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Revista Princípios lança chamada de artigos sobre IA e tecnologias disruptivas

8 de outubro de 2024

A revista Princípios (ISSN:1415-7888; E-ISSN: 2675-6609), periódico científico de teoria, política e cultura classificado pela Capes como A3 no Qualis Periódicos (2017-2020), torna pública a chamada de artigos para o dossiê temático “Um olhar crítico sobre as novas tecnologias disruptivas”, organizado pelos professores doutores Olival Freire Júnior (UFBA), Cristhiano Duarte (Chapman University) e Cristiano Capovilla (UFMA), com publicação prevista para abril de 2025 na edição 172.

Parece existir um consenso: o futuro chegou! Vivemos em um admirável mundo novo! Das mais básicas necessidades humanas até as mais efêmeras: o que comemos, onde moramos, como prevenimos doenças, quais técnicas devem ser usadas no plantio de alimentos, como cuidamos daqueles que precisam de atenção especial, qual o meio de transporte mais eficiente, como nos antecipamos a desastres ditos naturais, onde nos comunicamos, qual informação é compartilhada, como a informação é produzida e armazenada, o que deve ser vigiado por questões de segurança, qual o novo vídeo viral, qual o novo filme recomendado pela plataforma, que podcast devemos ouvir e, mais importante, onde devemos ouvi-lo. Parece não existir nenhuma faceta da interação humana que escape do impacto causado pelos últimos saltos tecnológicos. A cada nova tecnologia disruptiva, vemos as noções de tempo, espaço e memória sendo completamente reformuladas, novas relações sociais sendo forjadas e o fim do trabalho uma vez mais anunciado. Mas… será mesmo assim?

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Consideremos, por exemplo, o texto da presente chamada. Nos dias de hoje, é virtualmente impossível saber ao certo se o que você está lendo não teria sido gerado automaticamente por um chatbot comercial de uma grande empresa de inteligência artificial californiana. O pedido de geração do texto pode muito bem ter partido de um autor sentado dentro de um Uber, a caminho de um aeroporto na Europa, de um celular montado na China — mas vendido a preço de maçã dourada no Brasil. Os dados do pedido são transferidos para a empresa via uma rede de 5G+ de alta velocidade e o texto é processado em um cluster de computadores de outra big tech a quilômetros de distância dali — impossível saber se no Texas, na Virgínia, em Washington ou na própria Califórnia. O algoritmo desenvolvido depois de anos de pesquisa termina o processamento, o texto deixa o galpão de computadores ultrarrefrigerados (computadores gastam energia e produzem calor) e segue seu caminho de volta até o celular que gerou o pedido.

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O resultado final é passado por um corretor ortográfico e enviado por e-mail para o editor da revista — mais dados, outra big tech, outro cluster, mesma história. O chatbot, o aplicativo de transporte, a rede de alta velocidade, o algoritmo, o corretor ortográfico, funcionam como feitiço, mas por trás da feitiçaria existe um mundo de exploração, espoliação e devastação que no mais das vezes é esquecido. A motorista do Uber já vai para sua décima hora trabalhada, a empresa que monta os celulares de luxo se viu obrigada a instalar uma rede de proteção embaixo das janelas pra evitar o suicídio de trabalhadores, os microprocessadores do cluster contêm minérios arrancados do Chile ou do Brasil por uma mineradora do norte global… a lista é interminável. Mas, curiosamente, os arautos do fim do trabalho continuam a tocar suas trombetas.

Feitiços e fetiches à parte, a história dos muitos avanços tecnológicos disruptivos também não é inteiramente nova e tende a ser cumulativa. Tomemos o exemplo da chamada revolução industrial. Não é possível imaginar a construção de uma máquina térmica sem antes passarmos pela dominação da produção do calor e do fogo. Analogamente, não é possível imaginar o funcionamento de um trem a vapor sem passar primeiro pelas muitas técnicas de fundição, desenvolvidas ao longo de muitos anos, que permitiram moldar longas barras de ferro e transformá-las em trilhos — isso sem falar da própria invenção da roda. Sem apelar para determinismos tecnológicos, avanços disruptivos tendem a ecoar o passado de outros avanços igualmente disruptivos. Mas o que causa a sensação de que vivenciamos o apogeu da tecnologia na sua faceta mais impactante e disruptiva se não o invólucro ideológico que atravessa a ciência e a técnica desde a modernidade?

A verdade é que grande parte do mundo contemporâneo vive dentro de uma particular ordem social institucionalizada. Uma ordem na qual virtualmente todos os bens e serviços são produzidos para e obtidos no mercado. Um sistema em que tanto aqueles que produzem quanto aqueles que se apropriam das sobras do trabalho alheio são inteiramente dependentes do mercado para a sua sobrevivência e reprodução social. Esse imperativo do mercado, construído historicamente, não vem sem profundas marcas sociais. Vivemos um sistema onde a competição e a acumulação interminável são palavras da ordem. Avanços tecnológicos sistemáticos, dentro de uma sociedade capitalista, deveriam, portanto, ser vistos como representações concretas das leis de movimento e das relações de propriedade sociais daquela ordem social — e, em particular, da faceta competitiva e da guerra real que elas ensejam. Talvez a prova maior dessa exploração seja o aumento dos problemas psíquicos que crescem na mesma proporção que os avanços técnicos no mundo do trabalho. É bem provável que o que se convencionou chamar de disruptivo esteja mais ligado à organização da produção sobre o ordenamento capitalista do que aos produtos “tecnológicos” desse meio de produção.

Mas o que dizer sobre sociedades organizadas sobre outras relações de propriedade sociais e, portanto, com outras leis de movimento? Profundas mudanças têm caracterizado, na última década, as economias dos países que se orientam pelo modelo socialista. Como mostram autores como Elias Jabbour, nesse processo, a experiência chinesa desempenha papel protagonista, e chega a inspirar reformas realizadas em outros países. Evidentemente, existe uma relação entre o papel do sistema nacional de inovação tecnológica que se fortaleceu nos últimos anos — com as inovações ditas disruptivas (5G, big data, inteligência artificial, entre outras) e o surgimento de novas formas de planificação econômica no país. Abre-se, dessa forma um amplo leque de problemas teóricos sobre as relações entre desenvolvimento tecnológico e novas formas de organização societária. Um conceito estendido de “novas tecnologias” nos força a refletir não só sobre o caso chinês em concreto, mas sobre novas formas de governança, novas formas de planejamento, novas formas de produção e, consequentemente, novas formas de organização social.

Decifrar essas questões, além de outras não tratadas aqui, representará importante contribuição para que o materialismo histórico alcance novo patamar. No debate sobre a tecnologia, é óbvio que questões econômicas, políticas, sociais e culturais encontram-se imbricadas. Nessa perspectiva, Princípios propõe uma análise crítica sobre a inteligência artificial e as novas tecnologias ditas disruptivas, a partir das mais diversas óticas e perspectivas disciplinares. Esperamos contribuições de pesquisa e reflexão crítica acerca dos seguintes tópicos estruturantes:

  1. Análise materialista histórica do conceito de tecnologia e avanços tecnológicos disruptivos, seja na obra de Marx, seja na de outros autores;
  2. Impacto das tecnologias disruptivas sobre as relações de produção, sobre o regime de acumulação e regulação do capital e sobre o valor-trabalho;
  3. Relações entre tecnologia e mercado de trabalho. Novas formas de exploração no “capitalismo de plataforma”; o algoritmo como novo relógio de ponto;
  4. Hegemonia e tecnologias disruptivas. Algoritmos, redes sociais e a construção de narrativas num mundo conectado;
  5. Bases epistemológicas e fronteiras teóricas. Conceitos filosóficos e sociológicos que podem apoiar e contribuir para a renovação da noção de tecnologia — não somente como expressão material da competição capitalista;
  6. Novas formas de governança e socialismo digital. A tecnologia na estruturação de ordens pós-capitalistas;
  7. Modelos de financiamento estatal: potencialidades e limites. Como as sociedades de projetamento obtiveram sucesso tecnológico em meio ao universo capitalista e eventuais limites dessa expansão;
  8. Tecnologia para quem? Cidades inteligentes; papel da tecnologia na prevenção e monitoramento de desastres naturais; desertos tecnológicos;
  9. Parafernália tecnológica e adoecimento psíquico: novas tecnologias e antigas formas de exploração.
  10. Papel do domínio tecnológico na relação centro-periferia e na transição para um mundo multipolar;
  11. Futuro da inteligência artificial no Brasil. Avaliações sobre as políticas públicas e o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial.

Os temas listados não excluem outras propostas de trabalho para o dossiê. Dadas as amplas possibilidades de discussão e enfoque da temática, proposições alternativas são bem-vindas, especialmente se originais.

A revista também aceitará contribuições de artigos, ensaios e resenhas com temáticas diversas, de modo a compor as demais seções da publicação, não diretamente relacionadas à temática do dossiê.

As contribuições devem consistir em textos originais e inéditos, escritos em português ou traduzidos para esse idioma com autorização de seus autores, e que estejam em conformidade com as normas da revista (disponíveis em anexo).

As contribuições deverão ser submetidas no endereço eletrônico https://revistaprincipios.emnuvens.com.br/principios/about/submissions até o dia 10 de fevereiro de 2025.

São Paulo, 3 de outubro de 2024.

Comissão Editorial da revista Princípios