Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Economia

    Crises do capitalismo financeirizado: uma análise Marxista

    Como a hegemonia do capital fictício aprofunda desigualdades, gera crises cíclicas e desafia o equilíbrio entre a economia real e financeira no Brasil e no mundo é o foco da análise do primeiro de dois artigos sobre Marx, capitalismo financeiro e suas crises na fase monopolista, existe outra saída?

    POR: Miguel Manso

    Bolsa de Valores de São Paulo.
    Bolsa de Valores de São Paulo. Rafael Matsunaga/Flickr/CC BY 2.0

    Marx, capitalismo financeiro e suas crises na fase monopolista, existe outra saída? Parte I – A Deformação da Riqueza Fictícia em Relação ao Valor de Produção Física de Bens no Brasil e no Mundo

    “O capital financeiro, ao se autonomizar, transforma a riqueza social em algo fictício, criando ciclos de especulação e destruição.”
    (Marx – O Capital, Livro III)

    A hipertrofia do setor financeiro, no Brasil e no mundo, é um fenômeno que gera permanente tensão e agudas contradições, tanto no âmbito econômico e político quanto no social. 

    Este processo se manifesta pela expansão desproporcional de atividades financeiras em relação à economia real, marcada por altas taxas de juros, crédito comprimido, lucros elevados das instituições financeiras e a hipervalorização especulativa de ativos financeiros. 

    Esse desequilíbrio conduz à formação de riqueza fictícia, conceito amplamente debatido na tradição marxista e em teorias heterodoxas. Este artigo elenca os conceitos de Marx para a análise da financeirização do capital e suas implicações na hegemonia da riqueza fictícia sobre o valor de produção física de bens, com foco permanente de crises na realidade brasileira e em busca de alternativas.

    O combate à financeirização, ao poder dos monopólios financeiros e sua hegemonia, no Brasil e no mundo, está no centro das contradições que a humanidade enfrenta no século XXI para sua sobrevivência e prosperidade.

    Conceito de Riqueza Fictícia

    A financeirização da economia é um processo no qual o sistema financeiro ganha predominância sobre a economia real, influenciando decisões de investimento, produção, preços, relações de troca e consumo. Esse fenômeno está associado ao crescimento desproporcional do capital fictício, um conceito desenvolvido por Karl Marx em sua obra O Capital.

    Marx define o capital fictício como formas de capital que, embora representem direitos sobre riqueza futura, não possuem valor intrínseco e não estão diretamente ligados à produção de bens e serviços. Esse conceito está relacionado a títulos, ações, títulos da dívida pública e outros instrumentos financeiros que circulam no mercado, mas que não correspondem diretamente a ativos reais ou à produção material.

    A riqueza fictícia se refere à valorização de ativos financeiros desconectados da produção de bens e serviços reais. 

    Segundo Marx, trata-se de um capital que não cria valor em si mesmo, mas depende da extração e expropriação de mais-valia na economia real e dos capitais acumulados. 

    Agravando as crises, como se trata de um capital fictício, já que não se apoia na produção de bens e no trabalho humano de transformação da natureza em valor de uso e de troca, e que cresce de forma exponencial na especulação, no momento da realização da extração de mais valia da economia real é que os papéis viram pó, agudizando as crises e seu poder destrutivo da economia real.

    O “capital fictício” pode crescer exponencialmente porque não está limitado pela produção de bens ou serviços reais. Ele se baseia em projeções, alavancagem e reprodução contínua de valores artificiais, o que leva à acumulação massiva de riqueza nominal no sistema financeiro.

    Seu valor nominal fictício, na corrida para se transformar em valor real de troca, para trocar capital fictício por lucro e mais valia real, insuficiente para tamanha geração de capital fictício, gera violentas crises de liquidez e de meios de pagamento, por insuficiência de capital ou de meios de produção que tenham lastro na produção de bens. 

    No momento em que os detentores de capital fictício tentam convertê-lo em riqueza real (bens, serviços ou dinheiro com lastro produtivo), ocorre a realização da mais-valia. Nesse ponto, a desconexão entre o volume de capital fictício e a capacidade da economia real de gerar mais-valia se torna evidente.

    Essa corrida para realizar lucros revela a insuficiência de valor real para sustentar o volume gigantesco de capital fictício acumulado. Muitos ativos “desaparecem” em valor, transformando-se literalmente em “papéis sem lastro”.

    Super produção de “mercadoria” fictícia (papéis sem lastro) agravam as crises da anarquia da produção capitalista.

    Crises de liquidez e meios de pagamento:

    • Quando o sistema financeiro não consegue realizar o capital fictício em termos de valor real, surgem crises de liquidez. Bancos, empresas e investidores enfrentam dificuldades em honrar suas dívidas, pagar obrigações ou manter operações básicas.
    • Essas crises também envolvem a escassez de capital produtivo (máquinas, infraestrutura) e meios de pagamento reais (dinheiro com lastro), intensificando o colapso.

    Superprodução de mercadorias fictícias e a anarquia capitalista:

    • A “superprodução” de capital fictício — derivada de operações financeiras sem lastro produtivo — agrava as crises características do sistema capitalista. No entanto, essa superprodução não é de bens reais, mas de ativos financeiros que prometem retornos impossíveis de serem realizados na economia real.
    • Isso reflete a anarquia da produção capitalista, em que a busca irracional pelo lucro, sem coordenação ou planejamento central, gera contradições internas que desestabilizam o sistema.

    Exemplos de capital fictício incluem títulos de dívida, ações e outros instrumentos financeiros cuja valorização ocorre sem lastro direto na produção material.

    Hipertrofia Financeira no Brasil

    1. Taxas de Juros Elevadas: O Brasil lidera o ranking global de juros reais. Essa política monetária contribui para a elevação da renda financeira e a compressão do investimento produtivo.
    2. Crédito Comprimido: A dificuldade de acesso ao crédito limita a expansão da economia real. Pequenas e médias empresas, que são fundamentais para o setor produtivo, enfrentam barreiras significativas para financiamentos.
    3. Lucros Elevados dos Bancos: As instituições financeiras brasileiras apresentam margens de lucro que figuram entre as mais altas do mundo, em grande parte devido aos juros abusivos, à concentração bancária e ao elevado spread.
    4. Hipervalorização de Ativos Financeiros: A valorização dos mercados de capitais, muitas vezes dissociada do desempenho das empresas, reflete a tendência à acumulação especulativa.

    Impactos na Produção Física de Bens

    1. Desindustrialização: A prevalência de retornos financeiros atrativos desencoraja o investimento na produção de bens físicos, agravando o processo de desindustrialização.
    2. Estagnação do Emprego Produtivo: A transferência de recursos para o setor financeiro reduz a geração de empregos produtivos e intensifica a precarização do trabalho.
    3. Concentração de Renda: O setor financeiro amplifica as desigualdades, beneficiando uma minoria que detém ativos especulativos em detrimento da maioria que depende do mercado de bens e serviços reais.

    Riqueza Fictícia e Fragilidade Estrutural

    A desconexão entre o capital financeiro e a economia real torna a economia vulnerável a choques especulativos e crises sistêmicas. 

    No Brasil, essa vulnerabilidade se expressa pela dependência da dinâmica especulativa de capitais externos e pela volatilidade cambial.

    A hipertrofia do setor financeiro no Brasil é uma expressão clara da dominação da riqueza fictícia sobre a produção de bens e serviços. Este desequilíbrio estrutural representa um obstáculo ao desenvolvimento econômico sustentável, à distribuição de renda e à geração de empregos. Um reequilíbrio requer a adoção de políticas públicas que priorizem o fortalecimento da economia real e a redução da dependência especulativa.

    O conceito de capital fictício está presente nos escritos de Karl Marx, especialmente em sua obra O Capital, Livro III, onde ele analisa as dinâmicas do capital sob o prisma do sistema de crédito e da especulação financeira. 

    Alguns trechos e ideias relevantes de Marx que fundamentam os conceitos e permitem compreender esta realidade:

    1. Definição de Capital Fictício

    Marx define o capital fictício como formas de riqueza financeira que não representam diretamente o capital produtivo. 

    “O capital fictício parece gerar valor por si mesmo, como se fosse uma fonte autônoma de riqueza. No entanto, essa aparência é ilusória, pois o valor real só pode ser criado pelo trabalho humano no processo de produção. O capital fictício é, portanto, uma forma fetichizada do capital, que mascara a exploração do trabalho.” (Karl Marx, O Capital, Livro III, Capítulo 30)

    Elas consistem em títulos e instrumentos financeiros que prometem uma parcela futura de mais-valia, mas que, no momento de sua negociação e realização, não possuem lastro material.

    “A acumulação de títulos de dívida pública forma capital fictício. Com esses títulos, surge a crença de que se possui capital real, mas na realidade, não há novo valor ou capital em si. Trata-se apenas de uma expectativa de apropriação de valor futuro.”
    (O Capital, Livro III, Capítulo 29)

    2. Capital de Juro e a Separação do Capital Produtivo

    Capital fictício e os títulos de dívida pública

    No Livro III de O Capital, Marx discute como os títulos da dívida pública são uma forma de capital fictício. Ele explica que, embora esses títulos representem uma promessa de pagamento futuro, eles não estão vinculados a nenhum processo produtivo real.

    Os juros, que antes eram simplesmente uma parcela do lucro transferida ao credor, tornaram-se um “produto” negociável no mercado financeiro. Por exemplo, títulos da dívida pública e privada são vendidos como ativos que garantem ao comprador o direito de receber juros no futuro. Esses títulos são tratados como mercadorias, com preços determinados pela oferta e demanda no mercado.

    “O capital portador de juros é, ele próprio, uma mercadoria, cujo preço é determinado pela taxa de juros. Ele circula no mercado como um título de propriedade sobre uma renda futura.” (Karl Marx, O Capital, Livro III, Capítulo 21)

    “O título de dívida pública não é nada mais do que um título de crédito do Estado, uma promessa de pagamento futura. (…) O dinheiro emprestado ao Estado já foi gasto, consumido, e os títulos representam apenas um direito sobre uma parte da receita futura do Estado. Eles são, portanto, capital fictício.” (Karl Marx, O Capital, Livro III, Capítulo 29)

    Marx critica a autonomização do capital de juro (financeiro), que se desliga do processo produtivo, criando uma aparência de que a riqueza financeira cresce independentemente do trabalho ou da produção.

    “O capital de juro parece ser uma fonte autônoma de valor, como se pudesse gerar lucro por si só, sem nenhuma conexão com a produção real. Essa ilusão mascara a verdadeira origem do lucro, que é o trabalho explorado na produção.” (O Capital, Livro III, Capítulo 24)

    3. Ações, Títulos, Derivativos e Mercados de Crédito

    Marx discute a emissão de títulos financeiros e como eles geram duplicações artificiais de valor, criando uma distorção entre a riqueza financeira e a riqueza material.

    “As ações são títulos que conferem ao seu proprietário uma participação nos lucros da empresa. O valor dessas ações no mercado pode divergir completamente do valor real do capital investido na empresa. Elas são, portanto, uma forma de capital fictício, pois seu valor é determinado pela especulação e não pela produção real.” ( Karl Marx, O Capital, Livro III, Capítulo 25)

    “Os títulos financeiros, como as ações e os bônus, criam capital imaginário, já que representam um direito sobre a mais-valia futura, mas não representam capital produtivo em si. Isso conduz à especulação e às crises periódicas, quando a desconexão entre valor real e fictício se torna insustentável.”
    (O Capital, Livro III, Capítulo 25)

    4. Efeitos sobre a Economia

    Marx explica como o capital fictício intensifica a especulação e a instabilidade do sistema capitalista, exacerbando a concentração de riqueza e gerando ciclos de crises econômicas.

    Sobre a relação entre capital fictício e crises financeiras

    Marx também alerta para os riscos associados ao crescimento descontrolado do capital fictício, que pode levar a crises financeiras quando as expectativas de lucros futuros não se concretizam.

    “O crescimento desproporcional do capital fictício em relação ao capital produtivo cria uma contradição insustentável. Quando as expectativas de lucros futuros não se realizam, o castelo de cartas desmorona, e a crise financeira explode, revelando a fragilidade desse sistema.” (Karl Marx, O Capital, Livro III, Capítulo 32)

    “A circulação de capital fictício intensifica as contradições do capitalismo, pois transforma o sistema financeiro em uma máquina de especulação. O valor do capital fictício flutua de acordo com as expectativas de mercado, não com a produção de valor real.” (O Capital, Livro III, Capítulo 30)

    5. Críticas ao Sistema de Crédito

    Marx também analisa como o crédito, quando utilizado de forma excessiva, se torna um fator que amplia a divergência entre a economia real e a fictícia.

    Trecho relevante:

    “O sistema de crédito, que deveria servir como meio para acelerar a produção e a circulação, se converte em um instrumento de especulação e concentração de riqueza, alienando ainda mais o capital do trabalho.” (O Capital, Livro III, Capítulo 27)

    Esses trechos demonstram como Marx criticava o fenômeno do capital fictício e alertava para as contradições geradas pela financeirização. 

    Vamos relembrar os conceitos da economia real: Produto, Mercadoria, Valor, Juros, Lucro e como Juros e Lucro foram transformados em “Produtos ou Mercadorias” fictícios pela financeirização no capitalismo

    Produto

    Para Marx, o produto é o resultado do trabalho humano aplicado à natureza, transformando matérias-primas em bens úteis para satisfazer necessidades humanas. É a base material da economia.

    “O produto do trabalho é ao mesmo tempo objeto de uso e mercadoria, mas somente se destinado à troca.” (O Capital, Livro I, Capítulo 1)

    Mercadoria

    A mercadoria é um produto que adquire valor de troca porque é produzido para o mercado, não para o consumo direto do produtor. Ela possui dois aspectos fundamentais: valor de uso (utilidade) e valor de troca (quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la).

    “A mercadoria é antes de tudo um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer tipo. […] O valor de troca aparece como uma relação quantitativa, como a proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de outro tipo.” (O Capital, Livro I, Capítulo 1)

    Valor

    O valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. É o fundamento da teoria do valor-trabalho de Marx.

    “O valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho necessário para sua produção, levando em conta o nível médio de habilidade, tecnologia e intensidade de trabalho em uma sociedade.” (O Capital, Livro I, Capítulo 1)

    Juros

    Para Marx, o juro é uma parte do mais-valor gerado no processo de produção, que é transferida do capital produtivo para o capital financeiro. Ele surge da relação entre credor e devedor no sistema de crédito.

    “O juro é uma parte do mais-valor, ou do lucro total, que o capital produtivo deve ceder ao capital que emprestou o valor inicial.” (O Capital, Livro III, Capítulo 23)

    Lucro

    O lucro é a forma transformada da mais-valia, que é apropriada pelo capitalista após o processo de produção. Ele representa o excedente gerado pelo trabalho dos trabalhadores.

    “O lucro aparece como o objetivo final da produção capitalista. Ele é a mais-valia expressa na forma de dinheiro.” (O Capital, Livro III, Capítulo 1)

    Juros e Lucro como “Produtos ou Mercadorias” na Financeirização

    No capitalismo financeirizado, juros e lucros foram “mercantilizados”, transformados em produtos financeiros. Isso significa que, em vez de estarem intrinsecamente ligados ao processo de produção, passaram a ser tratados como mercadorias independentes, negociadas nos mercados financeiros.

    • Juros como Produto:
      A securitização de dívidas transforma os juros em títulos financeiros (como bonds e CDOs), que podem ser comprados e vendidos nos mercados. Assim, o juro, que antes era apenas uma relação de transferência de riqueza entre devedor e credor, se converte em uma “mercadoria” autônoma.

      “Os instrumentos de dívida se multiplicam e se tornam objetos de especulação, criando um capital fictício que cresce independentemente da produção.” (O Capital, Livro III, Capítulo 30)

    • Lucro como Produto:
      A criação de instrumentos financeiros baseados no desempenho futuro de empresas (ações, derivativos) transformou o lucro em um ativo negociável. Esse lucro não reflete diretamente a mais-valia gerada, mas sim expectativas especulativas sobre ela.

    “O mercado de ações, como forma de valorização fictícia, cria a ilusão de que o lucro é produzido no próprio mercado, sem qualquer conexão com o trabalho real.”
    (O Capital, Livro III, Capítulo 25)

    A financeirização ampliou a autonomização de juros e lucros em relação à produção material, intensificando o fenômeno da riqueza fictícia descrito por Marx. Essa transformação promove ciclos especulativos, instabilidade financeira e uma desconexão entre o capital e a economia real, reforçando as contradições intrínsecas do capitalismo.

    O dinheiro e os meios de pagamento, como cartões de crédito e instrumentos financeiros, têm um papel fundamental na análise marxista do capitalismo, especialmente em sua forma financeirizada.

    Dinheiro

    Para Marx, o dinheiro é tanto uma mercadoria específica quanto uma expressão do valor de troca. Ele desempenha vários papéis na economia: medida de valor, meio de circulação, meio de pagamento, reserva de valor e dinheiro mundial.

    “O dinheiro é a forma independente do valor de troca, a mercadoria que assume a função de medida de valores e se torna o equivalente universal no processo de troca.”
    (O Capital, Livro I, Capítulo 3)

    No capitalismo financeirizado, o dinheiro não é apenas um meio de troca, mas também um mecanismo de poder econômico. Com a evolução do sistema financeiro, ele se torna mais abstrato (notas, créditos, números digitais) e amplifica as contradições entre a economia real e a fictícia.

    Cartões de Crédito e Crédito

    Os cartões de crédito são uma extensão prática do conceito de crédito. Para Marx, o crédito surge como uma ferramenta para facilitar a circulação de mercadorias, mas no capitalismo avançado, transforma-se em um instrumento de especulação e ampliação de capital fictício.

    “O sistema de crédito aparece como a principal alavanca da superprodução e da especulação, que ultrapassam os limites da produção real.”
    (O Capital, Livro III, Capítulo 27)

    Pequeno comércio anuncia venda com cartão de crédito. Foto: Fábio Gouveia/Flickr/CC

    Os cartões de crédito representam:

    • Antecipação de valor futuro: Permitem consumo imediato com base em renda futura, ampliando a demanda, mas também gerando dívidas crescentes.
    • Financeirização do consumo: Transferem parte significativa da renda das classes trabalhadoras para instituições financeiras por meio de juros elevados e taxas.

    Outros Meios de Pagamento

    Outros meios, como transferências eletrônicas, carteiras digitais e criptomoedas, ampliaram a abstração do dinheiro e a velocidade das transações. Embora Marx não tenha tratado diretamente dessas tecnologias, sua análise sobre o sistema de crédito e a circulação monetária é pertinente:

    “O dinheiro, ao se desenvolver como capital-dinheiro, não circula mais apenas como meio de troca, mas como uma forma de acumulação autônoma, alienada do processo de produção.”
    (O Capital, Livro III, Capítulo 25)

    Financeirização do Dinheiro e dos Meios de Pagamento

    Na financeirização, o dinheiro e os meios de pagamento são transformados em mercadorias financeiras, ampliando sua função para além da simples circulação de bens e serviços. Exemplos incluem:

    • Cartões de crédito: Vendem a promessa de acesso ao consumo futuro, enquanto os bancos lucram com juros e taxas.
    • Criptomoedas: Transformam o dinheiro em ativos especulativos, sem relação direta com o valor de uso ou o trabalho social necessário para sua produção.
    • Derivativos financeiros: Criam instrumentos que permitem a negociação do valor futuro de moedas e outros ativos financeiros, reforçando a autonomia do capital fictício.

    Dinheiro, cartões de crédito e outros meios de pagamento exemplificam a abstração e autonomização do capital no capitalismo contemporâneo. 

    A financeirização desloca o foco do capital produtivo para a especulação, criando um sistema em que a circulação de dinheiro e crédito se desconecta do trabalho e da produção de bens materiais, ampliando as contradições do sistema econômico. 

    Protesto do movimento Occupy Wall Street. Foto: David Shankbone/Flickr/CC

    Protesto do movimento Occupy Wall Street. Foto: David Shankbone/Flickr/CC

    Para Marx, essa tendência reflete o aprofundamento das crises sistêmicas do capitalismo, onde o valor fictício frequentemente supera o valor real produzido.

    Definição Geral de Financeirizar

    O conceito de financeirização refere-se ao processo pelo qual a lógica financeira e o capital financeiro se tornam dominantes na economia, influenciando as decisões econômicas, sociais e políticas, muitas vezes em detrimento da produção material. É um fenômeno associado à expansão do setor financeiro e à crescente autonomia do capital financeiro em relação ao capital produtivo.

    Financeirizar significa subordinar a economia real (produção de bens e serviços) à dinâmica dos mercados financeiros. Nesse processo, o foco principal da economia se desloca para:

    • A valorização de ativos financeiros: Lucros obtidos a partir de investimentos em ações, títulos de dívida, derivativos, etc.
    • A especulação: Compra e venda de ativos com o objetivo de lucrar com a variação de preços.
    • A geração de lucros por meio de juros, taxas e dividendos, em vez de pela produção de bens e serviços.

    Características da Financeirização

    A financeirização é marcada por alguns fenômenos-chave:

    1. Autonomia do capital financeiro: O capital financeiro se torna uma esfera separada, descolada da produção material.
    2. Lucro baseado no endividamento: Bancos, instituições financeiras e até famílias passam a lucrar ou sobreviver a partir da expansão do crédito e do endividamento.
    3. Especulação como prática dominante: O valor dos ativos financeiros é determinado mais pela expectativa de retorno futuro do que por sua relação com a economia real.
    4. Mercantilização de tudo: Juros, créditos e até dívidas tornam-se produtos financeiros negociáveis (como títulos securitizados).

    Financeirização e o Capitalismo

    No capitalismo financeirizado, a dinâmica econômica prioriza a acumulação de riqueza no setor financeiro, em vez de reinvestimentos em setores produtivos. Isso leva a:

    • Desigualdade crescente: A concentração de riqueza se intensifica, já que os lucros financeiros beneficiam majoritariamente a elite econômica.
    • Crises cíclicas mais agudas: A desconexão entre a riqueza fictícia (financeira) e a produção material tende a gerar bolhas especulativas, que explodem em crises econômicas cada vez mais violentas.
    • Redução da produção: Investimentos em infraestrutura, tecnologia e bens de capital são sacrificados em prol de ganhos financeiros de curto prazo.

    Exemplos de Financeirização

    1. Setor habitacional: Hipotecas são convertidas em títulos financeiros, como os Mortgage-Backed Securities (MBS), amplamente negociados no mercado financeiro. Isso contribuiu para a crise de 2008.
    2. Cartões de crédito: Instituições financeiras lucram com taxas e juros sobre o consumo financiado, em vez de promoverem a produção ou inovação.
    3. Empresas produtivas financeirizadas: Muitas empresas aumentam seus lucros por meio de operações financeiras (como recompra de ações) em vez de investirem na produção.

    Financeirização na Perspectiva de Marx

    Embora Marx não tenha utilizado o termo financeirização, sua análise do capital fictício é central para compreender o conceito. Ele observou que, no capitalismo, o capital financeiro pode se descolar da produção material, criando crises sistêmicas.

