Presidente da FMG, Sorrentino avalia o 14º Fórum Mundial do Socialismo
Informe do presidente da Fundação Maurício Grabois, Walter Sorrentino, sobre o 14º Fórum Mundial do Socialismo realizado em Pequim, China. O informe foi debatido na reunião de diretoria da Fundação Maurício Grabois realizada na última quinta-feira (27/09)
Nos dias 9 e 10 de setembro, a cidade de Pequim, na China, foi a sede do 14º Fórum Mundial do Socialismo. Tive a oportunidade de participar do evento na condição de presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente do PCdoB. Também participaram José Reinaldo Carvalho, pelo CEBRAPAZ, e Rodrigo Moura, membro do PCdoB, acadêmico na China. Na ocasião, a Grabois fez um pronunciamento por intermédio de seu presidente.
Promovido pela Academia de Ciências Sociais da China, o Fórum contou com a participação de quase 40 estudiosos estrangeiros, que intercambiaram experiências com dezenas de acadêmicos chineses, em especial da Academia de Marxismo. O evento tem caráter eminentemente acadêmico-científico, mas estiveram presentes diversos dirigentes de partidos comunistas, entre os quais o da própria China.
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O temário foi amplo. O pano de fundo são as mudanças no mundo, as mudanças do tempo e da História, de intensidade e celeridade inéditas, convergindo em torno dos impactos da 3ª. Sessão Plenária do Comitê Central do PC da China, realizada entre 15 e 18 de julho de 2024. Trata-se de uma ampla iniciativa teórico-política e, de certo modo, uma ofensiva diplomática para difundir projeções estratégicas da edificação socialista com peculiaridades chinesas e seus impactos globais.
A 3ª. Sessão Plenária do CC desatou uma nova jornada nesse rumo. Sua Resolução deve ser estudada devido aos impactos globais que implicam e, em especial, à demonstração do amadurecimento da teoria do socialismo e seus êxitos na China com peculiaridades próprias.
Em síntese muito apertada, as Resoluções prescrevem um impulso ao aprofundamento integral e abrangente das reformas na China, pelo desenvolvimento do socialismo com peculiaridades chinesas e o papel da China no mundo. Com base numa leitura da atual conjuntura internacional, projetam completar a modernização da China.
O sentido último disso é promover três correspondências que são a base da modernização: entre as relações de produção e as forças produtivas, entre a superestrutura e a base econômica e entre a governança do país e o desenvolvimento social. O objetivo é, até 2035, atingir o objetivo de uma economia de mercado socialista de alto nível, para além dos marcos prevalecentes de uma sociedade “moderadamente próspera”.
São propostos cinco pilares básicos de desenvolvimento, a saber, econômico, político, cultural, social e ecológico, e quatro integrações, com uma perspectiva estratégica, a saber: a integração na construção de um país socialista moderno, no aprofundamento da reforma, na governança do país de acordo com a lei e o papel de direção rigoroso do partido.
As resoluções destacam a importância das questões internacionais, no contexto de uma comunidade internacional cada vez mais inter-relacionada. Promovem a atualização dos cinco princípios para a coexistência pacífica, o respeito mútuo entre os Estados a partir da “regra de ouro” da não ingerência nos assuntos dos outros países, formas corretas de entender o direito internacional, sem uma potência hegemônica que imponha a sua vontade e interesses aos restantes países, propondo um quadro de relações mais justas entre o Norte e o Sul global, reforçando as relações de cooperação Sul/Sul, que podem tirar muitos países do subdesenvolvimento e da pobreza.
Isto contém a construção das “três iniciativas”: a Iniciativa para o Desenvolvimento Global, Iniciativa para a Segurança Global e Iniciativa para a Civilização Global. Com elas, o Presidente Xi Jinping expôs o modelo de segurança que a China oferece ao resto do mundo, para um futuro compartilhado para a humanidade, baseado na garantia de que todos os conflitos sejam resolvidos através do diálogo, da negociação e da diplomacia, no âmbito das Nações Unidas, com relações internacionais multilaterais e mutuamente benéficas, de modo que a segurança de um país esteja ligada à segurança do resto da comunidade internacional.
A ênfase é na persistência e desenvolvimento do princípio da igualdade soberana, em que uma civilização não pode se impor pela força às restantes, que todas as civilizações do mundo têm elementos positivos com que aprender e que só a superação da política de blocos e de esferas de influência pode ajudar a resolver as tensões e os conflitos de que são vítimas dezenas de povos em todo o planeta.
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Do ponto de vista estratégico, o êxito do caminho chinês com peculiaridades próprias indica que há, sim, alternativas ao atual estado de coisas no mundo capitalista, e que isso precisa ser estudado e difundido amplamente, revigorando as forças que sustentam a luta pelo socialismo no mundo e revigorando criativamente o marxismo como ferramenta para a análise crítica da realidade concreta.
