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Inamara Mélo: A agenda de Clima e a luta de classes

25 de outubro de 2024

Pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre transformação ecológica e diversificação energética da Fundação Maurício Grabois, Inamara Mélo apresenta os desafios do Plano Clima elaborado pelo governo federal.

Em tempos de emergência climática, a proclamação do “desenvolvimento sustentável” é, por vezes, feita pelos mesmos atores que defendem políticas neoliberais, cobrando do governo brasileiro o corte de gastos para cumprir as chamadas metas fiscais. Os princípios da sustentabilidade ecológica parecem mesmo um bonito verniz, mas de nada valem se não houver medidas concretas para a redução das desigualdades sociais, o que, irremediavelmente, exige investimentos.

Em fase final de elaboração, o Plano Clima Adaptação deve colocar à prova os que defendem, de fato, a agenda da sustentabilidade. Desenvolvido com o engajamento de 25 ministérios que integram o Grupo de Trabalho de Adaptação no âmbito do Comitê Interministerial de Mudança do Clima, o Plano conta com 16 planos setoriais e temáticos, e foi concebido como um instrumento de planejamento de longo prazo para promover ações que visem a adaptação de sistemas humanos e naturais, à luz da justiça climática.

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Reconhecendo que o risco não resulta apenas da ameaça climática, mas também da vulnerabilidade e do grau de exposição das populações, a agenda de adaptação não pode se ater a ajustes menores e de pequena escala, mas focar na redução de desigualdades que perpetuam a pobreza e agravam os riscos associados à mudança do clima. Esta é a tônica dos debates sobre adaptação no âmbito do IPCC e que, sabiamente, o Brasil está seguindo.

A pergunta que se faz é: como emplacar uma agenda robusta para adaptação à mudança do clima, num país de dimensão continental como o Brasil, em que, do total de 5.570 municípios, temos 3.679 municípios com a capacidade adaptativa baixa ou muito baixa, num contexto de sucessivos desastres climáticos e grandes vulnerabilidades decorrentes da omissão histórica de políticas públicas? As cidades, que concentram 85% da população, carecem de moradia, saneamento, transporte e de serviços básicos, como saúde e educação. De acordo com o IBGE, quase um terço das famílias brasileiras vivem com insegurança alimentar.

É fato que o Brasil tem adiante uma tarefa muito, mas muito desafiadora. O governo federal precisa assegurar os meios necessários ao enfrentamento à mudança do clima, promovendo a gestão de riscos climáticos em praticamente todas as políticas e estratégias da administração pública (envolvendo ministérios, estados e municípios), e mobilizando o setor privado e sociedade civil.

O Plano Clima Adaptação considera as possibilidades de financiamento do orçamento público. Mas, sabendo de antemão que as ações previstas no orçamento federal não serão suficientes, as ações de adaptação devem constar também de uma carteira de projetos potenciais que dimensionem as necessidades e reforcem a geração do apoio político para a busca de novos investimentos. Investimentos que priorizem as pessoas e não apenas os lucros que o capital vislumbra na agenda de clima.

Importante olharmos para este Plano como uma oportunidade para as populações mais pobres deste país. No Brasil, temos um contingente de 78,3 milhões de pessoas que tem na mudança do clima mais um eixo de exclusão que impacta de maneira desproporcional grupos e populações vulnerabilizadas. A população negra e pobre, a maioria mulheres, que convive com o medo da casa despencar morro abaixo diante de fortes chuvas ou que tem seus meios de subsistência ameaçados pela seca extrema.

Às vésperas da consulta pública da Estratégia Nacional de Adaptação do Plano Clima, testemunhamos o esforço de construção de uma agenda ambiciosa e justa que pode levar o Brasil a assumir uma posição de vanguarda no esforço global para conter o agravamento da crise climática. Mas o céu não é perto. Precisamos nos colocar em estado de alerta, compreender a dimensão da crise climática e enxergar que as possibilidades que nos restam no caminho da resiliência do Brasil – e do Planeta – certamente envolvem a luta pela superação do modelo de desenvolvimento excludente. Afinal, parafraseando Chico Mendes, Adaptação sem luta de classes é perfumaria.

Inamara Mélo é ex-secretária estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco e pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre Transformação ecológica e diversificação energética da Fundação Maurício Grabois.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG