Luís Eduardo Duque Dutra: A geopolítica da transição energética nesta quadra do século
Pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre “Transformação ecológica e diversificação energética” da Fundação Maurício Grabois, Luís Eduardo Duque Dutra apresenta as dificuldades impostas pela geopolítica para a transição energética
Um quarto do século já se passou e as promessas do novo milênio não se realizaram. Ao contrário, os desafios só aumentaram. As evidências das mudanças climáticas se acumulam, a extrema pobreza persiste no Hemisfério Sul, enquanto no Norte, é a desigualdade que chama atenção. As projeções de fraco crescimento da riqueza mundial até o final da década e o agravamento da tensão política internacional em nada contribuem para melhorar as perspectivas.
Depois do fim da pandemia, em nome da segurança nacional, a refundação das cadeias produtivas, antes globalizadas, somou-se à multiplicação de sanções e retaliações econômicas para dar contornos de guerra ao comércio internacional. Por tudo isso, uma transição energética ordenada e justa, na qual as responsabilidades pelas emissões de gases de efeito estufa sejam compensadas e os custos da mitigação dos impactos do aquecimento sejam partilhados, não parece viável a esta altura.
Em pleno século XXI, a geopolítica da energia se renova para continuar a ditar as relações entre os países, seus interesses e as guerras entre eles. A crise energética recente não decorreu de súbita elevação do preço do barril, como nos tempos dos dois choques do petróleo, mas, do preço do gás natural. A crise também não teve início no Meio-Oriente, mas, na Europa; na vizinha Ucrânia e, como resultado, abriu o mercado, antes dominado pelos russos, ao gás não-convencional dos Estados Unidos.
Em 2024, difícil não constatar a ameaça à paz mundial diante da intensidade do conflito na Palestina, do poderio militar israelense e do eventual envolvimento direto do Irã. A energia nuclear e o enriquecimento do urânio são temas centrais numa guerra que ganha dimensões regionais e, cuja extensão, no caso de um ataque às refinarias e centrais petroquímicas iranianas, terá impacto mundial. Se os alvos forem as instalações nucleares, as consequências serão imprevisíveis. E, em meio a tudo isso, ninguém mais lembra do Chifre da África, onde a guerra e a fome continuam a dizimar a população local.
O fracasso das economias avançadas do Atlântico Norte em superar seus desafios (desindustrialização acelerada, pressão migratória e desigualdade crescente, entre outros) já tem identificado o culpado. Diante do retardo acumulado em relação à eletrificação na China, os Estados Unidos e a União Europeia relançaram os programas de política industrial (IRA e RepowerEU) e as tarifas protecionistas contra a importação daquele país. Por sua vez, o Pacto Verde Europeu aposta no hidrogênio e nos biocombustíveis de última geração que, passíveis de apoio financeiro, excluem o álcool de cana-de-açúcar ou de milho, como também o biodiesel brasileiro. Aos futuros países “parceiros”, a Europa propõe políticas escancaradamente neocoloniais.
Conclui-se que o enfrentamento dos impactos das mudanças climáticas, um desafio indiscutivelmente global, não contará com um ambiente externo favorável, ao menos nos próximos anos. A geopolítica energética continuará pesando, num cenário internacional marcadamente tenso e conflituoso. Dispondo de abundantes recursos e depois de alguns anos de retrocesso, cabe ao Brasil atentar para sua soberania. Em matéria de energia, a urgência por soluções sociais e ambientais não se confunde com pressa, nem com improviso. Bem ao contrário, além de ciência, pesquisa e planejamento, será decisivo encontrar um caminho próprio e parceiros minimamente confiáveis. Tudo indica que eles estão do outro lado do mundo.
Luís Eduardo Duque Dutra é professor da Escola de Química da UFRJ. Pesquisador do Grupo de Pesquisa da Fundação Maurício Grabois sobre Transformação ecológica e diversificação energética
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG