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Cultura: Fundação Maurício Grabois recebe doação de obras de Gershon Knispel

4 de dezembro de 2024
Gershon Knispel (1932-2018) foi pintor, escultor e militante comunista germano-israelense. Na foto, o Coordenador do CDM, Fernando Garcia, e o presidente da Fundação Grabois, Walter Sorrentino, com Nina Vaisman em sua casa com o termo de doação das serigrafias. Foto: Alexandre Prestes.

Gershon Knispel (1932-2018) foi pintor, escultor e militante comunista germano-israelense. Na foto, o Coordenador do CDM, Fernando Garcia, e o presidente da Fundação Grabois, Walter Sorrentino, com Nina Vaisman em sua casa com o termo de doação das serigrafias. Foto: Alexandre Prestes.

A Fundação Maurício Grabois recebeu da arquiteta de origem romena Nina Vaisman, nesta quarta (04/12), a doação de 86 serigrafias de autoria de Gershon Knispel (1932-2018), pintor, escultor e militante comunista germano-israelense. O acervo se encontrava em sua casa, no centro da capital paulista, onde recebeu a Fundação Maurício Grabois para o ato da doação.

O presidente da Fundação Maurício Grabois, Walter Sorrentino, destacou que “a obra de Gershon Knispel é uma maravilha não só pela sua beleza, mas pela sua mensagem civilizacional, sensível e profundamente progressista”.

As obras doadas

As serigrafias têm forte teor político de um artista que usou o pincel, a tela e as tintas como armas contra as injustiças. São homenagens a importantes lutadores como a série “Exterminadores” que retrata a prisão de Olga Benário, a série que representa o assassinato de Wladimir Herzog e as vítimas da Operação Condor. Seu internacionalismo também abrange o golpe contra Salvador Allende em “Santiago do Chile 1973 – Homenagem a Victor Jara”. A paz é uma bandeira constante nas obras de Knispel. E dessa temática tem, entre outros, “Homenagem aos Habitantes de Belgrado — 1999”.

Várias das pinturas assinadas com Oscar Niemeyer, nomeadas “Por um mundo melhor”, têm uma frase-força de sentido mobilizador: “Quando a miséria se multiplica, e a esperança foge do coração dos homens… só a revolução”. De temas variados, as pinceladas a quatro mãos têm o símbolo latino-americano da mão que sangra com fundo de cenas de repressão e resistência dos povos.

A série “A terra é nossa” lembra a luta pela terra contra o latifúndio, tão presente na luta do povo brasileiro. Lembrando a grande dirigente comunista espanhola, Dolores Ibarruri, Knispel pintou “Homenagem a Pasionara – Hespania — 1937” e para a tragédia dos Palestinos, “A Nakba — 1948”. A lembrança da guerra é um tema corrente na coleção. Desses também se destaca “Solução Final — 1942” e “Stalingrado — 1942”.

Dois temas são trabalhados de diversas formas na obra como um todo e estão refletidas na coleção doada. Um é o músico do campo de concentração: judeu hábil com instrumentos musicais (em geral violino) que tem um álibi de sobrevivência, tocar para que a música se sobreponha aos gritos de dor e terror. Outro é a fila da “Agência de empregos”, uma série que retrata diversos tipos populares em busca de trabalho que Knispel viu tão comumente perto de seu ateliê como consequência da crise capitalista dos anos 1930.

Foto: “Músico” é um dos quadros que trata dos instrumentistas nos campos de concentração que ganham a “oportunidade” de não morrer naquele dia para que, através da música, abafem os gritos de terror [Reprodução]

A trajetória de Gershon Knispel

Knispel, nascido na Alemanha, em 1932, logo foi para Haifa (que nesse momento pertencia à Palestina), após perseguição do recém-formado regime nazista. Lá aprendeu árabe, hebraico, escultura e pintura. Para sobreviver deu aulas de desenho para crianças. Num intervalo de aula conheceu Nina Vaisman, que também dava aulas.

Quando Knispel estava dando aulas em Munique, em 1956, seu amigo e dramaturgo, Bertolt Brecht escreveu um poema sobre a situação das crianças na guerra. Antes de morrer, Brecht deixou um bilhete que orientava Knispel a ilustrar o poema. Esse pedido do amigo resultou na série “Cruzada das crianças”.

