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Táki Cordás: Saúde mental e pobreza

31 de outubro de 2024

Psiquiatra e professor da USP, Táki Cordás avalia a relação entre saúde mental e pobreza.

Quatro profissões de fé abrem esse artigo:

  1. Sou um psiquiatra comunista;
  2. Sou um psiquiatra que acredita em doença mental, em farmacologia e em eletroconvulsoterapia quando bem indicada;
  3. Sou um psiquiatra contra o fechamento sistemático de todos os hospitais psiquiátricos – que se fechem pocilgas travestidas de hospitais sim, mas hospitais modernos com elevado nível científico e humanismo são necessários para muitos pacientes. Recentemente durante audiência na Comissão de Saúde da Câmara em Brasília, quando defendi a necessidade de hospitais psiquiátricos bem aparelhados para doentes graves fui criticado pela coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Isso me coloca contra a política de saúde mental do país, entregue à pessoas sem competência por falta de formação científica e plenas de preconceito raso. Apropriando-me fora de contexto, apenas como uma metáfora, diria que a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde está entregue à pessoas que sofrem de “Esquerdismo, doença infantil na Saúde”;
  4. Sou um psiquiatra que acredita que a erradicação da pobreza e da fome é de longe, muito longe, a melhor prevenção para reduzir a frequência de doenças psiquiátricas. Ao mesmo tempo, um eficaz recurso para reduzir a pobreza é tratar adequadamente as doenças psiquiátricas.

Trabalhos recentes evidenciam a relação bidirecional existente entre doenças psiquiátricas e pobreza (1):

  1. Doenças mentais como Esquizofrenia, Transtorno Bipolar e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) contribuem para a instabilidade financeira do doente e de sua família levando a descenso socioeconômico;
  2. Dificuldades econômicas são estressores importantes no desencadeamento, piora, manutenção e prognóstico (ruim) de doenças psiquiátricas. O neoliberalismo, instrumento capitalista altamente eficaz de moer esperanças, aumenta o estresse e age toxicamente no cérebro.

A lista abaixo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra as 10 principais causas de inatividade humana, dias não trabalhados ou não estudados ao longo da vida, em função de doença. Percebam que 5 entre as 10 maiores causas de incapacidade humana são doenças psiquiátricas.

1. Depressão unipolar  

2. Anemia ferropriva     

3. Quedas          

4. Álcool             

5. Doença pulmonar obstrutiva crônica

6. Distúrbio bipolar do humor   

7. Anomalias congênitas             

8. Osteoartrite

9. Esquizofrenia              

10. Transtorno Obsessivo-Compulsivo  

Obviamente essas situações contribuem para aumentar o déficit educacional e o descenso econômico na população com doença mental.

Em julho de 2024, a revista Psychiatrist.com publicou os resultados de um consórcio de pesquisas genéticas, que incluía centros de Londres, Amsterdam, Edimburgo e Módena. Buscavam mais uma vez mapear bases genéticas das doenças mentais, que são sem dúvida muito relevantes. Pesquisaram também os estressores ambientais que poderiam desencadear o início de uma doença psiquiátrica em indivíduos onde os genes facilitadores das doenças poderiam permanecer “hibernando”. Ao longo da vida, pessoas em situação de pobreza tiveram 30% mais doenças psiquiátricas, mesmo em casos onde havia uma forte predisposição genética.

Um recente estudo escocês comparou prejuízos na saúde mental e presença de doenças mentais em duas regiões da Escócia, regiões social e economicamente muito diferentes. Em 2018 (portanto pré-pandemia), 23% dos homens e 26% das mulheres vivendo em regiões mais carentes do país, apresentavam algum grau de comprometimento psiquiátrico comparados com 12% homens e 16% das mulheres que residiam em áreas mais abastadas (2).

Olhando agora para as crianças, os autores escoceses encontraram que entre crianças de até 4 anos, cerca de 20% delas morando em regiões pobres recebiam o diagnóstico de problemas de comportamento borderline ou antissocial contra apenas 7% das crianças vivendo (3) em regiões mais ricas.                                                            

Uma questão deve ser acrescida, crianças de classes sociais mais altas recebem diagnósticos mais “leves” e menos comprometedores, mas a contrapartida é que crianças mais pobres recebem menos assistência com profissionais de menor formação o que levaria ao subdiagnóstico (e pior tratamento).

A saúde mental de um indivíduo é moldada pela sua genética, meio social, meio ambiente e condições econômicas do local onde nasce, cresce, trabalha e envelhece (4). Uma ampla gama de fatores de risco é mais predominante entre grupos de baixa renda, por exemplo, incluindo baixos níveis educacionais e comportamentos prejudiciais como tabagismo, alcoolismo e baixos níveis de atividade física.

Abaixo, enumero algumas questões que ligam a pobreza às doenças psiquiátricas (5):

-Piora da produtividade, desemprego ou subemprego;

-Piores tomadas de decisão na vida pessoal e profissional em função de fatores como cansaço, insegurança, saúde física pobre, temor de desemprego e outras questões;                                                                                                                                      

-Maiores preocupações diárias, incluindo alimentação, segurança, saúde;

-Piores condições na gravidez e no pós-parto. As piores condições sociais fazem com que o pré-natal não exista ou seja de baixa qualidade. Da mesma forma, a desnutrição e doenças físicas durante a  gravidez e amamentação levam à mais doenças psiquiátricas nas mães;

-Piores condições clínicas na infância e desenvolvimento, levando à problemas no desenvolvimento intelectual e afetivo;

-Maior chance de não se vacinar e não vacinar os filhos, com o risco de mais infecções e doenças crônicas;

-Menor acesso à remédios. Medicações psiquiátricas de boa qualidade não são baratas e o SUS oferece um número restrito delas;

-Menor chance de exercício físico e lazer;

-Maior risco de criminalidade e morte precoce;

-Abuso físico, sexual e negligência nos cuidados necessários durante a infância e adolescência;

-Piores condições de moradia, saneamento básico, poluição sonora, poluição atmosférica e temperaturas. Há vários estudos demonstrando que produtos químicos levam à alterações genéticas predispondo à doenças físicas e mentais e aumento da temperatura do planeta aumentam os índices de agressividade;   

-Número menor de anos de escolaridade;

-Discriminação de gênero e cor.

No próximo artigo vamos falar de Estigma, Preconceito e Discriminação.

Bibliografia Resumida

(1) Storey D. New Study Confirms Causal Link Between Poverty and Mental Illness. Psychiatrist.com 10/07/2024

(2) Kimpton L & Inglis G. Poverty and mental health: police, practice and research implications. B1 Psych. Bull 10/2022

(3) GBD 2017. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories,1990–2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet 2017; 392: 1789–858.

(4)Langner TS, Michael ST. Life Stress and Mental Health: II. The Midtown Manhattan Study. Free Press Glencoe, 1963.

(5) 4 Centre for Mental Health. Determinants of Mental Health. Centre for Mental Health, 2020.

Táki Athanássios Cordás é Coordenador da Equipe Multiprofissional de Assistência do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP. Coordenador do Programa de Transtornos Alimentares (AMBULIM) do IPQ-HCFMUSP. Prof. dos Programas de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da USP, do Programa de Neurociências e Comportamento do Instituto de Psicologia da USP e do Programa de Fisiopatologia Experimental da FMUSP. Pós-Graduação (latu-sensu) em Filosofia (PUC-RS).

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG