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Pietro Lora Alarcón: O golpe brando na Colômbia

18 de outubro de 2024

O professor de direito constitucional da PUC-SP, Pietro Lora Alarcón, denuncia o golpe brando em curso contra o presidente da Colômbia, Gustavo Petro.

No dia 8 de outubro, o Conselho Nacional Eleitoral – CNE – informou ao país que investigará o presidente Gustavo Petro, o gestor da campanha presidencial Ricardo Roa, a tesoureira Lucy Mogollón, a Colombia Humana e a União Patriótica, por suposta violação do limite de despesas eleitorais e suposta omissão de contribuições financeiras da FECODE, da USO e do Polo Democrático Alternativo.

A CNE tem como base uma decisão da Câmara de Consulta e Função Pública do Conselho de Estado, que a declara competente para a realização da investigação. A decisão da Corte também determina que, caso haja alguma sanção, o Congresso deverá abrir um julgamento contra o presidente por indignidade política.

Há uma aparência de legalidade em toda a trama. Mas, em linhas gerais, anuncia-se o caminho do chamado golpe brando. A CNE abriu uma investigação para encontrar argumentos que levem a uma sanção que, levada ao Congresso, provocará um processo que tem como objetivo declarar a perda do mandato do presidente. Não há dúvida de que a investigação é contra o vencedor das eleições de 2022, especialmente porque a CNE, que deveria ser uma organização verdadeiramente independente, como noutros países do mundo, é um reflexo da composição política do Congresso.

Não há ingenuidades aqui. São conhecidas as manobras legais para perseguir presidentes que desafiam os interesses das classes dominantes latino-americanas. Quem interpreta a lei como algo neutro, especialmente na situação atual, concluindo que neste caso a competência presidencial, estabelecida no artigo 199 da Constituição, é preservada, com todo o respeito, peca porque é inocente ou porque não deseja ver ou antecipar o que acontece ou pode acontecer.

Este roteiro traçado não é constitucional nem legal. Mas para a direita do país, violar a Constituição e as leis é o mínimo. Está mais do que habituada a manipulá-los tecnicamente para sua comodidade e sem limites éticos, ignorando as liberdades e frustrando as exigências e direitos dos cidadãos como a vida, a paz, o trabalho e a reforma.

De acordo com a lei que regulamenta os processos administrativos, a Câmara do Conselho de Estado decide qual autoridade administrativa pode realizar uma tarefa quando houver dúvidas sobre ela. Também, por outro lado, o Tribunal Constitucional já decidiu que a Câmara é competente quando pelo menos uma das autoridades em conflito é administrativa.

Agora, se a questão é investigar o presidente, nos termos do artigo 178 da Constituição, em caso de denúncia contra ele, quem formula a denúncia é a Câmara e quem decide é o Senado. É a chamada jurisdição presidencial, que não é um privilégio, mas um instituto fundamental para defender a democracia e a decisão soberana do povo na disputa eleitoral, evitando que investigações e formulações arbitrárias sejam feitas contra o presidente. Aqui, portanto, não há dúvida.

A Câmara do Conselho de Estado decidiu entre o poder da CNE, que é o órgão do sistema eleitoral, e o Congresso, que não é um órgão que pela sua natureza exerce funções administrativas, mas tem como principal função tarefas legislativas e de controle político. Só excepcionalmente desempenha funções administrativas e judiciais.
Uma tarefa judicial excepcional é, justamente, tendo em conta a competência presidencial, investigar e decidir sobre as denúncias contra o presidente. Ou seja, o Congresso é o chamado “juiz natural” pré-estabelecido na Constituição para essa tarefa. E não a CNE. Reiteramos, não há dúvidas aqui.

O mais curioso é que a Comissão de Impeachment da Câmara dos Deputados já ouviu 25 depoimentos sobre essas supostas irregularidades e examinou 34 provas documentais. Além disso, foram realizadas 3 inspeções judiciais.

A Câmara do Conselho de Estado não caracterizou adequadamente o Congresso como juiz natural ou o caráter excepcional de sua atuação judicial. Ela até esqueceu o princípio elementar para o funcionamento do Estado de “freios e contrapesos”. A expressão parece complicada, mas o Estado funciona com base nas responsabilidades de três poderes: o executivo, o legislativo e o jurisdicional. Cada um exerce seus poderes de forma independente. Porém, para manter o equilíbrio e a unidade entre eles existem controles recíprocos estabelecidos na Constituição. Por exemplo: assim como o presidente pode se opor a projetos de lei do Congresso, o Congresso – e nenhum outro órgão – investiga e julga o presidente.

Para quem entra no “mundo do Direito”, onde predominam palavras como Constituição, leis, códigos ou sentenças, tentar compreendê-lo pode não ser muito fácil. Mas isso não precisa necessariamente ser tão complexo. Parte desta dificuldade deriva do fato de, para os historicamente privilegiados, ser conveniente que este mundo permaneça numa atmosfera nebulosa.

Agora, quando os interesses de classe dos grandes empresários, das corporações transnacionais e dos usurpadores de terras são diretamente afetados, é quando a direita tenta tirar vantagem desse ambiente opaco, procurando instrumentalizar as formulações jurídicas. Ou seja, quando as regras de funcionamento do Estado são insuficientes para manter o seu domínio porque os setores populares ultrapassam as barreiras antidemocráticas do regime eleitoral e propõem reformas nas Assembleias ou Congressos, para a direita a solução é uma interpretação que lhes sirva e, se não houver nenhuma, violar as regras que ela mesmo criou.

A Lei não é algo isolado da luta de classes. Não é uma mera técnica nem carece de bússola. Ou seja, trata-se de uma questão de decisões políticas e por isso não é irresponsabilidade o presidente denunciar o golpe brando ou apelar à mobilização popular.

Pietro Lora Alarcón é Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito na PUC/SP. Professor Titular do Centro Universitário Bauru – CEUB/ITE. Pós-Doutorado pela Universidad Carlos III de Madrid e pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Doutor e Mestreem Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Publicado originalmente em Voz

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG