Sustentabilidade: COP29, um copo meio vazio
Coordenadora-geral de Adaptação à Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Inamara Mélo avalia os resultados da COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão.
A julgar pelas repercussões na mídia e ou junto às ONGs que atuam na pauta climática, o resultado das negociações da COP29, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada este ano no Azerbaijão, beirou o fracasso.
Distante de atingir o valor anual de U$ 1,3 trilhão defendido pelos países em desenvolvimento para financiar as ações climáticas globais, o acordo conhecido formalmente como a Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG) ter sido fechado em torno dos US$ 300 bilhões por ano foi considerado ruim por especialistas. Em muitos outros temas debatidos também houve uma alta dose de frustração, com lacunas em decisões sobre como operacionalizar o Programa de Trabalho de Transição Justa, ou orientações para implementar o Balanço Global do Acordo de Paris e garantir que a próxima rodada que vai atualizar os compromissos climáticos dos países (NDCs) esteja alinhada a resultados mais robustos.
Há quem analise, inclusive, que a COP29 reforçou o descrédito no processo multilateral como forma de cooperação para enfrentamento da crise climática. E sob as notícias da volta de Donald Trump à Casa Branca, das guerras e os poucos avanços nas salas de reunião, as negociações quase colapsaram, com ameaça de abandono da COP por parte de um conjunto de países mais vulneráveis à mudança do clima, fazendo com que a declaração final da COP29 só tenha sido possível graças a um intenso trabalho diplomático nos bastidores que, em geral, atravessava a noite.
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É bem verdade que teria sido surpresa um resultado muito diferente, considerando o contexto geopolítico e a correlação de forças no âmbito da UNFCCC. Além disso, podemos olhar o resultado e enxergar o copo meio cheio ou meio vazio, em particular para o Brasil, que agora assume a presidência e se prepara para sediar a COP30, que acontecerá em Belém, em 2025.
Nosso país participou de maneira destacada na COP29, firmando o seu protagonismo ao conduzir diversos debates sobre a descarbonização da economia e sobre a ênfase a ser dada à agenda de adaptação. Na COP, sentou-se entre os três primeiros países signatários do Acordo de Paris a entregar a nova contribuição nacionalmente determinada (NDC, na sigla em inglês). O documento de 44 páginas apresentado em Baku traça o roteiro para um futuro de baixo carbono com compromissos que merecem ser celebrados. A começar por serem compromissos lastreados pelo Plano Clima, o instrumento de planejamento que guiará as ações de enfrentamento à mudança do clima no Brasil até 2035, voltadas à redução de emissões de gases de efeito estufa (mitigação) e à adaptação aos impactos da mudança do clima, com planos setoriais para cada um deles – sete para mitigação e 16 para adaptação.
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Na NDC, o Brasil se compromete a reduzir as emissões entre 59% e 67% até 2035, reafirma o compromisso de combate ao desmatamento, apresenta a promoção da justiça climática como eixo norteador de sua agenda, ressalta a sinergia entre desenvolvimento econômico e ação climática e propõe um pacto entre a União, estados e municípios com vistas ao fortalecimento do Federalismo climático. Para viabilizar essa nova visão de desenvolvimento, são apresentados instrumentos econômicos como o Fundo Clima, Títulos Soberanos Sustentáveis, Eco Invest Brasil, Taxonomia Sustentável Brasileira e o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, além da integração da lente climática ao conjunto das políticas e programas estruturantes promovidas pelo governo federal. O documento mostra a disposição do governo em direcionar recursos e assegurar o monitoramento transparente das medidas que ampliem a capacidade de adaptação, reforcem a resiliência e reduzam a vulnerabilidade às alterações climáticas sobre as pessoas, o meio ambiente e a economia.
Não há dúvidas de que o Brasil assume uma posição de vanguarda no Acordo de Paris, tendo o compromisso de liderar o esforço global para conter o aquecimento do planeta. E essa inserção internacional representa muito para a defesa da soberania e dos interesses nacionais, que se expressa também perante ao G20 e aos Brics. Pelo bem do próprio país e de nossa gente, apesar da meta de aumento de temperatura até 1,5°C estar cada dia mais difícil de ser alcançada, não temos alternativa que não seja defender um patamar em que se evite o agravamento da crise climática com senso de urgência e responsabilidade. E é bom que se diga que o esforço para assegurar o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza, com ações para proteger o bem-estar das pessoas e do planeta, salvar vidas e meios de subsistência, não virá de mão beijada, ofertado pelos países desenvolvidos.
O Brasil precisa se mexer. E olhando por este lado, é possível sim ver o copo meio cheio.
Inamara Mélo é Coordenadora-geral de Adaptação à Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, ex-secretária estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco e pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre Transformação ecológica e diversificação energética da Fundação Maurício Grabois.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.