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Nilton Vasconcelos: Atuação dos comunistas na vida institucional

3 de novembro de 2024

Nilton Vasconcelos apresenta a trajetória histórica dos comunistas brasileiros nas eleições e nas instituições políticas

A participação dos comunistas na vida pública institucional brasileira – gestão e representação parlamentar, desde o nível federal até o municipal, se impõe como uma necessidade política e estratégica. Ao longo dos seus 102 anos de existência, dos quais grande parte na clandestinidade, o PCdoB teve participação efêmera em função da descontinuidade das experiências, resultante de fatores variados, mas, sobretudo, da intensa repressão que sofreu, e do cerco ideológico e difamatório que se estende até os dias atuais.

Já no final dos anos 1920, a impossibilidade de atuar legalmente levou o partido recém-fundado a disputar as eleições através do Bloco Operário e, em seguida, do Bloco Operário e Camponês – BOC, conseguindo eleger em 1928, Octávio Brandão e Minervino de Oliveira para a Câmara do Rio de Janeiro. O BOC expressava a intenção dos comunistas de constituir uma Frente Única Proletária, desdobrando, em 1930, na participação na disputa eleitoral para a presidência da República com o candidato comunista, operário e negro Minervino de Oliveira. Era o início de uma rica trajetória, marcada por altos e baixos.

Anos depois, em um período de intensa movimentação política e militar, os comunistas chegaram ao poder no Rio Grande do Norte por não mais que quatro dias, em 1935, não em processo eleitoral, mas em decorrência de uma insurreição dirigida pelo partido. Essa investida política acabou se transformando em motivo de intensa campanha anticomunista, frequentemente reavivada pelos fascistas.

Dez anos depois, na onda democrática do imediato pós-guerra, o Partido Comunista se apresenta e conquista importante espaço no Congresso Nacional, com 16 deputados federais (entre os quais João Amazonas, Maurício Grabois, Jorge Amado, e Carlos Marighela) e um senador – Luís Carlos Prestes. Para a presidência da República, o partido apresentou o nome do engenheiro gaúcho Yedo Fiuza, obtendo dez por cento dos votos válidos.

O êxito eleitoral se estende a janeiro de 1947, em eleições complementares, quando os comunistas elegeram 46 deputados estaduais, e 18 representantes à Câmara no Rio de Janeiro, então a capital federal.

No entanto, em maio de 1947, o TSE cassou o registro do Partido Comunista do Brasil, e em janeiro de 1948, a Câmara dos Deputados, sob pressão do governo do General Dutra, cassou os mandatos dos comunistas. A rigor, dois comunistas, Pedro Pomar e Diógenes Arruda, eleitos pelo Partido Social Progressista (PSP), permaneceram em seus mandatos até 1951.

A situação levou o partido a apresentar candidaturas por distintas legendas. Nas eleições municipais do final do ano de 1947, os comunistas obtiveram excelente desempenho, elegendo centenas de vereadores em todo o país, mas sofreram um duro revés. Os 15 vereadores comunistas eleitos na cidade de São Paulo foram impedidos de tomar posse como consequência da decisão do TSE de tornar o partido ilegal. Ainda assim, os comunistas obtiveram maioria nas Câmaras Municipais em Santos, Sorocaba e Santo André.

Em Santo André (SP), o prefeito Armando Mazzo e a bancada de 13 vereadores, apesar de eleitos pelo Partido Social Trabalhista (PST), tiveram seus mandatos cassados pelo TSE. Na cidade pernambucana de Jaboatão, por outro lado, o médico Manoel Rodrigues Calheiros, eleito prefeito na legenda do PSD, foi considerado o primeiro comunista a assumir o cargo de prefeito no Brasil, permanecendo na função até o fim do mandato, com o apoio da maioria da Câmara. 

A clandestinidade e o recrudescimento da repressão no regime militar criaram enormes limitações à atividade partidária, e, naturalmente, às que envolvessem participação na vida institucional. A dificuldade de desenvolver ação política nos centros urbanos, associada à influência da concepção da guerra popular, levou à organização da resistência no Araguaia. Seguiu-se intensa repressão ao PCdoB em todo o país, ao tempo em que o movimento democrático pelo fim da ditadura também ganha força. Aos poucos, a atuação no movimento popular, nas frentes estudantil, sindical, de direitos humanos, de mulheres e contra a carestia, começou a se articular com iniciativas mais ousadas no campo institucional.

Em 1970, após a promulgação do AI-5 e o crescente cerceamento de liberdades, o PCdoB prega o não comparecimento às eleições daquele ano, mas em 1974, já integrava o esforço eleitoral do MDB, que apesar das manobras do regime, demonstrou força eleitoral expressiva. Em 1976, ano em que ocorreu a Chacina da Lapa, com o apoio do PCdoB, Benedito Cintra alcançou a primeira suplência para vereador na cidade de São Paulo. Dois anos depois, em 1978, Aurélio Peres foi eleito deputado federal por São Paulo, pelo MDB. A eleição de Aurélio marcou o retorno do PCdoB à representação parlamentar, ainda que obrigado a se apresentar por outra legenda.

As eleições de 1982, representaram um importante avanço, com a reeleição de Aurélio Peres (SP), e a eleição de Haroldo Lima (BA), Aldo Arantes (GO) e José Luís Guedes (MG), todos pelo PMDB. Na Bahia, além do deputado federal, são eleitos, ainda, dois deputados estaduais, três vereadores na Capital e outros onze em diversas cidades do interior.

Entretanto, somente em agosto de 1985, com a legalização do partido, muitos dos eleitos migraram para o PCdoB. Na Câmara Federal, Haroldo Lima e Aurélio Peres desligam-se do PMDB e, em seguida, em nome da bancada, Haroldo discursou como representante do Partido Comunista do Brasil pela primeira vez, depois de 37 anos.

A atuação no legislativo, entendida como um prolongamento e, ao mesmo tempo, suporte para o movimento popular, cria espaço para iniciativas no campo da gestão pública. Desse modo, em 1985, o militante comunista e vereador Luiz Caetano, ainda concorrendo pelo PMDB, torna-se prefeito em Camaçari (BA), constituindo em experiência inédita após o fim da ditadura. Não havia uma diretriz partidária nacional de disputar prefeituras, muito embora tenha acompanhado de perto o desenrolar da gestão. Caetano havia sido eleito vereador em 1982, destacando-se como liderança de massas na luta por habitação. Em Salvador, a luta contra a carestia e as mobilizações no movimento estudantil levam ao surgimento de expressivas lideranças políticas do PCdoB. O apoio ao candidato do PMDB, na capital baiana, levou o PCdoB a integrar a gestão com dois secretários municipais, numa aliança que duraria pouco mais de um ano. A partir da eleição de 1986, o partido passou a concorrer com sua própria legenda, elegendo deputados federais e estaduais em vários estados. No pleito municipal de 1988, o partido elegeu dezenas de vereadores.

Desde então, a participação em diferentes níveis de governo tem se multiplicado, seja com a indicação de ministros de estado nos governos Lula e Dilma (Agnelo Queiroz, Aldo Rebelo, Orlando Silva e Luciana Santos), seja na nomeação de secretários estaduais e municipais (como Nádia Campeão na cidade de São Paulo), além da eleição da prefeita Luciana Santos (2000 a 2008), e do prefeito Renildo Calheiros (2009 a 2014) em Olinda (PE), do prefeito Edvaldo Nogueira em Aracaju (2008) e da eleição e reeleição do governador Flávio Dino (2014 e 2018) no Maranhão. Outros destaques incluem a eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara dos Deputados (2005), a eleição de Inácio Arruda (2006) e Vanessa Grazziotin (2010), ambos para o Senado; a condução de Haroldo Lima para a Diretoria Geral da Agência Nacional de Petróleo (2005-2011), numa fase estratégica para a política energética nacional; a eleição da vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, em 2018, e a participação de Manuela D’Ávila, que integrou como vice a chapa presidencial encabeçada por Fernando Haddad.

Esses nomes foram destacados pelo ineditismo da função e significado especial para a vida institucional do PCdoB. Muito outros nomes que tiveram papel importante poderiam ser arrolados. Foram lideranças eleitas para o parlamento e cargos executivos, que tiveram sua origem no movimento popular, destacando-se sobretudo nas lutas estudantis e sindicais, mantendo-se vinculadas a essas causas.

Observa-se uma maior intensificação da participação comunista na vida institucional nos anos 2000. Após um brevíssimo período nos anos 1940, houve um hiato de aproximadamente 40 anos, com a gradual retomada a partir dos anos 1980, com atuação institucional continuada na frente parlamentar e na gestão pública.

Ente os estados, a Bahia tem se destacado pela regularidade no êxito eleitoral de vereadores, prefeitos, vice-prefeitos, deputados estaduais e federais. Entre os resultados mais significativos estão a eleição de três deputados federais, em 2010, e de 5 deputados estaduais na eleição de 2018. A contínua indicação dos titulares de secretarias de Estado (Trabalho e Esporte, Copa, Política para Mulheres, Promoção da Igualdade), desde 2007, contribuiu significativamente produzir razoável acúmulo em termos de elaboração e implementação de políticas públicas.

Uma avaliação sistemática da participação, em especial na gestão pública, está por ser aprofundada, particularmente sob a perspectiva da concepção estratégica pontuada no programa socialista.

Participar da gestão pública nos marcos do capitalismo, mesmo para aqueles que defendem uma transformação mais profunda da sociedade e reconhecem os limites desta ação institucional, não é apenas uma consequência da luta política, mas uma exigência histórica. A luta pelo socialismo pressupõe a apresentação de um programa que não espera a completa alteração das relações sociais predominantes no modo de produção. O socialismo é o rumo, como afirma do Programa Socialista do PCdoB, sendo fundamental buscar “reunir as condições políticas e orgânicas da transição”. Assim, é preciso relacionar a atuação na esfera institucional – nos governos democráticos e no parlamento – à construção de frentes amplas, à mobilização e à organização das massas trabalhadoras e do povo.

Ainda segundo o Programa Socialista, o objetivo é implementar uma política “anti-imperialista, antilatifundiária e antioligarquia financeira” com vistas a suplantar a fase de predominância do capital rentista e parasitário. As tarefas fundamentais neste processo se relacionam a medidas que busquem a consolidação do estado democrático, a garantia de uma vida digna para o povo, a universalização dos direitos básicos, a afirmação e florescimento da cultura brasileira e a consciência nacional e o aprofundamento da integração da América do Sul e das parcerias estratégicas em âmbito mundial.

Portanto, para cumprir as tarefas imediatas, a atuação no campo institucional é indispensável, de modo a enfrentar as contradições estruturais e fundamentais da realidade brasileira. Essa compreensão é fruto do amadurecimento na formulação programática, e deve evitar a hipertrofia relativa da atividade institucional em relação às demais frentes políticas e organizativas. Assim como a atividade parlamentar deve se combinar com a atividade de gestão, observados os limites institucionais, este campo de atuação não se sustenta sem uma estreita vinculação com o movimento de massas. Caso contrário, a ação dos comunistas tende a mimetizar as práticas tradicionais e conservadoras de fazer política.

Portanto, a gestão pública precisa estabelecer espaços de diálogo com a sociedade, nas suas diversas formas de representação, com vistas à formulação e implementação de políticas públicas. As tarefas nacionais que contribuam para criar condições políticas para a transição, nos termos do programa socialista, precisam ser traduzidas para a ação institucional nos diversos níveis.

As conferências nacionais instituídas pelo governo federal nos governos Lula e Dilma, e as etapas correspondentes das conferências municipais, regionais, estaduais, tem se mostrado espaço importante de debate e mobilização em torno de temas relevantes. Da mesma forma, o funcionamento regular de conselhos e comissões, que contam com a representação da sociedade nas diversas áreas, são mecanismos indispensáveis.

No entanto, a autonomia da sociedade deve prevalecer na construção de pautas próprias, na identificação de caminhos que garantam independência para reivindicar, protestar contra o governo, de ir além das limitações inerentes à gestão pública.

O desenvolvimento de novas formas de comunicação com a criação de novas sociabilidades, as profundas alterações no mundo do trabalho, o uso intensivo da inteligência artificial, juntamente com o crescimento do pensamento conservador e do fascismo em todo o mundo, trazem novos e importantes elementos na conformação da sociedade. Estas mudanças têm impactado o desempenho das esquerdas nas eleições e na vida institucional em geral.

São mudanças significativas, de grande impacto, e que precisam de respostas compatíveis, que possibilitem o enfrentamento adequado das restrições que se impõem à atividade partidária neste âmbito.

Nilton Vasconcelos é Doutor em Administração Pública, ex-secretário do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Governo do Estado da Bahia. É membro do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da Fundação Maurício Grabois.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG