Observatório Internacional: o gabinete de Trump no próximo governo
Trocando em Miúdos o Gabinete Trump: Um Saco de Poucos Gatos
Nada melhor para diagnosticar o que o governo Trump 2.0 pretende fazer nos próximos quatro
anos do que avaliar a agenda dos que serão os prováveis ministros, dependendo ainda de
aprovação pelo Senado no início de 2025. Como a lista de todos os candidatos a cargos no
gabinete é muito grande para uma análise exaustiva da composição de todos os ministérios,
alguns postos chaves servem como indicação da tendência geral das políticas e ações concretas
do novo governo a partir do ano que vem. Vale lembrar que, como o Partido Republicano tem
maioria no Congresso pelo menos até as eleições de meio de mandato em 2026, tudo indica que
o presidente Trump terá suficiente força política para levar adiante suas principais decisões nos
primeiros anos do mandato.
Quanto à política externa, os candidatos Pete Hegseth para Ministro da Defesa; senador Marco
Rubio para Ministro de Relações Exteriores; Tulsi Gabbard para Diretora de Inteligência
Nacional; John Ratcliffe, para Diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), e Michael
Waltz, para Conselheiro de Segurança Nacional, são os quadros mais importantes.
Todos consideram a China como inimigo principal dos interesses do império estadunidense
(conhecidos como falcões chinófobos) e o Irã como ameaça a ser combatida. Defendem o
sionismo e o genocídio dos palestinos pelo governo de Netanyahu e afirmam que seguirão ao pé
da letra as decisões de política externa do presidente. Alguns são russófobos de primeira hora
(Rubio e Waltz), mas serão enquadrados pelas iniciativas de Trump para negociar algum tipo de
acordo de paz com a Rússia.
Leia mais: Observatório Internacional: Quem ganhou e quem perdeu com a eleição de Trump?
O senador Rubio, da Flórida, apoiou todos os golpes organizados pelo chamado Estado Profundo
dos EUA contra governos progressistas na América do Sul e Central, desde a Bolívia até
Honduras. Hegseth foi apresentador do canal da grande mídia de direita Fox News, é acusado de
assédio sexual no passado e talvez não seja confirmado quando for sabatinado no Senado no ano
que vem. Aliás, Matt Gaetz, deputado federal pelo Partido Republicano, retirou recentemente sua
nomeação ao cargo de Procurador Geral pelo mesmo motivo.
Estas escolhas do Presidente Trump revelam que antes de mais nada os indicados não terão voo
próprio nem têm divergências maiores com as políticas imperialistas dos Estados Unidos nas
últimas décadas. Em resumo, todos são parte ou apoiadores da rede de neoconservadores que
hegemoniza a política externa do EUA há cerca de 40 anos, cuja origem remonta à famigerada
organização “Projeto para o Novo Século” (Project for the New American Century), fundada por
Robert Kagan e William Kristol.
O perfil político de quase todos sugere que o poder do chamado MICIMAT (Military Industrial
Complex, Intelligence, Media, Academy and Think Thanks) não será questionado. Uma possível
exceção é Gabbard, que é tenente coronel da reserva da Guarda Nacional, veterana da guerra do
Iraque, ex-deputada federal do Partido Democrata pelo Havaí, de onde saiu por ser contra as
“guerras eternas” patrocinadas pelos EUA na Ásia Ocidental, contra a ideologia identitarista do
Partido Democrata e a favor da diminuição dos gastos militares.
Quanto às políticas internas, os nomes de Scott Bessent para Ministro da Fazenda, Elon Musk e
Vivek Ramaswami para o Ministério da Eficiência do Governo, Kristi Noemi para Ministra da
Segurança, Kash Patel para Diretor da Polícia Federal (FBI), Howard Lutnick para Ministro do
Comércio, e Robert Kennedy Jr. para o Ministério da Saúde e Serviços Humanos (sigla DHHS
em inglês) são alguns dos principais nomeados. Como o gabinete é composto por dezenas de
pastas e lideranças, decidi escolher algumas para esta primeira análise do governo Trump 2.0.
Adiante continuaremos a trocar em miúdos o resto do time.
Três deles são bilionários (Musk, Rawaswami e Bessent), entre outros que ocuparão cargos no
gabinete e no segundo escalão, sugerindo que outra vez o governo Trump estará fortemente
influenciado pelos interesses da oligarquia financeira estadunidense. Do ponto de vista dos
interesses das frações de classe que representam, trata-se de alianças entre líderes do capital
financeiro, da indústria de seguros, do capital imobiliário (sigla FIRE em inglês), das chamadas
big techs, da indústria bélica, da indústria do petróleo e gás e de setores industriais associados a
esses interesses.
Seria simplificar uma análise mais acurada desses setores, do ponto de vista político, considerar
que todos os líderes de cada setor estão no mesmo barco, isto é, que todos os líderes de setores
oligárquicos mencionados acima apoiarão o governo Trump nos próximos anos. Muito pelo
contrário, há divisões significativas entre eles e provavelmente haverá disputa acirrada pela
hegemonia na condução das políticas internas, conforme ocorreu no governo Trump 1.0.
O governo Trump 2.0 terá que negociar com algumas dessas frações e várias outras, como o setor
automobilístico, para governar com mais estabilidade, o que não ocorreu no seu primeiro
mandato. Por exemplo, o CEO da Apple já marcou uma visita à mansão de Trump na Flórida e
provavelmente doará recursos para os bailes comemorativos da posse de Trump em Washington,
embora não o tenha apoiado durante a campanha. Como Trump se diz o rei da negociação, sem
dúvida muita água ainda vai correr debaixo da ponte até que as alianças se consolidem.
Musk e Rawaswami são bilionários que defendem diminuir muito o tamanho do governo para
reduzir o gasto público e eliminar normas e regulamentos em nome da eficiência da burocracia
governamental; na prática a gestão destes neoliberais neofascistas significará a eliminação de
alguns ministérios (como talvez o da Educação), a redução de milhares de funcionários públicos,
a privatização da Seguridade Social, da gestão de políticas públicas, e terceirização de empresas
ainda públicas como os Serviços Correios dos Estados Unidos.
As políticas que implementarão seguem em letra e verso o malfadado Projeto 2025, elaborado
pela Fundação Heritage, cuja tradição anti-governo e pró oligopólios é antiga. Embora não seja
objetivo desta coluna aprofundar o rol de propostas elaborado por esta organização não
governamental, é fundamental que todos leiam o Projeto no site http://www.project2025.org. O
presidente Trump se recusou até agora a confirmar que seu projeto de governo seguirá o tal
Projeto, mas, para bom entendedor, meia palavra basta. Musk com certeza apertará o cinto do
servidor público nas áreas sociais.
Scott Bessent é bilionário da Carolina do Sul, representante do capital financeiro. Apoiou os
democratas no passado, foi Executivo de Fundo de George Soros, mas se tornou fã de Trump recentemente. Defende continuar a redução de impostos para o 1% da população, aprovada no
governo Trump 1.0, e a imposição de tarifas para produtos importados da China.
Provavelmente haverá oposição a estas tarifas por diversos setores industriais que dependem
muito de produtos importados do México, Canadá, e China. Trump certamente terá que negociar
o ritmo e intensidade das tarifas com empresários desses setores, como o automobilístico, o
siderúrgico e companhias do Vale do Silício que importam chips e minerais raros. Neste terreno é
de esperar chuvas e trovoadas na classe dominante porque grandes lucros estão em jogo e o
impacto na economia será sentido pelos consumidores em todo o país, sem falar do efeito do
provável aumento da inflação no bolso dos eleitores.
Robert F. Kennedy Jr. desistiu de sua campanha a presidente como Independente para apoiar
Trump, quando negociou um futuro cargo no gabinete. Sua pretensão foi confirmada com a
nomeação para a pasta da Saúde e Serviços Humanos, cujo orçamento em 2023 foi acima de 1
trilhão de dólares. Este ministério inclui programas de serviços de saúde para idosos acima de 65
anos (Medicare), pobres, crianças e indivíduos com HIV (Medicaid), a Administração de Drogas
e Alimentos (FDA em inglês), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, e os Institutos
Nacionais de Saúde. Em resumo, uma pasta essencial para a grande maioria do povo.
Kennedy tem gerado muita polêmica por seu apoio ao negacionismo sobre vacinas e a teorias
conspiratórias sobre a COVID-19. Se por um lado faz denúncias bem conhecidas sobre os
sobrepreços cobrados para remédios e abusos cometidos pelos oligopólios farmacêuticos (Big
Pharma), por outro mistura estas denúncias com notícias falsas e acusações sem provas contra
cientistas e profissionais de saúde pública que defendem políticas corretas para prevenir e
controlar epidemias causadas por vírus.
Pelas escolhas que Kennedy fez até agora para o seu segundo escalão, teremos retrocessos nas
pesquisas biomédicas e mais poder para médicos e pesquisadores charlatães que propuseram a
disseminação do Coronavirus sem as medidas adequadas para o combate à epidemia. Assim
como no governo Bolsonaro, o Ministério da Saúde sob Kennedy vai trazer muitos danos ao
“sistema” de saúde dos EUA, que anda mal das pernas há muito tempo. O recente assassinato do
CEO da companhia de seguros United Health Care por um jovem da alta classe média teve
enorme repercussão e revelou mais uma vez que o sistema privatizado e dominado por
oligopólios e lucro acima de tudo é detestado pela maioria do povo estadunidense.
A experiência prévia com Trump deixou claro que não se pode escrever o que Trump promete,
porque muda de opinião com bastante frequência e é imprevisível, embora muitos analistas da
grande mídia afirmem que ele aprendeu a governar, que desta vez vai ser mais cuidadoso e deve
conseguir avançar no seu programa de tornar a América Grande de Novo (MAGA). O quadro
geral que se avizinha no governo Trump 2.0 acendeu a luz vermelha para todos os setores
populares nos Estados Unidos e já se nota que com certeza haverá muita resistência e luta
política contra as medidas anunciadas em detrimento da democracia, da classe trabalhadora e dos
imigrantes, conforme ocorreu no governo Trump 1.0. A decadência do imperialismo dos EUA
suscitará acirramento da luta de classes, cujos desdobramentos exigirão acompanhamento detalhado nos próximos meses e anos para avaliar as vitórias e derrotas dos setores progressistas em seu objetivo de paralisar o neofascismo e reverter a derrota obtida na eleição de 2024.
Eduardo Siqueira, professor na Universidade de Massachusetts, Boston, EUA.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.