Nina, que precisou acompanhar a família ao Brasil, teve intensa correspondência por cartas com Knispel. Numa dessas informou-o que haveria um concurso para artistas plásticos na TV Tupi, de Assis Chateaubriand, em 1958. “Mas eu não falei: ‘Vem!’ Falei que ia ter um concurso. E ele achou que deveria participar do concurso. Veio e ganhou.” Esse trabalho vencedor de Knispel para a TV Tupi foi tombado e se encontra no bairro do Sumaré ― na capital paulista ―; são índios tupis pela, ainda pouco usada, técnica de agregado mineral jateado.

Foto: “Agência de empregos” é um quadro que retrata a dificuldade dos trabalhadores em meio à crise capitalista do entreguerras [Reprodução]

Knispel já conhecia o Brasil através das obras dos também comunistas Cândido Portinari e Oscar Niemeyer. Uma vez no Brasil, se enraizou. Passou a conviver com Villanova Artigas, Juca de Oliveira, Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho, Oscar Niemeyer e diversos quadros do Partido Comunista do Brasil. Nina e Knispel conviveram muito proximamente de Elisa Kauffmann Abramovitch, professora e primeira vereadora eleita da cidade de São Paulo; mas como foi pelo PC do Brasil, em 1948, teve seu registro cassado.

Depois do golpe de 1964 Gershon voltou para Israel, já que não havia mais o ambiente democrático que ele encontrou entre 1958 e 1964. Voltou para o Brasil depois da redemocratização e continuou sua produção artística.

Conta a Nina que “o Oscar Niemeyer propôs ao Gershon que juntassem símbolos de suas obras em serigrafias”. O arquiteto brasileiro tinha muita confiança em Knispel por serem comunistas. “Havia muita solidariedade por parte do Partido Comunista”, afirma Nina. Na parte doada à Fundação Grabois há diversas serigrafias com Niemeyer.

Gershon Knispel em 2002, após anos de amizade, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil e contribuiu com quadros que ornamentam a sede do PCdoB até hoje. Sorrentino, que homologou a filiação, lembrou que “Gershon queria retomar sua atividade militante mais orgânica e nos procurou.”

Agradecimento durante a visita

Sorrentino entregou a Nina uma carta e o livro “Poema Lênin”, de Vladimir Maiakovski em agradecimento pela doação: “este é um gesto de agradecimento à Nina que doou essas pinturas de Gershon e que pretendemos divulgar, pois a sua mensagem é de grande estatura”, afirmou o presidente da Fundação Grabois. Ao ler a carta, Nina se disse emocionada e repetiu em voz alta a frase: “Recebemos, honrosamente, como quem é agraciado com uma cesta de pães e ramos de trigo”, trecho inicial da missiva.

Sobre a doação, Nina afirmou: “Acho que a Fundação Maurício Grabois é o lugar mais que merecido para as obras de Gershon ficarem. São dois judeus comunistas [Grabois e Gershon] que batalharam pelos mesmos ideais”. Ao final, explicando o seu gosto pela leitura, pelos estudos e pelo comunismo, Nina lembra uma pixação de sua infância na Romênia que dizia “’Estudar, estudar, estudar… sempre estudar ― Vladimir Ilitch Lênin’. Acho que aquilo ficou na minha cabeça” (risos).

Confira abaixo a íntegra da Carta entregue por Walter Sorrentino para Nina Vaisman.

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À arquiteta Nina Vaisman

Estimada companheira

Recebemos, honrosamente, como quem é agraciado com uma cesta de pães e ramos de trigo, a doação feita pela senhora de obras do acervo de seu companheiro de vida e lutas, o renomado pintor, gravador, muralista, escultor, desenhista e professor de arte Gershon Knispel.

Ele fez de sua longa, intensa e realizadora vida um amálgama de rica produção artística e atividade cultural, com corajoso engajamento político humanista e comunista. Sobrevivente do Holocausto, a partir Haifa, em Israel, começou, desde a adolescência, a erguer o magnífico edifício de sua obra artística que conquistou reconhecimento internacional e está presente em várias cidades do mundo.