O impacto disso tem muitas dimensões. No presente, quatro grandes paradigmas estão em transformação: a poderosa onda disruptiva das forças produtivas, força transformadora da realidade de primeira ordem; a crise do capitalismo neoliberal, no terreno econômico e político; a geopolítica internacional de emergente multipolaridade e ascenso de Estados-nação em disputa por seus interesses, com declínio relativo do poderio imperialista e do próprio Ocidente; e o amadurecimento da teoria do socialismo com os êxitos da China socialista com peculiaridades próprias, avultando a força econômica e geopolítica desse país.
A luta pelo socialismo em todo o mundo precisa lidar com essa nova realidade. É evidente o espectro de oportunidades e riscos que se põe para nossas perspectivas. Nesse sentido, o Fórum Mundial do Socialismo é uma brilhante iniciativa para o movimento comunista internacional, promovendo o espírito internacionalista com unidade na diversidade, sem cópias de modelos nem imposição de centralidades, centrado na promoção de intercâmbios teórico-políticos e de relações fraternas entre iguais.
Isso impulsiona a imensa necessidade de desenvolver o Marxismo do Século 21, com atualizações necessárias ao marxismo para dar respostas originais aos dilemas da luta pelo desenvolvimento soberano nos países emergentes e pelo socialismo, partindo da análise concreta dos problemas concretos da realidade a enfrentar. O PC da China sempre enfatiza a teoria marxista como instrumento para transformar a realidade, tendo em conta que a verdade está nos fatos e qualquer proposta política precisa ser acompanhada de projetos exequíveis que a desenvolvam.
Intervindo pela Grabois no Fórum e em outros painéis realizados, opinei diretamente sobre esses desafios teóricos e políticos a partir de nossa realidade no Brasil e na América Latina. Parti da consideração de que a China é grande potência econômica e sua política visa a seus interesses, como é próprio das relações internacionais, mas disso podem se beneficiar os esforços dos países em busca de sua autodeterminação nacional. Exatamente o que é necessário ao Brasil sob as vistas de um novo projeto nacional soberano que, para o PCdoB, é o caminho brasileiro ao socialismo.
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Propus formular uma pauta unitária, envolvendo a atualização de análises sobre a crise do neoliberalismo, as novas formas e intensidades em que atua a lei do desenvolvimento desigual, uma nova economia política para o desenvolvimento e, ainda, os impactos da era digital na acumulação e regulação do capital e sobre o trabalho humano. Apontei também para a temática da ciência política e do Estado.
Também houve a participação de José Reinaldo Carvalho e Rodrigo Moura, com importantes intervenções.
Não é só um slogan falar de uma nova Era que se abre no mundo e na História. Isso tem bases reais. E são também bases para a revitalização dos partidos comunistas, da luta pelo socialismo em todo o mundo, em especial para o Sul Global.
Num paralelo histórico, somos uma “sociedade de Mont Pèlerin” do pós 2a. Guerra mundial, que resistiu aos impulsos desenvolvimentistas da época, mediados pelo Estado e, posteriormente, se revigorou com o neoliberalismo desde meados dos anos 1970. Da parte das forças marxistas, após o colapso socialista na URSS e Leste europeu, que representou uma derrota estratégica dos comunistas, em meio a muitas hipostasias, a corrente resistiu, aprendeu com a experiência, manteve ainda amplas bases sociais de sustentação, agora se renova e se faz mais forte progressivamente. Os êxitos da China demonstram que pode ser superado o generalizado e profundo mal estar social que vigora sob o neoliberalismo-imperialismo. Pode-se dizer que o sol seguirá nascendo ao Leste, os dias nascem primeiro lá e é de lá que o socialismo volta a frutificar.
Há que se desvelar com clareza este novo momento que emerge, enfocar o contexto de modo mais amplo, fazer as perguntas certas e focar nos desafios em presença. É preciso forjar uma pauta definida, teórica e política, estratégica e tática, no plano econômico, societário e cultural-ideológico, para desenvolver o marxismo e ser capaz de analisar criticamente temas de fronteira do desenvolvimento contemporâneo, as contradições em presença, ir às suas raízes, focar a unidade entre a teoria e prática, buscar soluções originais e inovadoras aos problemas.
No Brasil, precisamos ser portadores de uma nova agenda para o país e o PCdoB, dotado de uma linha de massas, pode ser o fator decisivo para aglutinar forças em torno de um projeto nacional soberano, de autodeterminação e desenvolvimento, de florescimento de um novo ciclo civilizacional no espírito deste tempo.