Economia: Copom, preocupação com a inflação ou com a remuneração dos rentistas?
Após mais um aumento inexplicável da taxa de juros no Brasil, o economista Diogo Santos propõe que o governo altere a meta de inflação. Foto: Agência Brasil.
Imediatamente após a divulgação de que o Copom havia decidido elevar a taxa básica de juros da economia (taxa selic) em 1 ponto percentual, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) emitiu uma posição crítica sobre essa decisão, afirmando que assim o BC está “prejudicando a continuidade do crescimento econômico, o investimento produtivo e a geração de emprego e renda no país”. Foi uma manifestação muito importante do CNDI, dada a conjuntura de cerco que a oligarquia financeira está buscando impor ao país. Essa manifestação sinaliza um aumento de convergência entre os setores empresariais industriais representados no CNDI, uma vez que, como se sabe, há divergências consideráveis entre os diferentes setores, federações empresariais e mesmo interesses conflitantes entre atividade industrial e atividade financeira no interior das empresas. Além disso, o CNDI é presidido pelo vice-presidente da República e composto por diversos ministérios, o que significa que esta é a primeira vez que a crítica direta às decisões do Copom não partiu de uma ação isolada do presidente Lula.
Não era para menos. A decisão do Copom foi muito grave. Além do aumento de 1 ponto percentual, que nem o mercado financeiro esperava, o BC se comprometeu em realizar mais dois aumentos consecutivos de mesma magnitude. O que me parece mais significativo dessa decisão é que ficou claro que a pressão por aumento de remuneração dos títulos públicos feita pela oligarquia financeira pesou mais que o objetivo de controle da inflação. Seja pelos fatores que determinaram a trajetória da inflação em 2024, seja pelos fatores que se mostram mais relevantes para determinar a inflação em 2025, a decisão do BC está em desacordo com a realidade. A política monetária é inócua para conter a inflação diante dos eventos climáticos extremos que o país viveu este ano. E mesmo com todos os eventos inflacionários ocorridos e o forte crescimento econômico, para os padrões brasileiros recentes, a inflação fechará o ano pouco acima do teto da meta. Além disso, entre outros fatores, a Selic já está em patamar que impõe freio ao crescimento econômico, há previsão de maior oferta de energia elétrica em 2025, o que é uma forte contribuição para conter a inflação, e a previsão já é de crescimento menor do PIB em 2025.
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Mas no que se refere ao interesse da oligarquia financeira em ser mais bem remunerada diante de um governo para o qual já demonstrou clara oposição, a decisão do BC está absolutamente alinhada com a realidade. Diante das incertezas globais resultantes dos processos políticos no decadente EUA e também na Europa, a oligarquia financeira redobra sua cobrança para que o governo brasileiro garanta rigorosamente a certeza de uma remuneração segura, estável e elevada. E o BC está claramente endossando essa cobrança. A inclusão, no comunicado do Copom, da reação negativa do mercado financeiro ao pacote de corte de gastos anunciado pelo governo federal como um elemento relevante para a decisão de se elevar a taxa Selic é um acinte. As medidas, que são ruins para o povo, objetivamente contribuem para controlar o crescimento da dívida. Isso que importa. Além de diminuírem o crescimento da demanda agregada da economia no curto prazo, o que também permitiria uma menor dosagem de elevação da taxa de juros. Mas com essa decisão o BC mandou o seguinte recado: o mercado financeiro está certo e o governo está errado. Se da parte do governo, essa decisão foi vista como necessária para ganhar tempo no jogo de pressão que o governo sofre do mercado financeiro, o tiro saiu pela culatra. A pressão sobre a política fiscal, por mais cortes, já aumentou.
Em suma, a elevação da taxa de juros não terá impacto significativo de diminuição do crescimento da inflação. Mas irá atravancar o crescimento do investimento, que começa a sinalizar uma melhora, consequentemente atrapalhando a política industrial, isto é, a modernização produtiva e tecnológica. Assim, o crescimento da produtividade, o que realmente contribui para controlar a inflação estruturalmente, estará comprometido. Não há crescimento da produtividade sem crescimento econômico e sem investimento em modernização e expansão produtiva.
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O governo, por meio do Conselho Monetário Nacional, precisa alterar a meta de inflação. Se a meta fosse atualmente de 4% ao ano, como já foi antes do golpe de 2016, o poder de chantagem do mercado financeiro seria menor. E além disso a trajetória da inflação já estaria na meta, pelas projeções do próprio BC. Mas não há dúvidas de que enquanto o BC agir assim o governo precisa mobilizar os bancos públicos, principalmente o sistema BNDES, para ampliar o crédito a menor custo para mitigar os efeitos da Selic elevada. É preciso também reduzir as taxas de juros dos demais bancos públicos e ampliar sua fatia de mercado em áreas dominadas pelos bancos privados.
Diogo Santos é economista e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.