Nas temáticas de sua obra se ressaltam o Holocausto, o universo dos oprimidos, dos trabalhadores, os horrores das guerras imperialistas, o anseio dos povos pela paz e por uma existência digna e subjacente à conquista de um novo mundo, socialista.

Pela arte e pela política, Gershon foi um audacioso ativista da construção da paz entre palestinos e israelenses, e um firme defensor da solução de dois Estados, Israel e Palestina, com seus povos vivendo em harmonia. Apesar de pressões e retaliações, nunca se calou, jamais se intimidou e sua voz ecoou forte condenando a conduta da direita israelense de sabotagem ao processo de paz.

O Brasil teve a sorte e o privilégio de ter sido uma das pátrias de Gershon. Ele que nasceu na Alemanha, mudou-se ainda criança com a família para a Palestina, antes da criação do Estado de Israel, veio para nosso país, em 1958, pelo chamado do amor e de uma oportunidade de trabalho artístico, quando ficou até 1964. Com o golpe militar, retornou a Haifa e, dez anos depois da redemocratização, em 1995, tem uma nova temporada, desta vez mais longeva, de atuação política e artística no Brasil.

Temos orgulho de Gershon ter sido comunista em duas pátrias: pertenceu ao Partido Comunista de Israel e em nosso país se vinculou à legenda comunista. Antes da ditadura, se irmanou com expoentes da cultura nacional, entre eles, Oscar Niemeyer, Gianfrancesco Guarnieri, Vilanova Artigas, Jorge Amado, Juca de Oliveira, entre outros. Neste período, engata sua força criativa ao Centro de Cultura Popular, espaço fértil da UNE enquanto criação e difusão cultural.

Posteriormente, na segunda etapa de vida em terras brasileiras, em 2002, tivemos a honra de acolher sua filiação ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Na oportunidade, ele nos doou um conjunto de gravuras, entre elas uma que retrata, de modo pujante, Olga Benário Prestes num campo de concentração nazista.

Em nosso país, Gershon criou e deixou parte importante de sua obra e enriqueceu a cultura brasileira, em especial as artes plásticas. Se vinculou aos movimentos sociais, aos trabalhadores sem-terra, às causas democrática e progressistas de nosso país.

Agora, temos a redobrada honra de receber de suas mãos a presente doação constituída de desenhos a nanquim, e quase noventa serigrafias que virtuosamente estampam a temática de sua obra. Há uma série que retrata a prisão de Olga Benário, outra o assassinato de Wladimir Herzog, noutra as vítimas da Operação Condor.

O internacionalismo abrange o golpe contra Salvador Allende e homenageia Victor Jara, a paz, uma de suas grandes causas, em “Homenagem aos Habitantes de Belgrado — 1999”, a reverência à grande dirigente comunista espanhola Dolores Ibárruri, “Homenagem a Pasionara – Hespania — 1937”, a solidariedade e apoio aos palestinos em “A Nakba — 1948”, a Segunda Grande Guerra, em a “Solução Final — 1942” e “Stalingrado — 1942”.

O pujante tema do Holocausto, recorrente em sua obra, comparece em o “Músico”. E em “Agência de empregos”, uma série que retrata diversos tipos populares em busca de trabalho que Knispel viu tão comumente perto de seu ateliê como consequência da crise capitalista dos anos 1930.  “A terra é nossa” é da luta pela terra e contra o latifúndio, tão presente nas jornadas do povo brasileiro.

Parte dos trabalhos, conjuntamente assinados com Oscar Niemeyer, nomeados “Por um mundo melhor”, têm uma mensagem mobilizadora: “Quando a miséria se multiplica, e a esperança foge do coração dos homens… só a revolução”.

Somos imensamente gratos, companheira Nina Vaisman, pelo seu gesto de confiança e apreço à nossa Fundação Maurício Grabois. A presente doação tem alto significado para nós. Seguiremos, juntos, divulgando a memória e o legado artístico e político deste destacado internacionalista, Gershon Knispel.

São Paulo, 04 de dezembro de 2024

Fraternalmente,

Walter Sorrentino,

Presidente da Fundação Maurício Grabois

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