O Estado brasileiro: decifre-o ou ele o devora
Resenha de Walter Sorrentino, presidente da Fundação Maurício Grabois, sobre o novo livro de Ronald Freitas. “O Estado brasileiro e seus desafios no século XXI” sai pela editora Observador Legal com apoio da FMG.
Apresentar ou recomendar um livro serve para prestigiar ideias e o Autor. Nestes tempos de cacofonia (e muita superficialidade), é a opção certeira neste caso, porque é um livro bom, importante e deve ser lido porque ilumina o terreno da luta política democrática e progressista.
Falo de O ESTADO BRASILEIRO E SEUS DESAFIOS NO SÉCULO XXI (uma breve história), de Ronald Freitas. Não é resenha, mas vamos lá.
Freitas é um experimentado personagem nas lutas de classes do país. Marxista e comunista, une teoria e prática, vivência e experiência concretas, brasilidade e internacionalismo. Há mais de cinco décadas, sua militância incide no tema Estado, democracia, ditadura, dilemas brasileiros. Na militância programática que assumiu desde jovem, vê no Estado nacional o instrumento essencial do poder político para o desenvolvimentismo brasileiro como ao socialismo. É coisa para poucos.
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Seu livro tem a felicidade de percorrer o tema a partir da história política do país e inserido no curso das lutas travadas desde a fundação do Estado-nação. Sem ser historiográfico, nem extensivo, isso foi-lhe indispensável para o mérito essencial: discutir o presente, seus dilemas e potencialidades, os modos como está ameaçada a democracia com a crise do Estado liberal e as disfuncionalidades institucionais que se desenvolvem no Brasil, que acompanha (e até na vanguarda) tendências globais do Ocidente.
Já por essa razão, serve aos que se iniciam na ciência política, estudantes e pesquisadores, no ativismo político social e partidário. Mas, sem dúvida, serve à luta de vastos setores hoje às voltas com a necessidade de salvaguardar a democracia em ampla frente unida, contra o neofascismo.
Destaco, em especial, o compromisso de fundo da obra: desvelar o Estado necessário para abrir caminho a um novo projeto nacional de desenvolvimento soberano, democrático e inclusivo. Freitas chega ao ponto nodal de sua tese: o atual Estado brasileiro não se presta para tanto, ao contrário, seu ordenamento é disfuncional ao movimento contra hegemônico pela completa capacidade de autodeterminação nacional.
Sob a atual hegemonia da burguesia financeira brasileira, associada à cadeia global hegemonizada pelos EUA, a marcha pelo desenvolvimento soberano exige, nada mais, nada menos, reformas estruturais democráticas do Estado nacional para progredir. O tema é antigo, mas reiterá-la – mais que isso, contextualizá-las no presente -, como o faz Freitas, é indispensável.
Isto posto, digo que a esquerda brasileira faz sua experiência, dá imensas contribuições à nação e ao povo, na luta política, eleitoral e institucional cotidiana. Entretanto, não pode perder de vista essa dimensão maior, estratégica.
Ao contrário, precisa pôr a questão mais em evidência. Isso é mais que nunca necessário face a muitos paradigmas que estão sendo rompidos. Falo de Estados-nação em confronto pela sua autodeterminação e desenvolvimento nacional, quando se processa uma multipolaridade emergente no mundo; quando se desenvolve poderosa revolução das forças produtivas que modificará as relações de produção e o próprio regime de regulação do capital; quando as grandes corporações e as finanças adquirem poderio que chega a arrastar nações inteiras aos seus interesses, acentuando a dependência e subordinação dos que estão na periferia da divisão internacional do trabalho. Isso tudo, bem considerado, numa moldura fundamental: o declínio do Ocidente e o neoliberalismo em crise, por um lado; por outro, o amadurecimento da teoria do socialismo expresso pelo sucesso do empreendimento chinês.
Não há como desconsiderar os influxos disso sobre a ciência política em geral, o Estado em especial. Há muito a pesquisar. E lutar. Freitas indica rumos: as referidas reformas dop Estado nacional precisam estar sempre em mente e em pauta para as forças transformadoras, em especial aos que defendem a alternativa socialista, até porque elas sabem que não se acumularam condições políticas e sociais suficientes para tanto, de imediato. Esse o dilema da experiência progressista. Miopia nunca pode ser nossa conselheira política.
Este livro me motivou a pensar por esse caminho. Creio que ajudará a todas e todos que o lerem.