Olival Freire Jr: A relevância do FNDCT para o desenvolvimento científico do país
O professor Olival Freire Jr. apresenta a trajetória do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) no Brasil.
As mudanças trazidas pela eleição do Presidente Lula para a área de ciência e tecnologia foram tanto simbólicas e políticas quanto materiais, relacionadas ao financiamento dessas atividades. A presença de Luciana Santos à frente do MCTI, assim como de Ricardo Galvão e Denise Carvalho à frente de agências como CNPq e CAPES são apenas alguns exemplos das primeiras mudanças. O descontingenciamento do FNDCT, proposto pelo Presidente da República e aprovado pelo Congresso Nacional, com a lei 14.577, de 11 de maio de 2023, foi, certamente, a principal mudança relativa ao segundo tipo. Contudo, mesmo entre pesquisadores experientes, é limitado o conhecimento do impacto dessa medida e mesmo do significado histórico desse fundo. Assim, é comum que ao transitar em nossas instituições de ciência e tecnologia (ICTs) você identifique vários laboratórios, prédios e equipamentos variados com uma placa indicando o financiamento pela FINEP. Mas muitos não se dão conta de que a FINEP é a secretaria executiva desse fundo, e que esse fundo, alimentado por fontes diversas, mas em geral relacionadas às atividades econômicas, não é sinônimo de orçamento federal. Em um momento em que cresce a cobiça por esse fundo e por suas aplicações, vale a pena um comentário sobre o mesmo.
O FNDCT foi criado no início da década de 1970 e desde então tem sido a principal fonte de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico do país. Ao longo da década de 1990, tempos de visão neoliberal exacerbada no governo brasileiro, o fundo minguou, assim como as dotações orçamentárias para as instituições científicas e as universidades. Ele voltou a ser irrigado em fins daquela década, com a criação dos fundos setoriais, coletando contribuições de setores econômicos nos quais havia existido privatização, e desde então voltou a ter papel análogo ao que teve nas suas duas décadas iniciais. Nos governos posteriores ao impeachment da Presidente Dilma o fundo foi drasticamente contingenciado, ou seja, o governo se impediu de usar parcela importante dos recursos do fundo, as quais passaram a servir para ajustes nas contas públicas. Por essa razão cresceu na comunidade científica, capitaneada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) a aspiração por uma legislação que impedisse o contingenciamento, que não ficasse na dependência de um compromisso pessoal do mandatário no Planalto o não contingenciamento ou o descontingenciamento. Essa aspiração frutificou, pois o Congresso aprovou essa legislação, a qual foi vetada pelo então Presidente. O Congresso derrubou o veto e a vontade do Congresso foi burlada pela edição de Medida Provisória 1.136/2022 restaurando o contingenciamento. Por essa experiência, a comunidade científica, em 2022, levou o pleito do não contingenciamento aos presidenciáveis. Lula comprometeu-se com essa proposta e propôs ao Congresso a lei que hoje impede o contingenciamento.
O fundo pode ser usado como recursos não-reembolsáveis, para investimentos nas ICTs; ou reembolsáveis, na forma de empréstimos a juros atrativos, ou ainda subvenções, em ambos os casos dirigidos a empresas que apresentem projetos de inovação. Para termos ideia do impacto da legislação que agora impede o contingenciamento, em 2023, os recursos não reembolsáveis foram da ordem dos orçamentos do CNPq e da CAPES juntos, os quais haviam sido recuperados também por decisão do governo federal nos marcos da PEC da Transição aprovada logo após a eleição do Presidente Lula. Em 2024, esses recursos não reembolsáveis ultrapassaram esses valores orçamentários, tanto porque o fundo cresceu com o aumento da receita quanto porque os orçamentos dessas agências ficaram no mesmo patamar do ano anterior. Pela política estabelecida pelo atual governo, no âmbito do Conselho Diretor do FNDCT, foi aprovado, em início de 2023, que tais recursos não deveriam ser pulverizados e deveriam ser aplicados em temas nos quais os impactos fossem nacionais, estruturante, e com potencial de entregas nos prazos estabelecidos, e dez temas foram então escolhidos. O conselho é composto por setores do governo federal, de empresas e da comunidade científica e a citada política foi aprovada por unanimidade. Após quase dois anos de execução da mesma o conselho deu início a um processo de avaliação das ações executadas e, até abril de 2025, aprovará um novo plano de investimentos, seja com ajustes nos temas já aprovados seja com a aprovação de novos.
Ao longo desses dois anos, o FNDCT tem sido objeto de cobiça variada, o que deve ser levado em conta pela comunidade científica. Setores da imprensa, por exemplo, capitaneados pela Folha, criticam o uso do fundo na forma de empréstimos a empresas que apresentem projetos de inovação; uma crítica infundada porque desconhece que a inovação produzida por empresas tem sido um vetor de desenvolvimento tecnológico em todo mundo e que a legislação brasileira estabelece a legalidade desses investimentos. Outros setores, inclusive da comunidade científica, gostariam de ver o fundo voltar a uma situação de pulverização. Defender a conquista da legislação que impede o seu contingenciamento e da política adotada de priorizá-lo para grandes temas estruturantes é, então, um grande desafio posto não apenas para a sociedade científica, mas para todos os setores da sociedade brasileira que compreendem que o país precisa intensificar suas atividades científicas para a busca de um desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável.
O Presidente Lula compreende bem, especialmente pelo êxito nos seus dois primeiros mandatos da política de não contingenciamento do FNDCT. Recentemente o nosso colega Ildeu Moreira, que foi presidente da SBPC, nos resgatou dois momentos, antes das eleições de outubro de 2022, nos quais Lula conectava a aspiração do não contingenciamento com sua experiência nos primeiros mandatos e com a realidade brasileira de desvalorização da ciência promovida pelo último governo. O primeiro foi em documento escrito ainda na prisão, que pode ser encontrado no livro Ciência para o Brasil: 70 anos da SBPC, publicado em 2019, nas páginas 371-372. O segundo foi na reunião da SBPC, em meados de 2022, no campus da Universidade de Brasília. A fala do então candidato foi gravada e um extrato de dois minutos documenta esse momento histórico (Clique aqui para ver o vídeo). A sociedade brasileira precisa pois honrar e estar à altura das intuições e da sabedoria do Presidente Lula.
Olival Freire Jr. é Professor de Física e História das Ciências na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.