Iago Montalvão: Alta taxa de juros é boicote ao desenvolvimento nacional!
O economista Iago Montalvão critica a decisão do COPOM de aumentar a taxa básica de juros da economia brasileira.
Ontem, dia 06 de novembro, o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central decidiu aumentar mais uma vez a taxa SELIC, a taxa básica de juros da economia brasileira, chegando ao patamar de 11,25%. O Brasil ocupa hoje a terceira colocação na lista dos maiores juros reais do mundo. Isso significa que o crédito ficará mais caro e, portanto, haverá retração da atividade econômica no país, com impacto negativo principalmente sobre o investimento, de um lado, e sobre o emprego, a renda e o consumo das famílias, por outro.
Ao se falar de Brasil, é importante localizar a situação de um país economicamente dependente, ou seja, muitos dos setores fundamentais para nossa economia dependem da dinâmica do setor externo, seja pelos fluxos de capital em forma de investimento estrangeiro direto ou investimentos em carteira (como em ações e títulos de dívida), pelo alto nível de importação de bens de consumo e intermediários (como máquinas e ferramentas de produção industrial), ou pela variação no preço das commodities, em especial produtos primários, minerais e fósseis que compõem a maior parte das exportações brasileiras.
Também é importante contextualizar historicamente o Brasil em uma trajetória de longo prazo de desindustrialização, que tem início entre o final dos anos 80 e o início dos 90. No entanto, esse processo ocorre antes mesmo de o país conseguir estabelecer um nível de produtividade, emprego e renda elevados e sustentáveis, especialmente em setores estratégicos e de alto conhecimento agregado, o que muitos chamam de uma desindustrialização precoce.
A grande justificativa para o aumento da taxa de juros atualmente é exatamente o indicador de redução do desemprego e aumento da massa salarial, que puxaria o consumo das famílias, elevando a demanda pela cesta de bens de consumo. Por outro lado, essa demanda não conseguiria expandir sua oferta na mesma medida, pressionando por uma alta de preços e gerando inflação. Soma-se a isso a desvalorização do real, tornando itens importados mais caros, fenômeno que no entanto tem maior relação com um movimento geral das moedas de países emergentes no mundo, em função das tensões políticas ocorridas nos EUA nos últimos dias.
No entanto, essa lógica esconde outras variáveis relevantes e que definem justamente que tipo de projeto se quer apresentar ao país.
Recentemente tivemos a notícia de um aumento no PIB brasileiro bastante acima do projetado por economistas do setor financeiro, que esperavam um crescimento de 1% no segundo trimestre, mas foram surpreendidos com um valor de 1,4% (o que, em termos de variáveis macroeconômicas, tem grande relevância)[1]. Dentre as principais variáveis que explicaram esse crescimento estava um aumento no investimento, um importante indicador que demonstra uma certa retomada da atividade industrial e que não justificaria uma pressão inflacionária pelo viés da demanda. Afinal de contas, há um aumento do uso da capacidade ociosa da indústria, gerando mais oferta.
Por outro lado, o aumento da taxa de juros, bem como o malfadado regime de metas de inflação, cria um processo anti-redistributivo, na medida em que interrompe o ciclo de redução do desemprego e aumenta os ganhos financeiros. Soma-se a isso a realidade de queda da taxa de juros nas principais economias do mundo, como nos Estados Unidos, no Japão e na China, tornando o mercado de títulos no Brasil mais atrativo para os rentistas e as possibilidades de investimento na economia real menos interessantes.
Vivemos um momento político de dificuldades para construir um projeto de longo prazo que dê as condições para criar uma economia sustentável no Brasil, que depende, sobretudo, da estruturação de um setor produtivo forte, diversificado e tecnologicamente avançado. “Jabuticabas” (ou legislações que só existem no Brasil) como os regimes fiscais instituídos na última década, seja pelo Teto de Gastos ou pelo Arcabouço Fiscal, não contribuem para o objetivo de romper a dependência econômica e financeira que caracteriza o Brasil. Tampouco contribuem projetos como o de financiamento da transição energética que buscam, por meio de instrumentos fiscais, assegurar a redução de riscos ao capital estrangeiro para a construção da infraestrutura de energia renovável no Brasil.
No entanto, ainda mais grave do que essas medidas é o aumento da taxa de juros. Em especial porque ele impede a possibilidade de investimentos mais robustos, tanto do setor público quanto do privado, que possam promover setores mais resilientes e sustentáveis a longo prazo e com empregos de maior remuneração. O Brasil tem atingido níveis recordes de informalidade na composição total de ocupações no mercado de trabalho, fenômeno que é reforçado pela plataformização do trabalho, mas que também ganha impulso em função da forte desindustrialização. O aumento da taxa de juros e a consequente queda na taxa de investimento poderão ampliar o processo de informalidade, resultando em um processo ainda mais insustentável, com índices de um suposto crescimento que são efêmeros, ou mesmo ilusórios.
Em síntese, o aumento da taxa de juros significa um boicote ao desenvolvimento nacional, pois cria mais uma barreira a qualquer possibilidade de desenvolvimento de uma indústria nacional e de empregos mais sustentáveis e melhor remunerados. Vivemos em um ciclo de dependência que dificilmente encontrará um fim por esse caminho. Mas não é isso o que pensam as elites do setor financeiro. Para elas, o destino manifesto do Brasil é ser fornecedor de commodities e mão de obra barata para o mundo, desde que seus ganhos financeiros estejam garantidos.
Iago Montalvão é economista, mestrando em Economia no IE-Unicamp, pesquisador do Transforma-Unicamp e coordenador do Grupo de Pesquisas: Novo Ciclo de Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG
[1] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/alta-do-pib-no-segundo-trimestre-impulsionada-pela-industria-e-pela-retomada-dos-investimentos-supera-expectativas