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Ronald Freitas: Voto nominal ou voto Partidário em lista, um debate necessário

2 de novembro de 2024

Pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da Fundação Maurício Grabois (FMG), Ronald Freitas defende a implementação do voto em lista fechada no sistema proporcional brasileiro.

Passadas as eleições municipais, inicia-se o processo de avaliação dos seus resultados. Mas esse artigo, embora não pretenda fazer uma avaliação das eleições, registra alguns aspectos de como elas se realizaram, com o objetivo de contextualizar uma proposta de debate, em torno da implementação do voto em lista em nossa legislação eleitoral.

Para se ter uma ideia da magnitude da disputa realizada, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), concorreram nessas eleições, apresentando candidatos aos pleitos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, 29 partidos políticos das mais variadas orientações, compreendendo todo o espectro político e ideológico que existe no país. Da extrema-direita, Novo e União Brasil; da direita conservadora partidos como PSDB, MDB, PSD, Republicanos etc; da esquerda e centro-esquerda como PT, PCdoB, PSOL, PSB e PDT e mesmo da extrema-esquerda como PSTU e PCO etc. Sendo que esse conjunto de partidos apresentaram 15.574 candidatos a prefeitos, 15.826 candidatos a vice-prefeitos e 431.956 vereadores.

Entre as peculiaridades que caracterizaram essas eleições, destaco: o emaranhado de alianças realizadas, as mais esdrúxulas possíveis, entre partidos de esquerda e partidos de centro-direita e, em alguns casos, de direita; as disputas no seio da direita e da extrema-direita evidenciando uma divisão nesse campo, indicadora de que Bolsonaro não é o líder inconteste desse segmento político; e o visível e mensurável avanço da direita e da extrema–direita no controle das cidades do país. Além de fortes indícios de atuação do crime organizado procurando eleger pessoas a ele ligadas, bem como a denúncia da volta do uso de recursos de “caixa dois’, no financiamento de campanhas. A seguir cito alguns números que comprovam esse avanço das forças conservadoras e reacionárias no país.

Quanto ao número de prefeitos eleitos por cada partido, agrupados segundo suas posições político-ideológicas, temos: no campo da direita e extrema-direita, o PSD elegeu 887 prefeitos, o MDB 857, o PP 747, o União Brasil 584, o PL 516, Republicanos 435, PSDB 274, Avante 136, Podemos 127, PRD 77, Solidariedade 62, PMOB 21, Novo 19, AGIR 3, PMB 2, DC 2 e PRTB 1, totalizando esse campo 4747 prefeitos; enquanto os partidos do campo da esquerda e da centro-esquerda elegeram 782, sendo PSB 309, PT 252, PDT 151, Cidadania 33, PCdoB 19, PV 14, REDE 4.

Quanto ao número de eleitores, que ficarão sob a gestão dos vários partidos, o jornal Valor de 25/10/24 traz uma interessante matéria de autoria de Cesar Felício, Rafael Di Cunto e Marcelo Ribeiro, onde afirmam que no 1º Turno o PSD elegeu prefeitos de municípios que somam 22 milhões de eleitores, o PL elegeu prefeitos que somam 16 milhões e o MDB em municípios que somam 15 milhões de eleitores. Na mesma reportagem, os jornalistas afirmam que se o PSD de Kassab, no segundo turno, eleger os prefeitos das cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Caucaia (CE), Piracicaba (SP), Londrina (PR), Olinda (PE) e Uberaba (MG), passaria a governar um contingente de 28,2 milhões de eleitores – e não é que todos foram eleitos?! Um outro número interessante foi publicado pela Folha de São Paulo de 28/10/24, segundo o qual e segundo seus critérios, o orçamento dos municípios brasileiros será administrado da seguinte maneira: a esquerda 10,8%, o centro 53,3% e a direita 35,8%. Ou seja, 89,2 dos orçamentos municipais, serão administrados pela direita. Para concluir esse breve balanço, das 27 capitais de Estados, a esquerda só elegeu dois prefeitos: João Campos em Recife pelo PSB, e Evandro Leitão em Fortaleza pelo PT.

Ou seja, o resultado das eleições municipais, recém findas, explicitam um avanço significativo das forças conservadoras e reacionárias na cena política nacional, que deverá merecer uma minuciosa e acurada análise de suas causas, para podermos reverter essa situação.

Mas nesse artigo pretendo abordar um aspecto do nosso sistema Partidário-Eleitoral, que geralmente não é incluído nas análises dos resultados eleitorais. A questão do sistema de voto uninominal que vigora em nossas eleições e que, a meu juízo, é um destacado elemento na configuração do mosaico político-partidário do país, contribuindo para a fragmentação da representação política, para o enfraquecimento da representatividade dos partidos políticos existentes e, em última instância, para a criação de um caricato profissional da política, que tem como objetivo prioritário utilizar seu mandato parlamentar, ou seu posto de gestor público, como um trampolim para satisfazer objetivos pessoais, sejam de natureza política, econômica ou mesmo de caráter escuso.

Voto uninominal x Voto em lista

O Brasil é um dos poucos países que conta com uma Justiça específica para tratar das questões que dizem respeito a organização, realização e controle da legalidade dos pleitos eleitorais. Essa é a Justiça Eleitoral, que tem no seu ápice o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e que inegáveis serviços tem prestado a democracia do país, com suas ações, em que coibiram abusos de candidatos e candidaturas, que se utilizavam de métodos escusos durante a disputa eleitoral. Está na memória recente da consciência política nacional o papel positivo dessa justiça, em normatizar e coibir o uso de métodos desonestos e fraudulentos, durante as eleições gerais de 2022.

Porém, e sempre tem um porém, quero registrar que o sistema de controle da atuação político-eleitoral dos partidos em nosso país é regido por um verdadeiro cipoal de leis, que vão da normatização de como deve ser criado um partido político, ao controle da vida interna desses partidos pela Justiça Eleitoral. Controle esse muitas vezes exercido de maneira burocrática e que criam exigências de funcionamento aos partidos, que no geral são onerosas aos pequenos partidos, particularmente aqueles que se organizam em função de ideais, consubstanciados em seus programas, em sua atitude de militância continuada, que não se limita aos períodos eleitorais.

Essa realidade está a exigir uma reforma que consolide a complexa legislação que rege a ação do TSE no cumprimento de suas funções. Reforma essa que pela complexidade do tema demandará muito empenho dos partidos e dos políticos em geral.

Porém aqui quero me deter em um aspecto que considero de natureza estruturante em uma eventual reforma. A necessidade de se implementar no processo eleitoral brasileiro o instituto do voto em lista, elaborada por cada partido ou federação partidária, em contraposição ao atual sistema de voto nominal em candidatos avulsos que se apresentam por cada partido ou federação. 

A atual situação de candidatos avulsos por cada partido é geradora de inúmeras distorções em nosso sistema eleitoral e compromete o papel que os partidos políticos devem ter numa democracia representativa, como almejamos ser.

Salvo os casos excepcionais que confirmam a regra, no sistema atual o candidato não se sente responsável pela legenda partidária por meio da qual se elegeu. Essa, para ele, não passa de um trampolim para seus projetos de ascensão político-social, e na maioria dos casos, econômica. O que comprova isso é a mudança de siglas partidárias, por vários parlamentares, em todos os níveis, durante o exercício de seus mandatos, numa flagrante fraude aos compromissos assumidos com seus eleitores durante a campanha.

O que chama atenção e merece nossa reflexão, é que essa situação é fruto do sistema eleitoral existente entre nós, onde o eleitor escolhe os candidatos, em função de suas características e posições individuais, e não em função de sua filiação partidária e posicionamentos político-partidários. E esse sistema de escolha dos candidatos a postos eletivos, principalmente nos parlamentos, por meio do voto uninominal, e não através de listas partidárias, como ocorre em vários outros países, é um dos elementos centrais da composição reacionária e conservadora de nossas casas parlamentares nos mais variados níveis. E, também um dos fatores da disfuncionalidade de nosso Estado.

Está mais que na hora de lançarmos o debate sobre o estabelecimento do voto em lista partidária, para a escolha de nossos(as) parlamentares, nas várias instâncias.

Com isso forçaremos a existência de partidos mais estruturados, e não mero biombos de aventureiros políticos, como hoje ocorre.

Ronald Freitas é membro do Comitê Central do PCdoB e membro do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da FMG.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG