Mundo do Trabalho: Precarização e empreendedorismo negro em tempos de crescimento econômico
Maurício Pestana critica a forma como o capitalismo utiliza o individualismo e o empreendedorismo negro para justificar a precarização do trabalho. Foto: Agência Brasil.
Em um ano em que o Brasil bate recorde de crescimento, quando o desemprego está em queda, mas em paralelo cresce também um pensamento conservador traduzido nas recentes eleições municipais, a pergunta que se faz é: por que esse paradoxo?
Para entender um pouco desta complexa contradição temos que voltar umas quatro décadas atrás e lembrarmos de como o Brasil e o mundo têm sido programados para absorver e até mesmo sustentar a crise do capitalismo, que tem levado a uma série de mudanças na forma como as sociedades organizam o trabalho, a mudança de cultura em curso fortalecendo a ideologia conservadora.
Nesse contexto, o individualismo emerge como um exemplo que enfatiza a responsabilidade pessoal e a vitória individual, e, aí, convenhamos que a revolução tecnológica em seu estágio atual, o das redes sociais, tem auxiliado muito este panorama. O empreendedorismo, que aqui no Brasil, maior país negro fora da África, se denominou como “empreendedorismo negro”, e mais recentemente também chamado de “empreendedorismo de favela”, tornou-se um símbolo dessa abordagem.
A ascensão do individualismo, que é uma ideologia enfatizada na liberdade e na autonomia individuais, ganhou força como uma forma de justificar a precarização do trabalho. A ideia é que o sucesso individual é resultado direto do esforço pessoal, ignorando fatores estruturais como desigualdade econômica e acesso a oportunidades.
O empreendedorismo negro, que se refere à criação de negócios informais ou não regulamentados, tornou-se um símbolo de vitórias individuais. Muitas pessoas, especialmente em comunidades marginalizadas, recorrem a esse artifício como forma de sobrevivência diante da falta de oportunidades no mercado formal. No entanto, essa abordagem ignora as condições estruturais que levam à precarização do trabalho.
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A vitória individual por meio do empreendedorismo negro é frequentemente utilizada por alguns indivíduos para justificar a precarização do trabalho num modus operandi em que indivíduos conseguem sucesso, então todos podem. Isso ignora a realidade de que muitas pessoas enfrentam barreiras significativas para acessar oportunidades, como educação, treinamento e recursos financeiros, entre outros.
A precarização do trabalho tem consequências graves para os trabalhadores, incluindo baixos salários, falta de benefícios, insegurança no emprego e exposição a condições de trabalho perigosas. Além disso, a precarização também afeta a economia como um todo, pois reduz a capacidade de consumo e aumenta a desigualdade econômica. Os exemplos de sucesso nessas condições individuais vão de encontro às ideologias políticas conservadoras, cujo grande slogan é “se eu consegui, vocês também podem conseguir”. Isso ficou evidente na plataforma arrasadora do ponto de vista midiático e de resultado na campanha de Pablo Marçal para a Prefeitura de São Paulo.
O individualismo enfraquece as responsabilidades coletivas e a necessidade de políticas públicas que promovam a igualdade e a justiça social, responsabilizando o indivíduo pelo proeminente fracasso, ignorando as causas estruturais da precarização do trabalho e se abstendo de políticas que favoreçam e protejam os direitos dos trabalhadores.
O individualismo utiliza a vitória individual por meio do empreendedorismo negro para justificar a precarização do trabalho neste período de crise aguda do capitalismo. É fundamental reconhecer as limitações e consequências negativas dessa abordagem que inevitavelmente desembocam no processo político.
É sempre bom lembrar que a derrota eleitoral que o campo progressista recebeu na década passada se deu em um ambiente de implantação e vigência de políticas públicas revolucionárias do ponto de vista social, como Bolsa Família, cotas para negros nas universidades, Minha Casa, Minha Vida, Médico para Todos, entre outros. Porém foram conquistas coletivas que muitos de seus beneficiários direta ou indiretamente absorveram como conquistas particulares, individuais.
Os bons ventos da economia dos últimos dois anos precisam ser explicitados como vitórias políticas e coletivas, para não cairmos nos erros do passado – o caminho de uma prosperidade econômica, social e democrática que foi interrompido pelo obscurantismo e pela força de uma ideologia retrógrada, conservadora, que tem usado populações marginalizadas para seu proveito próprio, baseado em avanços econômicos, sociais e políticos individuais.
Maurício Pestana é jornalista, presidente do conselho editorial da revista Raça e comentarista para áreas de Diversidade e Inclusão da CNN Brasil.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.