Internacional: Trump, a crise americana e de seus monopólios
Apontamentos sobre as eleições nos EUA: o agravamento das contradições inter-monopolistas e inter-imperialistas e a abertura de novas brechas para o desenvolvimento das nações e do multilateralismo.
A recente eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos reacendeu o debate sobre as, cada vez mais agudas, disputas internas no capitalismo estadunidense.
Além das tensões políticas evidentes entre republicanos e democratas, o retorno de Trump ao poder expõe uma disputa estrutural entre os grandes monopólios que compõem a base de sustentação econômica da sociedade, que se encontram defasados e na obsolescência, e os que buscam modernizar e reorganizar cadeias produtivas e estabelecer uma nova hegemonia dentro das elites dominantes, bem como suas articulações com cada partido e mudanças nas alianças e estratégias no mundo.
Monopólios e Poder Político
Nos EUA, a política é profundamente influenciada por grandes conglomerados empresariais que financiam campanhas, definem agendas e moldam políticas públicas.
Durante o primeiro mandato de Trump, vimos a ascensão de setores industriais tradicionais como petróleo, gás, aço e manufatura, no centro das suas prioridades políticas. Esses setores, frequentemente associados ao “cinturão enferrujado” e às regiões mais afetadas pela globalização e pela desindustrialização, formam a espinha dorsal do apoio econômico e político de Trump. O fechamento de fronteiras, a construção de muros e as ameaças aos imigrantes ilegais ao mesmo tempo em que atrai o apoio de trabalhadores nativos, tornam os ilegais presas fáceis para o sub-emprego do capitalismo decadente.
Por outro lado, os democratas têm consolidado sua base nos monopólios tecnológicos do Vale do Silício, como Google, Apple, Amazon e Meta, os chamados “conglomerados digitais” que ascenderam em fortuna e poder na virada do terceiro milênio e são cada vez mais decisivos para a indústria bélica e de defesa. Esses gigantes têm interesses centrados em uma economia digital globalizada, pautada por inovações tecnológicas, controle monopolista de dados e plataformas de serviços, de comércio, de novas plataformas financeiras digitais e das estratégicas indústrias de defesa.
Trump e os Monopólios Tradicionais
Após a fracassada tentativa de golpe de estado, e de 4 anos de Biden na presidência, o retorno de Trump ao poder simboliza a revanche dos setores industriais e de energia tradicionais, que se opõem às políticas de transição energética e regulação climática promovidas pelos democratas, e a nova aliança de Trump com setores dissidentes das corporações digitais do Vale do Silício, representadas por Musk e Peter Thiel.
Durante seu primeiro mandato, Trump enfraqueceu agências reguladoras ambientais, ampliou o uso de combustíveis fósseis e adotou uma política externa baseada em sanções econômicas e tarifas, protegendo indústrias locais.
Além disso, o setor financeiro ligado ao mercado de commodities e às corporações industriais, como ExxonMobil e General Electric, encontraram no trumpismo uma defesa de seus interesses contra a crescente hegemonia dos setores “digitais” e suas plataformas comerciais e financeiras.
Na véspera das eleições, BlackRock e Vanguard foram grandes compradores de ações da Trump Media no segundo trimestre de 2024. As ações da Trump Media começaram a ser negociadas na Nasdaq em 26 de março e têm sofrido grandes oscilações desde então.
Democratas e a Nova Economia
Enquanto Trump representava os interesses da economia “física” decadente e os setores minoritários das novas tecnologias digitais e de energia renovável, os democratas refletiam as demandas da economia “digital” monopolista consolidada e ainda hegemônica dentro dos EUA. Empresas como Amazon, Meta e Google dependem de mercados globais integrados, regulamentações ambientais moldadas a seus interesses, mais rígidas com seus concorrentes e políticas de inclusão que ampliem o consumo para suas plataformas comerciais e de serviços, especialmente entre grupos marginalizados. A economia baseada em dados e inteligência artificial, promovida por esses monopólios, vê com desconfiança as posturas protecionistas e nacionalistas de Trump, que ameaçam o fluxo global de capitais e de controle de tecnologia.
A ascensão de Joe Biden em 2020 foi marcada por uma agenda de sustentabilidade e inovação, que buscava atrair o apoio dos jovens e da classe média urbana. Contudo, a resistência em estados industriais e rurais revelou as contradições desse modelo, que muitas vezes negligencia setores tradicionais da economia que buscam perpetuar seu poder sem modernizar sua base produtiva.
Disputa pelo Futuro
O embate entre Trump e os democratas não é apenas político, mas econômico. De um lado, estão os interesses de monopólios vinculados à indústria tradicional, que buscam preservar o status quo das relações produtivas do século XX. De outro, estão os gigantes tecnológicos, que moldam a economia do século XXI e promovem uma visão de futuro pautada pela automação, inteligência artificial e globalização digital sob sua hegemonia.
Essa disputa também reflete contradições internas do capitalismo. Enquanto os monopólios industriais exigem barreiras protecionistas e incentivos estatais, os tecnológicos demandam mercados desregulamentados e integração globalizada por eles hegemonizada. Paradoxalmente, ambos dependem de intervenções contraditórias, e por vezes antagônicas, do Estado, seja para proteger setores em decadência, seja para sustentar os novos monopólios digitais globais.
O Impacto Global
A eleição de Trump reacenderá conflitos comerciais e geopolíticos, especialmente com a China. Sua postura protecionista pode intensificar a fragmentação do sistema econômico global, levando a uma nova era de regionalização e rivalidades entre blocos econômicos.
Para o resto do mundo, a disputa entre os monopólios estadunidenses significa uma oscilação constante entre agendas ambientais progressistas, como as defendidas pelos democratas, e um retorno à exploração intensiva de recursos, promovida pelos republicanos. Em ambos os casos, a concentração de poder econômico em poucas corporações permanece inalterada, com consequências devastadoras para economias periféricas.
A reeleição de Trump não deve ser vista apenas como um triunfo do populismo, mas como um capítulo da disputa entre dois projetos econômicos incompatíveis dentro do capitalismo dos EUA. Essa batalha reflete uma luta mais ampla pela hegemonia econômica no século XXI, com implicações profundas para o equilíbrio global.
O futuro dessa disputa não apenas moldará os rumos dos EUA, mas também definirá as bases da ordem mundial, reforçando a necessidade de uma governança global mais equilibrada que limite o poder dos monopólios, sejam eles industriais ou digitais.
Os dissidentes Musk e Thiel colocaram suas fortunas e redes para trabalhar para Trump e Vance
A reeleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos reflete um realinhamento político-econômico que vai além da rivalidade entre republicanos e democratas. Um elemento chave nesse novo cenário é a adesão de personalidades dissidentes do bloco hegemônico das gigantes digitais, como Elon Musk e Peter Thiel, o ex-conselheiro do grupo Meta, cofundador e ex-Ceo do PayPal, à órbita de apoio a Trump. Essa aliança incomum sugere que o embate entre os monopólios tradicionais e tecnológicos pode estar se transformando em algo mais complexo e estratégico.
Os dois bilionários do Vale do Silício lançaram uma grande campanha de arrecadação de fundos para financiar a campanha do candidato republicano nas eleições. O bilionário Peter Thiel deu crédito, em parte, a Elon Musk por ajudar outros líderes de tecnologia a se sentirem confortáveis em apoiar publicamente o presidente eleito Donald Trump nesta eleição. O ex-CEO do PayPal Thiel, que já apoiou financeiramente Trump em 2016, disse que a aceitação de Trump por Musk foi fundamental para facilitar a mudança dos “descontentes” do Vale do Silício para a direita nas eleições de 2024.
O Papel de Elon Musk no “Trumpismo Modernizado”
Elon Musk, à frente da Tesla, SpaceX e Twitter (rebatizado de X), representa um arquétipo de inovação tecnológica que geralmente estaria alinhado aos democratas e seus aliados no Vale do Silício. No entanto, Musk deu apoio a Trump, baseado em dois fatores centrais:
1 – Divergência com o Vale do Silício Tradicional: Musk se posicionou como crítico do que ele considera um excesso de regulamentação, censura nas plataformas digitais e o alinhamento político homogêneo de grandes empresas como Google e Meta com os democratas. Ao adquirir o Twitter e adotar uma política de moderação mais permissiva, Musk se tornou um defensor da “liberdade de expressão” no espaço digital, uma pauta que ressoa com a base trumpista.
2 – Foco na Inovação e Desregulamentação: O trumpismo oferece a Musk um ambiente mais favorável para investimentos em setores como energia renovável (onde ele domina o mercado de veículos elétricos) e exploração espacial. A relação pragmática com o governo de Trump pode trazer incentivos fiscais, desburocratização e contratos governamentais significativos para empresas como a SpaceX.
Assim, Musk pretende redefinir correlações e atuar como uma “ponte” entre os monopólios tecnológicos e a agenda nacionalista de Trump, ajudando a “modernizar o trumpismo” com uma narrativa de inovação e soberania tecnológica. Vai participar diretamente da gestão de Trump.
O Papel do Ex-Consultor Financeiro da Meta – Peter Thiel
A adesão do ex-consultor financeiro do grupo Meta ao projeto de Trump reflete a insatisfação de setores internos do Vale do Silício com as estratégias monopolistas e globalistas dos democratas. Essa mudança pode ser entendida por meio de três aspectos:
1 – Críticas à Política Fiscal: Muitos executivos de tecnologia consideram que as políticas fiscais democratas, que aumentam impostos sobre grandes fortunas e empresas, prejudicam a capacidade de inovação e expansão global. Sob Trump, espera-se um retorno a políticas fiscais mais amigáveis ao capital.
2 – Preocupação com o Equilíbrio Geopolítico: Enquanto a Meta e outras empresas de tecnologia têm forte dependência de mercados globais, executivos alinhados a Trump pretendem uma abordagem mais protecionista que garanta a competitividade das empresas americanas em detrimento de gigantes tecnológicos chineses.
3 – Liderança em Inteligência Artificial (IA): A revolução da IA e sua regulação são pontos de tensão entre os monopólios digitais e o governo. A busca por um ambiente menos regulado, no qual os EUA possam liderar globalmente, encontra no trumpismo um terreno mais fértil para se desenvolver.
Oportunidades e Contradições na Aliança
A entrada de figuras como Musk e Peter Thiel em apoio a Trump traz oportunidades, mas também revela contradições na base econômica do trumpismo. Por um lado, essa aliança pode atrair setores mais modernos da economia, rompendo a dependência exclusiva de Trump das indústrias tradicionais. Por outro lado, há tensões inevitáveis entre o nacionalismo protecionista de Trump e a lógica globalista das Big Techs que ainda orienta boa parte do setor tecnológico.
Além disso, enquanto Trump se apoia na retórica populista contra elites empresariais e políticas, ele também precisará equilibrar o apoio de magnatas como Musk, cuja figura personifica as elites globais que o populismo pretende combater.
Impactos Geopolíticos e Internos
A aliança de Musk e Peter Thiel a Trump pode intensificar a guerra econômica com a China, priorizando políticas de autossuficiência tecnológica e a reindustrialização americana. Internamente, a combinação de desregulamentação e incentivos fiscais pode gerar uma recuperação econômica focada em inovação, embora potencialmente às custas de maior desigualdade social.
Trump 2.0 e a Nova Coalizão Econômica
Essa nova coalizão amplia a base de sustentação de Trump, mas também traz desafios na conciliação de interesses conflitantes entre setores industriais e digitais.
A reeleição de Donald Trump não é apenas um evento político, mas um marco na escalada das disputas entre as forças econômicas que sustentam o poder americano. O apoio de figuras como Elon Musk, CEO da Tesla, SpaceX e X (antigo Twitter), e Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor influente no Vale do Silício, evidencia o agravamento das rivalidades entre os grandes monopólios americanos e a fragmentação dos interesses econômicos no coração do capitalismo global.
Trump emerge novamente como um símbolo de ruptura, representando os interesses das indústrias tradicionais e de setores descontentes com a concentração de poder em gigantes tecnológicos alinhados ao Partido Democrata, como Google, Apple, Meta e Amazon. Durante seu primeiro mandato, Trump priorizou a desregulamentação, o protecionismo econômico e o fortalecimento da produção doméstica. Essas políticas foram amplamente vistas como um contrapeso ao globalismo promovido pelos democratas, cujos monopólios dependem de mercados integrados e cadeias de suprimento globais.
Elon Musk: O Pragmatismo e Oportunismo “Visionário”
Elon Musk, cuja trajetória o coloca como uma figura central da inovação tecnológica, tem surpreendido ao adotar posições cada vez mais próximas de Trump e seu apoio se baseia em alguns eixos principais:
1 – Rejeição ao Controle dos Monopólios Democratas: Musk tem criticado abertamente as grandes corporações tecnológicas que dominam o Vale do Silício e mantêm forte alinhamento com os democratas. Ao adquirir o Twitter, Musk confrontou diretamente o que considera ser um “sistema de censura” digital controlado por essas empresas, promovendo um discurso de liberdade de expressão que dialoga com a base de Trump.
2 – Desregulamentação e Incentivos à Inovação: Sob Trump, Musk espera um ambiente menos regulado, tanto para seus empreendimentos em veículos elétricos e energia renovável quanto para a exploração espacial. A relação entre a SpaceX e o governo americano tem sido estratégica, e um novo mandato de Trump pode consolidar ainda mais esse vínculo, com contratos governamentais e políticas favoráveis.
3 – Proteção aos veículos e produtos da Tesla contra as empresas Chinesas.
O Agravamento das Disputas entre Monopólios
A aliança de Trump com figuras como Musk e Thiel aprofunda as divisões dentro dos monopólios americanos. De um lado, estão os setores tradicionais da economia – petróleo, gás, aço e manufatura – e empresas tecnológicas dissidentes, como Tesla e Palantir, de Peter Thiel. Do outro, encontram-se os gigantes democratas, que lideram o mercado digital globalizado e são os principais beneficiários das políticas climáticas e regulatórias do governo Biden.
Essas disputas não se restringem ao âmbito doméstico. No plano internacional, os interesses desses monopólios se chocam diretamente com a ascensão da China e a fragmentação do mercado global. Enquanto as empresas democratas dependem de sua hegemonia em cadeias de suprimentos globais e de acesso a mercados como o chinês, Trump e seus aliados promovem políticas de isolamento estratégico e tentativas de reindustrialização americana com base em bloqueio tarifário aos concorrentes chineses e dos países em desenvolvimento.
Trump, Musk e Thiel: Desenhando um “Novo Trumpismo”?
A presença de Musk e Thiel no campo trumpista sinaliza uma evolução do movimento.
Não se trata mais apenas de proteger setores em decadência, mas de modernizar o Trumpismo, incorporando a narrativa de soberania tecnológica e inovação.
Essa nova configuração pode ampliar a base econômica de Trump, atraindo segmentos jovens e urbanos que veem em Musk e Thiel símbolos de empreendedorismo e disrupção.
No entanto, essa aliança também revela e agrava as tensões com as ainda hegemônicas Big Techs.
Trump terá que equilibrar as demandas protecionistas dos setores industriais com a visão globalizada e de concorrência e disputa pela hegemonia no mercado tecnológico e digital que, em parte, ainda orienta as estratégias de Musk e Thiel.
Impactos no Cenário Global
A ampliação do apoio a Trump entre magnatas da tecnologia como Musk e Thiel deve intensificar a rivalidade entre EUA e China, com foco na soberania tecnológica e no domínio de mercados estratégicos como o de transformação energética, a nova indústria automobilística, de defesa, de segurança e telecomunicações, satélites e computação quântica, de inteligência artificial e energia renovável. No entanto, a dependência mútua entre os monopólios americanos e as cadeias globais de valor tende a gerar contra pesos e mais instabilidade econômica e geopolítica.
Trump, Musk, Thiel e as Disputas pela Indústria Bélica: Impactos da Reeleição e da Guerra na Ucrânia
A reeleição de Donald Trump traz implicações profundas para a indústria bélica americana, principal pilar da economia dos EUA, responsável por mais de 65% da atividade da economia e indutora da sua política externa. A promessa de Trump de encerrar a guerra na Ucrânia e sua política de “America First” geram divisões dentro desse setor, que possui interesses diversificados, desde a desova de estoques e venda de armamentos convencionais até a expansão de tecnologias militares emergentes, como inteligência artificial e sistemas de defesa cibernética.
A Indústria Bélica: Dividida entre Trump e os Democratas
A indústria bélica nos EUA não é homogênea; diferentes segmentos e empresas têm interesses distintos, o que explica o apoio fragmentado a Trump.
Em 2023, os Estados Unidos gastaram 3,4% do seu PIB com a indústria bélica. Uma tendência preocupante, que em 2023 atingiu novos recordes e que diz respeito de perto ao mundo das finanças: quase 1 trilhão de dólares (959) foi usado em dois anos por instituições financeiras globais para apoiar a produção e o comércio de armas. “Os bancos e o setor financeiro não são apenas corretores de dinheiro, mas agentes críticos de mudança”…”Mais da metade do investimento total no setor de armas, mais de US$ 500 bilhões, vem dos Estados Unidos. E as 12 instituições financeiras que mais investem na produção de armas são todas estadunidenses: uma classificação liderada, com 92 bilhões de dólares, pelo grupo Vanguard. Os 15 maiores bancos europeus investiram 87,72 bilhões de euros em indústrias produtoras de armas.”- Esses fatos foram denunciados pelo relatório “Finance for War. Finance for Peace”.
A eclosão da guerra na Ucrânia em fevereiro de 2022 fez com que o valor das ações das empresas de armamentos disparasse. Uma análise do Financial Times mostrou que a carteira de pedidos de novos armamentos atingiu níveis recordes em 2022 e no primeiro semestre de 2023. Uma tendência que, infelizmente, aumentará a curto prazo, principalmente por causa da eclosão do conflito entre Israel e o Hamas em outubro de 2023. Entre os dez estoques globais que mais progrediram desde o início de 2024 estão o fabricante alemão de munições Rheinmetall e a empresa norueguesa Kongsberg.
Uma análise do “International Peace Bureau” traduziu o custo de armamentos específicos em bens e serviços de saúde: uma fragata multifuncional europeia (Fremm) vale o salário de 10.662 médicos por ano (média dos países da OCDE); um caça F-35 equivale a 3.244 leitos de terapia intensiva e um submarino nuclear da Virgínia custa o mesmo que 9.180 ambulâncias. Metade dos recursos alocados pelos governos em todo o mundo para as forças armadas seria suficiente para fornecer assistência médica básica para todos no planeta e para reduzir consideravelmente as emissões de gases de efeito estufa.
(https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2024-02/financas-armas-recorde-1-trilhao-industria-militar-relatorio.html)
Quem Ganha com Trump
– Empresas Focadas no Mercado Doméstico: Fabricantes de armamentos tradicionais, como a Lockheed Martin e a Raytheon, podem ver vantagens em uma política de maior investimento na defesa interna e no fortalecimento das fronteiras, uma prioridade de Trump.
– Empresas de Defesa Antissatélite e Sistemas Espaciais: A SpaceX, de Elon Musk, tem potencial de expandir contratos com o Departamento de Defesa, dada a ênfase de Trump em soberania espacial e proteção de ativos críticos.
– Contratantes de Defesa em Projetos Bilaterais: Trump favorece acordos de venda direta de armas para aliados estratégicos, como Arábia Saudita e Israel, sem os condicionantes diplomáticos que os democratas frequentemente impõem.
Quem Perde com Trump
– Empresas Dependentes de Conflitos Prolongados: A guerra na Ucrânia gerou uma explosão na demanda por munições, drones e sistemas de defesa antiaérea, setores nos quais empresas como Northrop Grumman e Boeing têm grande participação. O encerramento abrupto do conflito poderia reduzir drasticamente essas oportunidades de mercado.
– Setores de Inovação Militar com Foco Global: Empresas que se beneficiam de parcerias internacionais, especialmente no contexto da OTAN, podem enfrentar dificuldades se Trump enfraquecer alianças globais e adotar uma postura mais isolacionista.
A Promessa de Encerrar a Guerra na Ucrânia
Trump tem reiterado sua intenção de negociar rapidamente o fim da guerra na Ucrânia, mesmo que isso envolva concessões significativas à Rússia. Essa postura contrasta com a política de apoio irrestrito de Joe Biden ao governo ucraniano, que resultou em um influxo maciço de armamentos e assistência militar.
Impactos da Política de Trump na Guerra na Ucrânia:
- Redução da Demanda por Armamentos: O término do conflito diminuiria a necessidade de reposição de estoques de munições, mísseis e sistemas de defesa, impactando negativamente empresas e bancos que lucraram com a escalada da guerra.
- Reconfiguração da Política Externa: Ao priorizar negociações diretas com a Rússia, Trump pode enfraquecer a OTAN, prejudicando empresas e bancos que investiram e dependem de contratos oriundos da integração militar transatlântica.
- Deslocamento do Foco Geopolítico: Trump pode redirecionar o esforço militar para conter a China, especialmente em questões relacionadas a Taiwan, o que beneficiaria setores focados em tecnologias marítimas, espaciais e cibernéticas.
A Nova Estratégia Militar de Trump
Trump tem sinalizado uma abordagem mais pragmática e transacional para a política de defesa. Isso inclui:
- Repriorização Orçamentária: Menor gasto em conflitos externos e maior investimento em defesa doméstica, especialmente em tecnologias emergentes, como sistemas anti satélite, inteligência artificial aplicada à guerra e proteção cibernética.
- Revisão de Parcerias Internacionais: Trump tende a pressionar aliados a assumirem maiores responsabilidades financeiras na OTAN, potencialmente limitando o papel dos EUA como “polícia global”.
- Apoio a Estados Estratégicos: Continuará fortalecendo as capacidades militares de aliados-chave no Oriente Médio e na Ásia, mas com acordos bilaterais mais lucrativos para seus aliados nos EUA, favorecendo empresas que atuam nessas regiões.
A Divisão Interna dos Monopólios Bélicos
A eleição de Trump intensifica uma disputa dentro da própria indústria bélica entre:
- Setores Tradicionais: Que apoiam a política de Trump por priorizar a defesa interna e contratos bilaterais, sem depender de alianças multilaterais.
- Setores Globais: Que veem na ordem internacional liderada pelos EUA, inclusive em conflitos como a guerra na Ucrânia, uma fonte de receitas consistentes.
Essas tensões refletem um choque entre dois paradigmas: o nacionalismo econômico de Trump e o globalismo que caracteriza boa parte do setor tecnológico-militar.
Impacto no Poder Global dos EUA
A política de Trump pode alterar significativamente o papel dos EUA no sistema internacional. Sua promessa de reduzir envolvimentos militares prolongados como o da Ucrânia e até mesmo deixar a OTAN pode enfraquecer a influência americana na Europa e acirrar as contradições com seus aliados Europeus, mas ao mesmo tempo, pode permitir um foco maior no Indo-Pacífico, onde a competição com a China é mais estratégica.
Além disso, ao fortalecer os setores bélicos internos e priorizar tecnologias disruptivas, Trump busca reposicionar os EUA como uma potência militar inovadora, reduzindo sua dependência de alianças externas.
A Configuração da Indústria Bélica sob Trump
A reeleição de Trump, com o apoio de figuras como Elon Musk e Peter Thiel, redefine as prioridades da indústria bélica americana. Sua política de encerramento da guerra na Ucrânia e foco em tecnologias emergentes cria vencedores e perdedores dentro do setor, ao mesmo tempo em que redesenha a política externa dos EUA.
Embora essa abordagem possa trazer benefícios econômicos para segmentos específicos, ela também agrava as divisões dentro da indústria e compromete o papel dos EUA como líder global. Essa nova configuração reflete não apenas as disputas entre monopólios, mas também as contradições do capitalismo americano em um cenário geopolítico cada vez mais instável.
Petróleo e Energia: Agravamento das Contradições na Disputa pela Hegemonia nos EUA – Um Conflito de Modelo Econômico
As indústrias de petróleo e energia desempenham um papel crucial na disputa pela hegemonia econômica e política nos Estados Unidos. Essas empresas não formam um bloco coeso; ao contrário, estão divididas em interesses concorrentes, que se refletem nas políticas defendidas por republicanos e democratas. A eleição de Donald Trump, que representa um retorno à exploração intensiva de combustíveis fósseis e uma rejeição das políticas ambientais mais restritivas, intensifica essas contradições.
Petróleo vs. Energias Renováveis: Nos EUA, o setor de energia está dividido entre as gigantes tradicionais de petróleo e gás natural e os emergentes monopólios de energia renovável e tecnologia de energia limpa. Essas divisões ilustram um conflito mais amplo entre dois modelos econômicos:
Sancionada em 2022, a Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês) proposta pelo governo Biden e aprovada pelo Congresso dos EUA, com apoio de Democratas e Republicanos, prevê mais de US$ 300 bilhões em incentivos para a indústria de baixo carbono.
Vale para renováveis, como solar e eólica, mas também para eficiência energética, veículos elétricos, baterias, e projetos de hidrogênio e captura de carbono – inclusive de petroleiras.
A intenção era atrair investimentos na cadeia produtiva estadunidense e tem mostrado resultados. Até agosto de 2024, a Casa Branca calculava US$900 bilhões em anúncios de investimentos do setor privado em energia limpa e manufatura desde a eleição de Biden, dos quais US$265 bilhões aproximadamente foram pós-sanção da IRA.
É um volume de recursos e postos de trabalho (estimados em 330 mil) que será difícil de ignorar, mesmo por uma gestão que negue a crise climática e a necessidade de fontes mais limpas de energia.
“Se os republicanos liderados por Donald Trump ganharem o controle da Casa Branca e do Congresso nas eleições nacionais de novembro, é improvável que eles revoguem a Lei de Redução da Inflação (IRA), a histórica lei climática dos EUA, [Nós] vemos qualquer revogação do IRA como improvável”, afirmou John Ketchum, CEO da NextEra Energy.
A NextEra é a maior proprietária de capacidade de armazenamento de energia eólica, solar e de bateria dos EUA, com mais de 20 GW de backlog de projetos.
1 – Empresas Tradicionais de Petróleo e Gás:
Gigantes como ExxonMobil, Chevron e ConocoPhillips têm interesses profundamente alinhados com a exploração e exportação de combustíveis fósseis.
Essas empresas dependem de políticas de desregulamentação ambiental, como as implementadas por Trump durante seu primeiro mandato, que eliminaram restrições à exploração em áreas federais e reduziram exigências de emissão de carbono.
Além disso, essas empresas vêem a expansão de mercados internacionais – particularmente na Ásia – como uma oportunidade para fortalecer sua posição global.
2 – Ações de empresas de energia renovável caem de 9 a 16% após Trump reivindicar vitória nas eleições dos EUA
Corporações como Tesla, NextEra Energy e empresas ligadas à energia solar e eólica representam para o Trumpismo o futuro da transição energética nos EUA.
Elas se beneficiam de subsídios governamentais, proteções tarifárias contra seus concorrentes internacional (China), desregulamentações climáticas e políticas de incentivo à redução de emissões.
Alinhadas, em sua maioria, com os democratas, essas empresas dependem de um contexto político que priorize acordos climáticos internacionais e uma agenda de transição para a neutralidade de carbono.
Trump e o Renascimento do Petróleo
Durante seu mandato, Trump priorizou os interesses das empresas de petróleo e gás, promovendo:
- Abertura de Áreas Federais para Exploração: Incluindo o Alasca e reservas protegidas.
- Retirada dos EUA do Acordo de Paris: Enfraquecendo os compromissos climáticos globais e favorecendo a exploração de combustíveis fósseis.
- Imposição de Tarifas sobre Importações de Energia Limpa: Como painéis solares, dificultando a concorrência de tecnologias estrangeiras no mercado americano.
Com sua reeleição, essas políticas podem ser retomadas, criando um ambiente favorável ao setor tradicional, mas conflituoso para as empresas renováveis.
Democratas e a Transição Energética
O governo Biden adotou políticas opostas, priorizando:
- Incentivos às Energias Renováveis: Com bilhões de dólares investidos em infraestrutura verde através do Inflation Reduction Act.
- Metas de Descarbonização: Buscando atingir a neutralidade de carbono até 2050, o que implica um desincentivo sistemático ao uso de combustíveis fósseis.
- Apoio ao Mercado de Veículos Elétricos: Beneficiando empresas como Tesla e expandindo a infraestrutura de carregamento elétrico.
Essas políticas representaram uma ameaça direta às empresas de petróleo, resultando em tensões crescentes entre os monopólios tradicionais e os emergentes.
Contradições e Conflitos na Indústria de Energia
1 – Dependência Cruzada:
Apesar das disputas, há uma interdependência entre os setores de petróleo e renováveis. Gigantes do petróleo, como a BP e a Shell, têm investido em energia renovável como forma de diversificar seus portfólios, mas enfrentam resistência interna e de acionistas conservadores.
2 – Mercado Globalizado vs. Nacionalismo Energético:
Empresas de petróleo tradicionalmente lucram com mercados globais e dependem de estabilidade geopolítica para manter suas operações.
Já Trump promove um nacionalismo energético, como o aumento da produção doméstica para reduzir a dependência de importações, o que pode desestabilizar os mercados internacionais.
3 – Mudanças no Consumo e na Infraestrutura:
A crescente demanda por veículos elétricos e a transição para fontes renováveis desafiam as empresas de petróleo, que veem seu mercado doméstico diminuir. Essas mudanças geram divisões profundas sobre como adaptar modelos de negócios a um cenário de transição energética.
O Impacto Geopolítico e a Competição com a China
A transição energética também é influenciada pela rivalidade entre EUA e China. Enquanto os EUA lideram no setor de petróleo e gás, a China domina a cadeia de suprimentos de tecnologias renováveis, como baterias de lítio e painéis solares.
A postura de Trump, que favorece a exploração de combustíveis fósseis e reduz subsídios para renováveis, pode enfraquecer a competitividade americana no longo prazo, aumentando a dependência de tecnologias chinesas no setor de energia limpa.
Perspectivas para o Futuro
A divisão entre os setores de petróleo e renováveis reflete uma transição mais ampla dentro do capitalismo americano. A eleição de Trump pode atrasar a descarbonização, fortalecendo os interesses do petróleo no curto prazo, mas isso gera riscos de isolamento internacional e desvantagens tecnológicas em mercados emergentes.
Por outro lado, as empresas de energia renovável, mesmo enfraquecidas por cortes de subsídios, continuarão a se expandir devido à pressão global por sustentabilidade e às mudanças no comportamento do consumidor.
As contradições entre petróleo e renováveis na indústria energética americana não são apenas econômicas, mas políticas e estruturais. A disputa pela hegemonia dentro dos EUA é um reflexo da tensão entre o passado e o futuro, entre o nacionalismo econômico e o globalismo, e entre os interesses corporativos tradicionais e os emergentes.
A eleição de Trump pode representar um respiro para os gigantes do petróleo, mas também amplifica as contradições dentro do setor com os monopólios ligados a novas tecnologias e fontes de energia e intensifica o debate sobre o papel dos EUA na liderança da transição energética global.
Essa batalha determinará não apenas a configuração da economia americana, mas também o posicionamento geopolítico e econômico dos EUA nas próximas décadas.
As tensões e divisões que agravam as contradições entre os monopólios e seus aliados tornam a realidade mais complexa, mas abrem caminho para mudanças na correlação de forças e, assim como em outras grandes crises dos monopólios dos países capitalistas hegemônicos, o acirramento dessas tensões internas e externas podem permitir avanços dos países em desenvolvimento e do multilateralismo, se souberem aproveitar as brechas que se abrem.
Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois – Engenheiro Eletrônico formado pela USP e Coordenador de Políticas Públicas da Engenharia pela Democracia – EngD.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.