Complexo Econômico Industrial da Saúde deve democratizar o acesso a medicamentos
O governo brasileiro lançou em 2023 a nova política industrial – Programa Nova Indústria Brasil-NIB – baseada em seis missões em resposta a desafios da sociedade brasileira e com base no desenvolvimento sustentável. O enunciado revela que não se pretende somente implementar uma política de retomada do desenvolvimento industrial. De fato, sem explicitar para que e para quem está se buscando esse desenvolvimento, a política industrial seria mero vetor de um tipo de crescimento. Mas ao vincular o Programa NIB ao desenvolvimento baseado em missões, em entregas a sociedade, com foco no desenvolvimento tecnológico e inovação para o desenvolvimento do país, nos traz um alento. Na história das políticas industriais brasileiras, e decorrentes delas, não se pode deixar de citar entregas relevantes à sociedade, inegavelmente envolvendo a ciência, tecnologia e inovação. Para além do Petróleo e Gás com a Petrobras e da utilização do etanol nos veículos comercializados no Brasil como resultado do Pró-ácool, no setor Saúde está o fortalecimento da cadeia produtiva de medicamentos com a Lei dos Medicamentos Genéricos e mais recente a expansão da indústria de biotecnologia com o desenvolvimento de vacinas, e outras.
Sem dúvida, que o acesso a saúde transversaliza várias das seis missões do NIB que são : 1- Cadeias Agroindustriais Sustentáveis para segurança alimentar, nutricional e energética 2- Complexo Econômico Industrial da Saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde 3-Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e bem estar nas cidades 4-Transformação Digital da Indústria para ampliar a produtividade 5- Bioeconomia, Descarbonização, Transição e Segurança Energéticas para garantir os recursos para gerações futuras 6- Tecnologias para a Segurança e Defesa Nacionais para garantir a soberania e defesa nacionais
Ao lado de outros colegas da Financiadora de Estudos e Projetos – Finep-, empresa federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), participei do Grupo de Trabalho da Saúde da nova politica industrial, instituído pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial – CNDI e coordenado pelo Ministério da Saúde (MS) na construção da Missão 2 da nova política industrial que se refere ao Complexo Econômico Industrial da Saúde. A meta da Missão 2 estipula que 70% das necessidades do SUS em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos para a saúde passem a ser produzidos no país até 2033 com o fortalecimento do desenvolvimento brasileiro soberano e a ampliação do acesso à saúde, alcançando até 50% dessa produção em 2026.
Na linha de implementação da Missão 2, está a estratégia nacional de fomento, fortalecimento, desenvolvimento e inovação do CEIS e os 13 desafios de saúde apresentados pela Matriz de Desafios Produtivos e Tecnológicos em Saúde, estabelecida em 2024 pelo MS que reforçam a existência de um cenário favorável ao desenvolvimento e produção de tecnologias e insumos, como no caso de vacinas e soros, insumos farmacêuticos ativos (IFA), oncológicos, terapias avançadas para o SUS, imunossupressores, anticorpos monoclonais, radiofármacos, medicamentos para doenças e populações negligenciadas, entre outros. Essas iniciativas do MS propiciam ações coordenadas de outros ministérios e instituições voltadas para investimentos no CEIS, a exemplo da Finep/MCTI que investiu em projetos de inovação para o CEIS, por meio do Programa Mais Inovação Brasil, entre 2023 e 2024, em torno de R$ 3,7 bi, apoiando iniciativas públicas e privadas. Uma grande conquista!
Por outro lado, com as bases institucionais construídas a partir de 2023, foram criadas as condições para o aperfeiçoamento do Programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) do MS que envolve incorporação de tecnologia para o pais e do Programa de Inovação e Desenvolvimento Local (PDIL), com forte pegada na base territorial, além da criação de outros programas que estruturam a estratégia do CEIS e mobilizam parcerias e investimentos na produção e desenvolvimento de tecnologias em saúde para atender as demandas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Destaco como exemplo de esforço para ampliação do acesso à saúde, a perspectiva de produção de medicamentos e de financiamento da inovação para doenças negligenciadas com o Programa de Produção e Desenvolvimento Tecnológico para Populações e Doenças Negligenciadas (PPDN) do MS.
As doenças negligenciadas além de prevaleceram em condições de pobreza representam relevante desafio no contexto do desenvolvimento de um país. A dengue, esquistossomose, tuberculose, malária, Doença de Chagas, leishmaniose, hanseníase são doenças tropicais negligenciadas (DTN) causadas por agentes infecciosos, endêmicas em populações de baixa renda e continuam sendo responsáveis por relevantes índices de morbidade e mortalidade na América Latina, incluindo o Brasil, além de se estenderem para outros continentes e países em desenvolvimento, constituindo um problema global de saúde pública. As regiões Norte e Nordeste do Brasil apresentam os menores IDHs e registram o maior número de casos de DTN, revelando a relação intrínseca entre pobreza e DTN. Mas essas doenças possuem investimentos reduzidos na maioria dos países para controle, pesquisas e produção de medicamentos, resultando em baixa abordagem terapêutica dessas doenças e a não consideração de possíveis avanços terapêuticos com novos fármacos, testes diagnósticos e vacinas. A estratégia do CEIS aponta para a possibilidade de que o estado brasileiro assuma protagonismo no enfrentamento das doenças negligenciadas, visando também atender as metas e marcos globais que integram o documento da OMS “Acabar com a Negligência para alcançar os ODS: um roteiro para DTN 2021-2030”.
Algumas questões vão se consolidando na medida em que se fortalece o CEIS. A primeira delas é a Saúde como vetor de desenvolvimento como tem reafirmado o secretário do MS responsável pelo CEIS, Carlos Gadelha. Na mesma perspectiva, está a importância da C&TI para a ampliação do acesso à saúde. Isso denota, entre outras questões, uma ação coordenada do MS com o MCTI no contexto da nova política industrial brasileira.
O fortalecimento do CEIS tem a ver com a visão de que o investimento em avanço tecnológico deve resultar na melhoria da qualidade de vida das pessoas com consequente ampliação do acesso às novas tecnologias. O SUS não é um plano de saúde para os pobres, despojado dos seus princípios de universalidade e integralidade, voltado apenas para o acesso às necessidades básicas em saúde. Estas devem ser asseguradas. Mas democratizar o acesso à saúde significa proporcionar que cada pessoa tenha acesso ao necessário, ao mais eficaz naquele momento para melhor abordagem da sua necessidade, do enfrentamento da sua enfermidade e para garantir a sua qualidade de vida. E isso inclui os avanços tecnológicos na abordagem de determinada doença que não podem ficar restritos às pessoas que podem pagar por eles. Inclui também uma Política Nacional de Assistência Farmacêutica- PNAF, ela completou 20 anos, que incorpore continuamente as novas tecnologias em saúde. Ampliar o acesso à saúde envolve o fortalecimento do CEIS e do SUS público gratuito e de qualidade para efetivar o direito à saúde. Tudo indica que 2025 será um ano alvissareiro para o Complexo Econômico Industrial da Saúde.
Julieta Palmeira, médica, assessora de inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep/MCTI) para o Complexo Econômico Industrial da Saúde, ex-presidenta da indústria pública Bahiafarma
Fontes e Referências: