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André Tokarski: Sem cooperação e adaptação climática, não haverá transição energética justa no Brasil

23 de outubro de 2024

É preciso criar governança global para proteger população vulnerável e mitigar riscos de fenômenos climáticos para setores estratégicos, diz o coordenador do Grupo de Pesquisa sobre a “Transformação ecológica e diversificação energética” da Fundação Maurício Grabois, André Tokarski.

A transição energética, para ser justa e inclusiva, exige a superação de importantes desafios em escala global e doméstica. Entretanto, o acirramento das tensões no Oriente Médio e na Ucrânia e a persistência de guerra comercial para conter a expansão industrial chinesa turvam o ambiente internacional para acordos e cooperação. No cenário interno, há importantes iniciativas para a promoção da diversificação de fontes energéticas, mas a escalada de incêndios e queimadas, a estiagem prolongada e a queda acentuada no nível dos reservatórios de água colocam na ordem do dia a urgência da agenda da adaptação para reduzir as vulnerabilidades do país diante dos fenômenos climáticos extremos.

Nos últimos 10 anos, fenômenos climáticos provocaram danos materiais da ordem de R$ 421,26 bilhões de reais, mais de 1,5 milhão de moradias foram danificadas e 280 mil destruídas. No período entre 2020 e 2023, 40% dos municípios brasileiros decretaram situação de emergência motivada por  tempestades, inundações, enxurradas ou alagamentos. Somente em 2022, 13 a cada 100 brasileiros foram diretamente afetados por eventos climáticos extremos[1]. Em divulgação recente, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) estimou em R$ 87 bilhões os danos econômicos da tragédia ambiental ocorrida em maio de 2024 no Rio Grande do Sul, que tirou a vida de 182 pessoas.   

O combate às mudanças climáticas requer cooperação e responsabilização mútua no cenário internacional. Entretanto, os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio têm relegado a agenda climática multilateral a segundo plano. Esses conflitos consomem vastos recursos financeiros e intensificam o uso de energia fóssil. Contudo, para que a diversificação energética avance rumo à ampliação das energias de baixo carbono, é fundamental a criação de um arcabouço normativo internacional por Estados e instituições como a OMC e a Convenção-Quadro da ONU, bem como a cooperação tecnológica e o acesso adequado a financiamento.

No cenário doméstico, a agenda governamental prioriza a ampliação e diversificação das fontes energéticas. Recentemente, foi sancionada a Lei dos “combustíveis do futuro”, que promove o uso de combustível sustentável de aviação (SAF), diesel verde, biometano e tecnologias de captura de carbono. Em linha com essa estratégia, a Lei nº 14.948/2024 estabeleceu o marco legal para o hidrogênio de baixo carbono, criando incentivos fiscais para seu desenvolvimento. Além disso, publicou o Decreto nº 12.153/2024 (“Gás para Empregar”), visando aumentar a oferta de gás natural no mercado consumidor brasileiro.

 No Brasil, a transição energética justa não pode se limitar à descarbonização, deve possibilitar também a criação de empregos e o combate à pobreza energética, sendo indispensável a ampliação da oferta interna de energia. A China oferta o dobro de energia interna per capita quando comparada ao Brasil, a União Europeia oferta cerca de três vezes mais e os Estados Unidos têm uma oferta interna de energia per capita quase seis vezes maior que a brasileira. A densidade energética reflete o padrão de desenvolvimento das nações e os processos industriais mais sofisticados dependem cada vez mais da disponibilidade de energia elétrica. A oferta interna de energia per capita ainda é muito baixa no Brasil e é um indicador de nossa pobreza energética, como mostra o gráfico abaixo:

Ao lado da ampliação da capacidade de geração de energia, outro desafio absolutamente urgente ao país é a adoção de medidas voltadas à adaptação climática. O objetivo da adaptação é reduzir a vulnerabilidade e ampliar a resiliência dos sistemas naturais e de infraestrutura frente aos efeitos presentes dos fenômenos climáticos extremos.

A estiagem prolongada favoreceu a propagação do fogo refletindo uma baixa qualidade de ar nas cidades. No Estado de São Paulo, o fogo atingiu predominantemente áreas de produção agropecuária (88,7%), 236 mil hectares de cultivo de cana de açúcar foram queimados. A área queimada no Brasil este ano mais que dobrou em relação a 2023, foram 11,39 milhões de hectares, sendo cerca de 70% de vegetação nativa e cerca de 2,4 milhões de hectares de áreas dedicadas à pastagem bovina.

Os efeitos da estiagem prolongada também são sentidos no preço da conta de energia elétrica ao consumidor. A partir do mês de setembro, em virtude da falta de chuvas e do baixo nível dos reservatórios, entrou em vigência a bandeira vermelha patamar 2, que implica um acréscimo de R$ 7,87 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. A redução da capacidade de geração hidroelétrica é compensada com o aumento no uso das termelétricas, que são menos eficientes e mais caras. O resultado não impacta apenas a conta de energia elétrica, segundo dados do IBGE, o IPCA do mês de setembro teve alta de 0,44%, comparado ao mês de agosto e o aumento no custo da energia elétrica foi responsável por quase metade desta elevação. 

Em que pese a urgência, as medidas de adaptação à mudança climática não encontram prioridade correspondente na destinação de recursos em âmbito nacional e internacional. No ano de 2023, os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs) financiaram US$ 125 bilhões para ações climáticas, destes, apenas 33% foram direcionados para medidas de adaptação[2]. No Brasil, as restrições impostas pelo regime fiscal, de um lado, e a falta de prioridade na destinação de emendas parlamentares, por outro, ampliam a vulnerabilidade do país aos fenômenos climáticos, repassando os custos dos danos e prejuízos causados para a população assalariada. 

A matriz energética brasileira é mais vulnerável aos fenômenos climáticos extremos, por conta da relevância da geração hídrica e dos biocombustíveis . Além do aumento na conta de energia diante da escassez dos reservatórios, os incêndios são a segunda principal causa de interrupção das linhas de transmissão da rede elétrica[3], podem  provocar curto-circuito e interromper o fornecimento de energia, impactando serviços essenciais para a população, como hospitais, além do impacto financeiro, em função da perda de equipamentos.

A agenda da transição energética justa demandará a superação de obstáculos críticos. No ambiente externo a escalada de ataques  e bombardeios deveria dar lugar à busca pela resolução pacífica dos conflitos e a construção de uma governança multilateral. Em nível doméstico, passa por aumentar o acesso à energia, promover o desenvolvimento regional e adotar medidas de adaptação mais eficazes, a fim de proteger as populações vulneráveis e minimizar os riscos para setores econômicos estratégicos.


[1] Dados disponíveis em https://atlasdigital.mdr.gov.br/paginas/index.xhtml, consultados em 10 de setembro de 2024.

[2] Disponível em: https://www.iadb.org/pt-br/noticias/financiamento-climatico-por-bancos-multilaterais-de-desenvolvimento-atinge-recorde

[3] Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/08/31/queimadas-aumentam-numero-de-blecautes-e-acendem-alerta-no-setor-eletrico.ghtml

André Pereira R. Tokarski, é pesquisador do Ineep, doutor em Direito pela PUC/SP, coordenador do curso de Direito e professor do Mestrado em Direito Constitucional Econômico da UNIALFA. É coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Transformação ecológica e diversificação energética da Fundação Maurício Grabois.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG