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Era Digital: Zuckerberg explicita alinhamento a Trump e assume ofensiva contra regulação

7 de janeiro de 2025

Modelo político da democracia é um entrave aos propósitos de acúmulo de capital. Artigo de Renata Mielli, pesquisadora do Grupo de Pesquisa da FMG sobre a Era Digital. Foto: Casa Branca

Não demorou mais do que 24 horas da cerimônia de confirmação da eleição de Donald Trump pelo Congresso dos Estados Unidos para que Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciasse mudanças nas políticas de suas plataformas, como o Facebook e o Instagram.

Em pronunciamento veiculado por vídeo na manhã desta terça-feira (7), Zuckerberg disse que a Meta vai “restaurar a liberdade de expressão” e acabar com a escalada de censura que, segundo ele, é imposta por governos na Europa, Ásia, América e até mesmo pela Casa Branca

Ele admite abertamente que o apoio do governo Trump será decisivo para que sua companhia retome as rédeas e corrija a rota de suas políticas para que a missão messiânica de suas criações seja cumprida – dar voz às pessoas. “Vamos trabalhar com o presidente Trump para pressionar os governos ao redor do mundo que estão impondo mais censura às plataformas”, disse Zuckerberg.

O argumento da liberdade de expressão é mais uma vez usado como cortina de fumaça para defender o modelo de negócios das plataformas e uma visão ultraliberal que protege discursos de ódio, misoginia, racismo, negacionismo climático, sanitário e científico – e que tem promovido a ascensão da extrema direita no mundo.

O CEO da Meta acusa a Comunidade Europeia de promover censura. Ataca os países da América Latina (implicitamente o Brasil) por recorrerem a “cortes secretas” para impor medidas de remoção de conteúdos às plataformas, numa menção indireta ao STF (Supremo Tribunal Federal) e às ações contra o X e Elon Musk. E ataca a China, que proíbe o uso de seus apps.

Zuckerberg sai do armário e assume sua posição política de forma explícita no novo contexto internacional. Sobe o tom, atacando a soberania dos países, e se sente “protegido” pela nova política do governo estadunidense, que empodera Musk e outros expoentes da extrema-direita mais agressiva em seu governo.

Em tese, é tudo em nome da liberdade de expressão. Será mesmo?

Conforme o anúncio de Zuckerberg, cinco medidas serão implantadas – inicialmente nos Estados Unidos e, na sequência, em outros países. Cada medida, porém, põe em xeque a proposta de regulação das “big techs” e ameaça a própria democracia. Confira:

1

O que Zuckerberg anunciou: fim da política de checagem de fatos e instauração de notificações da comunidade, semelhante ao que faz o X.

Por que é um risco? Não há motivo para substituir a atuação do trabalho de jornalistas em empresas reconhecidas de checagem de fatos por notificações de usuários. Para Zuckerberg, as checagens possuem viés político e impõem restrição à pluralidade de visões no âmbito das plataformas. Ele ataca a mídia tradicional para mostrar que a Meta entra em nova etapa de contra-ataque aos questionamentos que vêm sendo feitos sobre a circulação de desinformação, fake news e discurso de ódio.

Esse argumento é grave porque reforça uma visão de questionamento da atividade jornalística, de ataque aos veículos de comunicação, e contribui para o empobrecimento da circulação de informações minimamente lastreadas em apuração, checagem e tratamento profissional – que inclusive são justificadas e tornadas públicas para poderem ser questionadas, caso haja erro. No lugar disso, Zuckerberg vai empoderar as “vozes da comunidade”, que podem notificar a plataforma sobre quaisquer conteúdos, movidos por sabe-se lá quais interesses políticos e econômicos – e tudo isso sem que haja transparência e supervisão da sociedade.

2

O que Zuckerberg anunciou: simplificação da política de conteúdos e fim das restrições para mensagens sobre imigração e gênero.

Por que é um risco? Zuckerberg afirma que começou sua plataforma para ser mais inclusiva e, portanto, vai acabar com as restrições que vinham sendo impostas aos discursos que vão de encontro às posições majoritárias, calando vozes e ideias dissonantes.  Por mais aparentemente correto que seja essa explicação, é preciso compreender que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, nem tampouco se coloca acima de outros direitos. Por que moderar conteúdos que fazem apologia ao genocídio promovido por Israel em Gaza ou a pessoas comemorando a morte de mulheres e crianças? Desde quando isso deve ser protegido em nome da liberdade de expressão? E o que dizer de conteúdos que propagam supremacia racial, racismo e homofobia ou atentam contra a saúde pública, como no caso dos tratamentos “alternativos” contra a Covid?

A ideia de simplificação das políticas de conteúdo é mais uma cortina de fumaça – desta vez, para frear o mínimo de obrigações que foram conquistadas por legislações nacionais para impedir a circulação desse tipo de conteúdo. Ou seja, é um ataque às iniciativas soberanas de regulação das plataformas, que endossam práticas como as que ocorreram no Brasil, durante as tentativas de votação do PL 2630/2020, que visava à regulação das “big techs”.

Ao usar o senso comum em torno da proposta messiânica de empoderar todas as vozes, em nome da liberdade de expressão, a qualquer custo, como garantia de uma liberdade individual, a Meta, na realidade, promove um ataque violento à dimensão coletiva do direito à liberdade de receber informações confiáveis. A ideia de uma ágora digital totalmente livre resulta, na prática, numa cacofonia, numa babel de pessoas falando ao mesmo tempo. Nesse ambiente, os agentes mediadores são algoritmos de aprendizagem de máquina cada vez mais sofisticados, que distribuem e dão mais alcance aos conteúdos de caráter moral-emocional, de disparo rápido no nosso sistema cognitivo, empobrecendo a discussão baseada em fatos. O resultado é o esfacelamento do debate público, ambiente propício para a formação de crenças baseadas em argumentos de autoridade, por busca de aceitação em grupos e viés de confirmação, campo no qual a extrema-direita goza de grande vantagem.

3

O que Zuckerberg anunciou: nova abordagem para a política de enforcement a fim de reduzir os erros cometidos pelos sistemas complexos de moderação, que foram desenvolvidos para atender às demandas de restrição de circulação de conteúdos.

Por que é um risco? Sob o pretexto de acabar com a censura, Zuckerberg reconhece que os filtros (sistemas automatizados) usados para escanear as violações de suas políticas por parte de usuários removem também conteúdos legítimos. De fato, isso é algo que vem sendo apontado por pesquisadores e ativistas há bastante tempo. O problema de fundo, porém, não é a existência dos filtros e da moderação – mas, sim, a completa ausência de obrigações de transparência sobre a atividade realizada pelas plataformas.

Quais são as intervenções ativas que as plataformas fazem sobre conteúdos, perfis, contas e páginas de terceiros? Em que contextos essas intervenções são feitas? Com quais parâmetros os algoritmos são desenhados? É possível contestar essas intervenções? E revisá-las? Não existe um relatório detalhado que permita à sociedade e ao Estado terem acesso ao que foi removido, rotulado. E, mais grave, as plataformas não têm um ambiente – algo como um repositório ou biblioteca – para onde são direcionados os conteúdos removidos. Isso impede pesquisadores e reguladores de verificar, auditar e estudar o que está sendo alvo de moderação, além de apagar uma parte da história do debate público da sociedade.

4

O que Zuckerberg anunciou: retomada de conteúdos cívicos para a plataforma.

Por que é um risco? Há alguns anos, a Meta proibiu o impulsionamento de conteúdos políticos, reduzindo seu alcance e sua distribuição. De acordo com Zuckerberg, a comunidade quer voltar a ver esses conteúdos, como no processo eleitoral norte-americano. “Estamos entrando em uma nova era agora”, diz.

Que nova era é essa? A de Trump e de um governo alinhado com valores políticos ultraliberais, valores culturais reacionários e uma ideologia autoritária de extrema-direita. As plataformas não são empresas política e ideologicamente neutras. A mensagem de Zuckerberg menos de 24 horas após a confirmação da eleição de Trump e a exatos 13 dias de sua posse deixam isso explícito. O CEO da Meta se posiciona politicamente diante do mundo, alinhando-se aos discursos e valores da extrema-direita que cresce em muitos países, impulsionada exatamente pelos novos fluxos informacionais impostos pelas “big techs”.

5

O que Zuckerberg anunciou: mudança da sede de trabalho dos times de conteúdo e moderação, que passarão da Califórnia para o Texas.

Por que é um risco? Zuckerberg diz que, como a Meta está mudando suas políticas para ampliar a liberdade de expressão, o ideal é que sua equipe trabalhe em locais menos preocupados com os vieses do seu time. Bom, não é mera coincidência que a equipe deixe um estado governado por um democrata, a Califórnia, e migre para o Texas, governado por um republicano. É mais uma evidência do engajamento político de Zuckerberg – e o início de uma contraofensiva das “big techs” para combater as medidas de regulação e as tentativas de a sociedade ter maior agência sobre o debate público. Um debate que está sendo completamente fragmentado pela arquitetura, design e moderação do fluxo informacional por modelos de Inteligência Artificial.

Entre as muitas consequências desse cenário, destaca-se a completa erosão da esfera pública como espaço social onde ocorrem as trocas simbólicas na sociedade, visando à construção de sínteses para o funcionamento de Estados Democráticos de Direito. No fundo, vivemos numa etapa do capitalismo no qual o que está em xeque é exatamente a democracia, bem como as instituições e procedimentos que lhe dão suporte. Nessa etapa, o modelo político da democracia é um entrave aos propósitos de acúmulo de capital. Trump, Musk, Zuckerberg e cia. são os três cavaleiros desse apocalipse informacional.

Renata Mielli é Coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil, assessora especial da ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM-ECA-USP). É pesquisadora do Grupo de Pesquisa da FMG sobre a Era Digital.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.