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Cortes defendidos pelo mercado financeiro trarão menos crescimento e mais desigualdade

14 de novembro de 2024

Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois emite nota pública contra o corte de gastos avaliado pelo Ministério da Fazenda.

O Ministério da Fazenda tem indicado que está prestes a anunciar um conjunto de medidas para conter o crescimento das despesas públicas. Consideramos que qualquer medida deve, em primeiro lugar, se alicerçar na realidade dos fatos sobre a situação econômica do país e das contas públicas em particular e, em segundo lugar, ter como horizonte o desenvolvimento nacional soberano com enfrentamento às desigualdades sociais.

A situação econômica do país não é a que o mercado financeiro propagandeia por meio da grande imprensa privada, na busca de impor seu programa ao país, que, entre outras dimensões, implica subtrair a parcela do orçamento destinada à maioria do povo. Portanto, essa propaganda não deve ser a referência para tomada de decisões governamentais que podem comprometer o pacto civilizatório firmado na Constituição de 1988. Deve-se, isto sim, refutar as principais mentiras alardeadas pela oligarquia financeira. Primeiro, a dívida pública não está descontrolada. A dívida líquida do setor público, medida que capta mais precisamente a situação fiscal, está em patamar controlado, de 62,39% do PIB, e sua trajetória recente é de queda no ritmo de crescimento: de janeiro a setembro de 2023 a dívida cresceu 3,95 pontos percentuais (p.p.) do PIB, mas de janeiro a setembro de 2024 cresceu 2,27 p.p.. Ou seja, o governo está conseguindo controlar o crescimento da dívida.

Segundo, a despesa do governo com programas sociais e investimentos não é o fator determinante para o crescimento da dívida. O principal responsável pelo crescimento da dívida é a taxa de juros estabelecida pelo Banco Central: em 2024, o resultado primário (receitas menos despesas do governo) foi responsável pelo aumento de 0,8 p.p. da dívida, enquanto os juros nominais aumentaram a dívida em 5,7 p.p., isto é, sete vezes mais. Além disso, uma redução de 1 p.p. na taxa selic reduz a dívida em 0,48 p.p..

Terceiro, o Brasil não corre risco de insolvência que justifique a urgência de cortes. A dívida pública brasileira é quase integralmente detida por brasileiros, diferentemente da maioria dos outros países subdesenvolvidos. Isso torna o Brasil sem nenhum risco de insolvência.

Quarto, é igualmente falacioso o argumento de que os juros não caem por conta da política fiscal do governo e que somente o corte de direitos constitucionais, que reduzam estruturalmente a despesa pública, poderá gerar juros mais baixos. Na verdade, são nas características do sistema financeiro brasileiro que se encontram as razões para os juros elevados: o comprometimento do Banco Central com a rentabilidade do mercado financeiro; o oligopólio bancário privado que consegue se proteger cobrando os maiores spreads do mundo; a baixa oferta de crédito, das menores entre os países subdesenvolvidos, que dificulta o funcionamento da política monetária; a especulação no mercado financeiro que eleva os juros, como até Campos Neto foi obrigado a reconhecer; e um dos mercados de câmbio mais desregulados do mundo, favorecendo a especulação contra nossa moeda e prejudicando os trabalhadores ao gerar pressões inflacionárias. Ou seja, é na supremacia dos interesses rentistas e antinacionais sobre a economia brasileira que residem os maiores obstáculos a serem superados para destravar o desenvolvimento do país, não nos investimentos sociais redutores de desigualdade, não nos imprescindíveis investimentos públicos.

Essas e outras evidências tornam nítido que a propaganda do mercado financeiro sobre um suposto descontrole das contas públicas no Brasil é inteiramente falsa. A verdadeira motivação dessa campanha é a defesa do interesse de empresas financeiras e de milionários que se enriquecem sugando a riqueza do país e atravancando o desenvolvimento nacional. Acatar esse falseamento da realidade como verdade dificulta a abertura de caminhos para a reconstrução nacional.

