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O Sul Global, de bloco informal a um novo organismo internacional?

7 de outubro de 2024

Artigo de Durval de Noronha Goyos Júnior sobre o reposicionamento geopolítico do Sul Global

O Sul Global não é um conceito geográfico, mas sim um postulado e uma noção política baseada, numa perspectiva jurídica, em cinco princípios adotados pelas constituições de Brasil e China e ainda observados por outros países em desenvolvimento. São eles: o respeito pela soberania e integridade territorial dos Estados; a não agressão; a não interferência nos assuntos internos de outros países; isonomia e benefício generalizado; coexistência pacífica e intercâmbio positivos econômicos e culturais entre os povos. 

Devido à total corrupção da ordem jurídica internacional por conta das, tanto múltiplas como deliberadas, ações conduzidas pelos EUA e seus Estados clientes da NATO e Israel, a união de países em desenvolvimento em sustentação dos conceitos de Justiça e decência já se opôs a muitos abusos que teriam sido levados a efeito pelas forças da opressão, ao mesmo tempo em que ofereceu um foro para a promoção de valores positivos em todo o mundo.

Em pouco tempo, o chamado Sul Global já interveio em prol da paz, estabilidade e prosperidade internacionais. De fato, em 2009 foi criada uma organização intergovernamental a funcionar como um grupo geopolítico e identificado pelo acrônimo BRICS, hoje formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. Os países que formam o bloco buscam a cooperação política, o desenvolvimento econômico e o progresso social, dentro do quadro de princípios acima mencionado.

A constituição de um banco multilateral no âmbito do BRICS, por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul em 2015, com um capital de US$ 100 bilhões, com o nome atual de Novo Banco de Desenvolvimento, representou um marco importante. De fato, este foi um passo fundamental na cooperação entre países em desenvolvimento com o objetivo de apoiar projetos públicos e privados através de empréstimos, participações societárias e outros instrumentos financeiros, sem as condicionantes devastadoras das chamadas instituições de Bretton Woods, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Essas, como é sabido, foram criadas pelos países imperialistas com o objetivo de beneficiar os seus agentes econômicos privados e as suas respectivas economias.

Os países do BRICS mantêm hoje importantes consultas e negociações para a criação eventual de uma moeda comum. Esta iniciativa tem amplo mérito, porque poderá eliminar em grande parte a alienação de países em desenvolvimento ao comércio internacional, causada pela necessidade de acesso prévio ao dólar americano. De fato, por que países como Brasil e China devem recorrer ao dólar americano para o seu comércio bilateral se os seus respectivos exportadores recebem em Reais e Yuan? O mesmo é verdade em todo ou em parte para outros Estados.

No mundo de hoje, em que se verifica a destruição da ordem jurídica internacional erigida pela Carta da Organização das Nações Unidas (a Carta), o Sul Global e o BRICS já se apresentam como defensores dos princípios da ONU e podem ainda se constituir no embrião de um possível novo sistema legal que seja mais equânime e tenha a força da Lei acima daquela das armas, da intimidação, dos embargos e bloqueios econômico-financeiros.

É sabido que os pilares fundamentais da ordem jurídica da ONU são a promoção da paz e a proibição da guerra, conforme expresso no artigo 2.4 da Carta, uma norma imperativa que ordena as relações internacionais. Em princípio, o recurso ao uso da força militar é restrito àquele coletivo, exercido pela comunidade das nações, representada pela ONU. Ocorre que, na estruturação falha do poder de mando na organização, nas mais das vezes não se obtém consenso a respeito no Conselho de Segurança, o que inviabiliza quase todas as tentativas de segurança coletiva.

O resultado desta paralisia são as violações ao princípio da proibição da guerra e às normas internacionais pertinentes aos crimes contra a humanidade e crimes de genocídio. Atualmente, o Estado de Israel e seus agentes impunemente cometem às vistas perplexas e ofendidas da opinião pública internacional todos eles, tendo como compartes os EUA e certos membros da NATO. Mais de 41.000 civis palestinos, principalmente crianças e mulheres foram mortas, sem capacidade de defesa.

A indefesa infraestrutura pública em Gaza, incluindo hospitais, saneamento e escolas, foi destruída por bombardeios aéreos. Assistentes humanitários internacionais, inclusive da ONU, e jornalistas foram assassinados. Além da ONU, organizações como a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional se manifestaram contrariamente às ações criminosas de Israel, sem que nenhuma sanção tenha sido aplicada. Persiste assim o crime continuado.

Acresce que o Líbano, um Estado membro da ONU, presentemente está a sofrer uma invasão militar e a ser submetido à destruição sistemática causada por bombardeios aéreos indiscriminados por parte de Israel, com ataques contra as populações civis, da mesma maneira com o que ocorre em GAZA. A ONU já se manifestou contrariamente à ação, conforme declarações oficiais. Em contrapartida, o secretário-geral da organização, António Guterres, foi declarado “persona non grata” por Israel, condição em que é acompanhado pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (sic).

Estes exemplos atuais ilustram de maneira veemente e dramática a inadequação e a ineficácia da ONU face mesmo às violações de seus princípios basilares. Desta maneira, as ações coordenadas dos países integrantes do chamado Sul Global podem favorecer uma reforma da organização, de maneira que ela possa efetivamente atender aos seus propósitos expressamente declarados. Alternativamente, estes mesmos países poderão proceder a uma reorganização da comunidade internacional, de forma a promover a paz, o bem e a Justiça.