Boas vindas ao Portal Grabois, conheça nossa marca
Boas vindas ao Portal Grabois, conheça nossa marca
O que você está procurando?

Cinema: Filmes para refletir sobre as contradições dos EUA

5 de janeiro de 2025
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois, Carolina Maria Ruy indica quatro filmes que mostram as contradições entre o discurso e a prática nos EUA em diferentes situações. Foto: reprodução do filme Mississipi em Chamas.

Coordenadora do Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois, Carolina Maria Ruy indica quatro filmes que mostram as contradições entre o discurso e a prática nos EUA em diferentes situações. Foto: reprodução do filme Mississipi em Chamas.

A posse do novo presidente dos EUA, Donald Trump, em janeiro de 2025, coloca em evidência as contradições entre o discurso de democracia, liberdade e direitos humanos e a realidade daquele país.

Trump, com sua falta de ética e moral, mostra a verdadeira face do American Way of Life, um modo de vida que se impôs como exemplo para o mundo ocidental.

Para pensar sobre o assunto, indico quatro filmes que mostram as contradições entre o discurso e a prática nos EUA em diferentes situações.

Um deles é Easy Rider, dirigido por Dennis Hoper e lançado em 1969, logo após a efervescência de 1968. Um clássico que marcou uma geração, Easy Rider mostra a cultura da intolerância e da violência nos EUA profundo. O choque entre a contracultura dos hippies e o provincianismo do homem comum do meio oeste americano, que conclui o filme, é reflexo da estranheza entre a população dos rincões do país e as manifestações contra a guerra que explodiram em grandes cidades no ano anterior. É sintomático que, mesmo após toda aquela pujança pacifista e por direitos civis, Richard Nixon tenha sido eleito.

Outro é O Mauritano, de Kevin Macdonald, 2021. O filme mostra a história real de Mohamedou Ould Slahi, um mauritano que foi detido e preso sem provas pelo governo dos EUA, acusado de conspiração com o terrorismo. O filme mostra a barbárie da prisão de Guantánamo, provocando uma reflexão sobre o “vale tudo” estadunidense instituído após o 11 de setembro. Ações de perseguição, encarceramentos, espionagem, tortura, bombardeios e matança desenfreada se disseminaram na chamada Guerra ao Terror. Contraditoriamente, o governo valia-se da defesa da liberdade, democracia e direitos humanos para justificá-las.

Leia mais: Carolina Maria Ruy: Cinema, política e memória

Mississipi em Chamas, o terceiro desta lista, aborda uma questão muito cara aos EUA que é o racismo. Lançado em 1988 e dirigido por Alan Parker, o filme fala sobre a investigação do brutal assassinato de três ativistas pelos direitos humanos durante o apartheid, em 1964. É um bom registro sobre a Ku Klux Klan (movimento supremacista com métodos violentos e criminosos, natural dos EUA) e sobre a segregação racial que fez da vida dos negros americanos um verdadeiro inferno na terra. Importante lembrar que a Lei Jim Crow, que vigorou principalmente no sul do país e manteve viva a herança da escravidão, serviu de inspiração para a política segregacionista de Adolf Hitler na Alemanha nazista da década de 1930. É um fato que marca grandes contradições entre o discurso de defesa dos direitos humanos, da democracia e da liberdade e a história dos EUA.

Por fim, amarrando este conjunto de contradições, recomendo o filme Hurricane – O furacão, de 1999, dirigido por Norman Jewison. Em 1967, o famoso pugilista negro, Rubin Hurricane, foi condenado, injustamente, à prisão perpétua. Acusado e preso pelas autoridades por um crime que nunca cometeu, ele também deixou de receber o título que tinha conquistado: o cinturão de campeão peso-médio do boxe. Seu caso mobilizou a sociedade em campanhas que pediam a revisão do processo e sua libertação. Até mesmo o músico Bob Dylan criou, em 1975, a música Hurricane em sua homenagem. O pugilista passou 19 anos preso sendo libertado apenas em 1985 com a retirada do processo e a anulação da pena. Além do racismo, o filme traz ao debate a questão das injustiças no sistema penitenciário dos EUA. A própria permanência da pena de morte é incoerente com o discurso liberal ocidental, já que ela se estabelece em um regime de desigualdade e discriminação e não permite a reabilitação do indivíduo. O fato de a maioria dos condenados à prisão perpétua e à pena de morte serem negros, muitos deles, como Hurricane, inocentes, torna ainda mais grave esta prática arcaica que alguns estados dos EUA mantem, com grande apoio do presidente eleito, Donald Trump.

Existem muitos outros filmes, séries e livros que falam sobre diversos aspectos das contradições de uma realidade de opressão e da imposição de dogmas em um país que se apresenta como a terra da liberdade, da oportunidade e da democracia.

A ideia aqui é chamar a atenção para o fato de que Donald Trump não é um ponto fora da curva na história de uma nação que, de forma pretenciosa, se apresenta como bastião dos “valores ocidentais”. Trump é cara dos EUA real. Fundamentalismo e fanatismo religioso, racismo, xenofobia, organizações criminosas e provincianismos de todo tipo resistem fortemente à passagem dos anos nas profundezas daquele país.

Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.