Sob as máscaras do neoliberalismo “austericida” argumentam também que o governo deve reduzir seus gastos e focar em medidas que elevem a produtividade da economia brasileira, porque isso sim geraria crescimento a longo prazo. Nesse ponto a desfaçatez é imensa. Porque ignoram que o governo atual, ao contrário dos governos neoliberais anteriores por eles defendidos, executa medidas para alavancar a produtividade da economia brasileira, a nova política industrial e tecnológica e o PAC.

Ignoram igualmente que o maior obstáculo ao desempenho dessas políticas é exatamente os altos juros injustificáveis praticados pelo Banco Central submetido à oligarquia financeira. Ademais, ignoram que somente haverá crescimento da produtividade se as empresas investirem em novos maquinários e inovarem, o que somente ocorre se houver expectativa de crescimento econômico, que por sua vez, novamente, é dificultado pelos juros elevados e seria ainda mais prejudicado com o ajuste fiscal profundo defendido. Por fim, a diminuição dos gastos sociais, como defendido pelos neoliberais, atuará diretamente contra o crescimento da produtividade da economia, uma vez que deixará amplas parcelas do povo brasileiro com menos condições de acessarem níveis de qualificação profissional mais elevados, condenando-os – e com eles a economia brasileira – a postos de trabalho de baixa qualificação, mal remunerados e jornadas de trabalhos extenuantes, como a 6×1.

A agenda do mercado financeiro é indefensável a partir da ótica da superação da iníqua desigualdade social existente no país e da subordinação nacional imposta pelo imperialismo e a financeirização capitalista global. Seus diagnósticos e recomendações são mera expressão dos interesses de setores poderosos das classes dominantes. A defendida redução do gasto público é a demonstração do real sentido da institucionalização dos interesses do mercado financeiro realizada pelos governos pós-golpe de 2016. O pacto social constitucional deve ser reafirmado como horizonte civilizatório do país, portanto deve ser protegido. O que deve recuar é o domínio do mercado financeiro sobre o Estado brasileiro.

A agenda econômica necessária para transformar as condições de vida do povo brasileiro tem outra direção. Em termos imediatos é preciso persistir na revisão e diminuição dos subsídios injustificáveis concedidos às empresas, como a desoneração da folha de pagamentos. Atualmente são cerca de 500 bilhões em subsídios e renúncias fiscais que precisam ser revistos criteriosamente.

Estruturalmente, é preciso abrir caminho para retomar o controle das alavancas da economia, especialmente por meio das seguintes medidas: elevar a meta de inflação; alçar o pleno emprego a objetivo prioritário do Banco Central, ao lado do controle da inflação, e retomar a soberania popular sobre a política monetária, por meio da revisão da autonomia do Banco Central; reforçar o papel dos bancos públicos na ampliação do crédito com juros mais baixos; priorizar os investimentos da Petrobras e não o pagamento de dividendos; e ampliar a tributação da renda e do patrimônio dos muito ricos.

Também é preciso colocar no horizonte a revisão do próprio “arcabouço fiscal” aprovado em 2023. Não há razões, além da chantagem do mercado financeiro, para não se flexibilizar suas regras, corrigindo o excesso de rigidez imposta ao Poder Executivo e ao povo brasileiro. E, para ampliar a qualidade do gasto público, priorizando projetos estruturantes, é preciso devolver ao Executivo a primazia da execução do orçamento, que foi comprometida pelo avanço indevido do Congresso, hoje no controle de praticamente um quarto das despesas discricionárias, por meio de emendas parlamentares, revelando baixíssima visão estratégica do gasto público.

O Brasil precisa superar o aprofundamento das desigualdades econômicas, sociais e regionais que colocam em risco a Democracia e a consolidação da nação. Para isso é imprescindível a ampliação e não a redução da capacidade de investimento do Estado, tanto na modernização da estrutura produtiva quanto nos gastos sociais.

Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Nacional e Socialismo, da Fundação Maurício Grabois.

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