Cultura: Ainda estamos todos aqui!
Vandré Fernandes explica como “Ainda estou aqui”, novo filme de Walter Salles, superou as barreiras do cinema nacional e ultrapassou 1 milhão de espectadores.
São 18 horas de uma terça comum e as pessoas se aglomeram para lotar a sala de cinema e assistir “Ainda estou aqui”, filme de Walter Salles. O filme se baseia no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, que fala do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva durante a ditadura militar (1964-1985).
Lotar salas de cinemas com um drama nacional é um enorme feito, já que somos conhecidos pelas comédias dos milhões de espectadores. Entre as razões para este sucesso de bilheteria, está o fato de o filme ter sido bem-sucedido no Festival de Cannes, o que gerou uma cobertura importante na mídia nacional que alavancou o seu potencial. Além disso, ter na direção Walter Salles, que assinou clássicos como Central do Brasil, Terra Estrangeira, e um elenco com Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro. Ou seja, seria difícil não dar certo. E deu muito certo.
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Na semana de estreia, “Ainda estou aqui” liderou as bilheterias, ultrapassando blockbusters como “Venom” e “Operação Natal”. Só não se manteve à frente porque, na virada de janela (semana seguinte), os exibidores mudaram os horários, o que é muito comum de acontecer com os filmes brasileiros. Mesmo quando eles têm bom desempenho, os distribuidores pressionam para que filmes independentes ocupem horários menos nobres como as faixas vespertinas das 14h às 16h, abrindo os horários do final da tarde e noite para os filmes das grandes produtoras. Não fosse isso, o filme de Walter Salles ainda poderia estar no topo da lista entre os mais assistidos.
Apesar de não ser um filme fácil, por ser baseado na história real e muito sensível do desaparecimento de uma pessoa, Walter Salles constrói sua trama em torno de Eunice. Esta mulher é a figura central da história, que apesar do crime cometido pelo Estado, reúne forças para ir à luta com o propósito de buscar o paradeiro do esposo e manter seus 5 filhos coesos e protegidos. O filme é a história da força de uma mulher.
Esse grande sucesso – que já nasceu um clássico – não passou despercebido por pessoas que são contra o cinema brasileiro e fazem eco para a volta da Ditadura Militar. Um grupo de “Patriotas” fez campanha para que houvesse um boicote ao filme, mas o tiro saiu pela culatra. Em uma semana e meia de exibição o filme ultrapassou 1 milhão de espectadores, mesmo com horários ruins e diminuição de salas.
Ocupar as salas com um filme brasileiro é uma luta eterna. Por isso, é tão importante o governo brasileiro pensar numa política de audiovisual que não mire apenas na produção, mas na distribuição e exibição também.
Quando assisti ao filme de Walter Salles, me lembrei do “Osvaldão”, filme que dirigi com Ana Petta, André Michiles e Fabio Bardella. Assim como na história de Eunice e seus filhos, a família do Osvaldo sempre o aguardava no Natal, numa esperança de que o guerrilheiro voltasse, o que nunca aconteceu. Seu pai e suas tias viveram e morreram sem saber o que tinha acontecido com ele. Um vazio profundo para a família que só queria ter tido o direito de enterrar seu ente querido.
No Brasil da ditadura militar, há vários outros casos de desaparecimento como estes, entre eles o Dr. João Carlos Hass Sobrinho que agora ganha um filme sobre sua vida: “Dr. Araguaia”.
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Sim, todos eles e tantos outros ainda estão aqui, presentes nas cicatrizes da nossa história. Walter Salles trouxe mais um deles às telas do cinema, resgatando a memória social e coletiva, para que casos como estes jamais se repitam, para que nunca mais aconteçam.
Vandré Fernandes, cineasta. Dirigiu longas de documentários “Camponeses do Araguaia – A Guerrilha vista por dentro”; vencedor da Mostra de Cinema e Direitos Humanos da América do Sul; Osvaldão; Histórias da Praia do Flamengo, 132; e do curta de ficção “O Bom Velhinho”.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.