A Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou na última sexta-feira (10/01) que 2024 foi o ano mais quente já registrado na história. De acordo com a entidade, a temperatura média global da superfície foi 1,55 °C acima da média de 1850-1900. Mas o que isso significa? (1)
Logo após a Revolução Industrial, a ciência começou a mensurar a temperatura média do planeta. De forma unânime, a ciência comprovou que essa temperatura média do planeta mantinha uma certa estabilidade nas primeiras décadas, mas que após o fim da Segunda Guerra Mundial teve início um crescimento sem igual.
Em 1988, por iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a ONU criou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, IPCC na sigla em inglês. O objetivo do IPCC é sistematizar o conhecimento científico mais avançado sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global, riscos reais que a sustentabilidade precisa combater, e assim informar qualitativamente as decisões políticas. Esse é um ponto importante: o IPCC não produz um conhecimento próprio, mas sim reúne o que há de consenso internacional na ciência do clima, a partir de artigos revisados por pares. Para termos ideia de sua relevância, em 2007, o IPCC recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo trabalho desenvolvido. Infelizmente, não obstante seu reconhecimento e sua legitimidade, ainda há quem prefira ignorar o alerta de seus relatórios sobre os perigos do aquecimento global.
Em 2001, o Terceiro Relatório do IPCC levantou fortes evidências da participação humana no aquecimento global. A temperatura média da superfície da Terra, dizia o IPCC, aumentou cerca de 0,6º C entre 1861 e 2000. O Quarto Relatório do IPCC, em 2007, trouxe ainda mais evidências sobre o aquecimento global. Dessa vez, o documento apontou que entre 1850 e 2005 o aumento da temperatura foi de 0,76º.C. Com isso, as pressões pró-sustentabilidade cresceram na esfera pública. Em 2014, o Quinto Relatório do IPCC confirmou, com ainda maior certeza, que o homem é o responsável pelo aquecimento global, que o planeta aqueceu em média 0,85º C entre 1880 e 2012 e que o nível do mar subiu 19 cm entre 1901 e 2010. O Quinto Relatório apontou ainda que o maior vilão do aquecimento global é a emissão de gás carbônico.
Esse cenário assustador apontado pelo IPCC em 2014 aumentou a importância das ações que deveriam ser tomadas no ano seguinte. Em primeiro lugar, a COP 21, em 2015, aprovou o Acordo de Paris como instrumento para substituir o Protocolo de Quioto em 2020. Seu objetivo principal é reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global em 2ºC, preferencialmente em 1,5 ºC. Em segundo lugar, as Nações Unidas aprovaram a Agenda 2030 com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, ODS. A Agenda 2030 é formada por 17 objetivos e 169 metas que precisam ser alcançadas até 2030. Os 17 objetivos são: (1) erradicação da pobreza; (2) fome zero e agricultura sustentável; (3) saúde e bem-estar; (4) educação de qualidade; (5) igualdade de gênero; (6) água potável e saneamento; (7) energia acessível e limpa; (8) trabalho decente e crescimento econômico; (9) indústria, inovação e infraestrutura; (10) redução das desigualdades; (11) cidades e comunidades sustentáveis; (12) consumo e produção responsáveis; (13) ação contra a mudança global do clima; (14) vida na água; (15) vida terrestre; (16) paz, justiça e instituições eficazes; e (17) parcerias e meios de implementação (2).
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Entrementes, sinais dessa mudança aconteciam até mesmo no interior da Igreja Católica. Não foi por acaso que, em 2013, a Igreja tenha tido o seu primeiro Papa de nome Francisco na história. São Francisco, como sabemos, é para os católicos o santo protetor dos animais e da natureza. Mas não foi apenas uma mudança de nome. Em 2015, mesmo ano do lançamento dos ODS, o Papa Francisco lançou a encíclica Laudato Si, documento em que expressa a preocupação da Igreja com o consumismo irrefreável, com a degradação da biodiversidade e com o aquecimento global. É preciso cuidar de nossa casa comum, o planeta, diz a encíclica do Papa Francisco. Na ocasião em que foi divulgada a Laudato Si, a jornalista Naomi Klein – “feminista judia secular”, como ela mesma se define – foi convidada para participar de uma coletiva de imprensa no Vaticano. Crítica da Igreja e uma das maiores ativistas do combate às mudanças climáticas, Klein saiu de que lá com a ideia de que algo novo estava ocorrendo. Klein avaliou:
“Se uma das instituições mais antigas e mais tradicionais do mundo pode mudar seus ensinamentos e práticas de maneira rápida e radical, como Francisco está tentando, então certamente todos os tipos de instituições mais novas e mais flexíveis também podem mudar” (Klein, 2021, p. 153) (3).
Com os ODS e o Acordo de Paris, a sociedade global parece ter emitido um sinal positivo em favor da sustentabilidade. Claro, há percalços. Em 2020, o governo de Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Péssima decisão se considerarmos que os EUA representam a maior emissão de gases do efeito estufa no planeta. Mas esse posicionamento negacionista não durou mais de um ano, pois com a posse de Joe Biden, em 2021, o país retornou ao Acordo. Agora, com a nova eleição de Trump, muito provavelmente o país sairá do Acordo de Paris novamente.
Em paralelo, o IPCC divulgou seu Sexto Relatório nesse mesmo ano de 2021. E a notícia não foi nada boa: o aquecimento global atingiu 1,1º.C entre 1850 e 2020 e algumas de suas consequências na natureza já se tornaram irreversíveis como a extinção de espécies e o derretimento de geleiras no Ártico. O Sexto Relatório apontou ainda para a tendência de o aquecimento alcançar a indesejável marca de 1,5º.C em 2030.
A notícia divulgada pela OMM na semana passada de que a temperatura subiu 1,55 °C mostra que o Sexto Relatório do IPCC foi otimista demais e que a temperatura ultrapassou 1,5º.C seis anos antes do previsto. Ademais, a notícia mostra que o Acordo de Paris falhou.
Entre as verdadeiras responsáveis por esse aquecimento desenfreado estão a lógica de produção de nossa sociedade e a forma como organizamos nossas relações sociais e estabelecemos a ocupação urbana. Em outras palavras, a culpa é do capital. Mas é também do Estado que não regulamenta esse capital e que não desenvolve políticas públicas para adaptação, mitigação e regeneração. Construir uma nova economia regenerativa é o grande desafio de nosso tempo. A sobrevivência de nossa espécie depende disso.
Notas:
(1) Uma parte desse texto foi retirada de meu livro: “Capitalismo e sustentabilidade: empresa regenerativa e a sustentabilidade corporativa no século XXI” (Ed. Vozes, 2024).
(2) Já há, inclusive, quem defenda a criação de um 18º. ODS. Em seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2023, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, propôs a criação do ODS 18 – Igualdade racial. Há também quem defenda um ODS 19 – Arte, Cultura e Comunicação e um ODS 20 – Direitos dos Povos Originários e das Comunidades Tradicionais.
(3) Klein, N. Em chamas: uma (ardente) busca por um novo acordo ecológico. Rio de Janeiro: Alta books, 2021.
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Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM. É membro do Grupo de Pesquisa sobre Transformação Ecológica e Diversificação Energética da Fundação Maurício Grabois. Autor do livro “Capitalismo e sustentabilidade: empresa regenerativa e a sustentabilidade corporativa no século XXI” (Ed. Vozes, 2024).
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.