    “O capital financeiro, ao se autonomizar, transforma a riqueza social em algo fictício, criando ciclos de especulação e destruição.” (O Capital, Livro III)

    Financeirizar é transformar as relações econômicas e sociais para priorizar o capital financeiro. No contexto contemporâneo, a financeirização representa uma fase avançada do capitalismo, na qual a acumulação de riqueza está cada vez mais dissociada da produção material, gerando contradições que aprofundam crises e desigualdades.

    Karl Marx dedicou uma parte significativa de sua análise à circulação no capitalismo, compreendendo os mecanismos pelos quais o valor transita entre as diferentes formas (mercadorias, capital, dinheiro e crédito).

    Circulação de Mercadorias

    A circulação de mercadorias é o processo pelo qual os produtos do trabalho humano (mercadorias) se movem entre produtores e consumidores no mercado. Esse movimento é mediado pelo dinheiro e é fundamental para o sistema capitalista.

    Características principais:

    • Ciclo simples: Mercadoria → Dinheiro → Mercadoria (M → D → M)
      Esse é o ciclo em que a mercadoria é vendida para adquirir outra mercadoria necessária.
    • Valor de uso e valor de troca: A circulação é impulsionada pela troca de valores equivalentes, onde cada mercadoria troca seu valor de uso por outro.

    “A circulação de mercadorias é a forma inicial e fundamental do intercâmbio capitalista, mas sempre subordinada à circulação de capital.”
    (O Capital, Livro I, Capítulo 3)

    Circulação de Capital

    A circulação de capital descreve como o capital se move e se transforma dentro do ciclo produtivo. Diferentemente da simples circulação de mercadorias, o objetivo é a valorização do capital.

    Ciclo do capital:
    Dinheiro → Mercadoria (meios de produção + força de trabalho) → Produção → Nova mercadoria → Mais dinheiro (D → M → P → M’ → D’)

    • D → M: Compra de meios de produção e força de trabalho.
    • P: Processo produtivo, no qual ocorre a extração de mais-valia.
    • M’ → D’: Venda da mercadoria valorizada, retornando ao capitalista como mais dinheiro.        

    “A circulação do capital é essencialmente uma metamorfose do valor, em que o dinheiro e a mercadoria aparecem apenas como formas transitórias do capital.”
    (O Capital, Livro II, Capítulo 1)

    Circulação de Dinheiro

    A circulação de dinheiro é o movimento do dinheiro como meio de troca, medida de valor e meio de pagamento. Ela conecta a circulação de mercadorias e de capital.

    • Dinheiro como meio de troca: Facilita a troca de mercadorias.
    • Dinheiro como meio de pagamento: Antecipação ou quitação de valores futuros, como salários e dívidas.

    “O dinheiro não apenas mede o valor das mercadorias, mas também circula como equivalente universal, conectando os ciclos de produção e consumo.”
    (O Capital, Livro I, Capítulo 3)

    Circulação de Meios Estendidos de Pagamento

    A circulação de meios estendidos de pagamento refere-se a instrumentos financeiros que substituem ou complementam o dinheiro físico, como letras de câmbio, cheques, cartões de crédito e títulos de dívida. Esses meios permitem transações que não envolvem pagamento imediato em espécie.

    – Análise de Marx:

    • Marx viu esses instrumentos como extensões do crédito, antecipando a realização de valores futuros.
    • Eles são essenciais para a expansão do capital, mas também introduzem riscos de crise quando o crédito se descola da produção real.

    “A circulação de meios de pagamento avançados baseia-se na confiança no valor futuro, mas tende a criar crises quando essa confiança é rompida.” (O Capital, Livro III, Capítulo 25)

    Circulação de Juros

    A circulação de juros refere-se ao movimento do capital monetário emprestado, que gera rendimentos para o credor. Para Marx, os juros são uma fração do mais-valor extraído na produção, apropriada pelo capital financeiro.

    – Características principais:

    • Juro como parcela do lucro total: O capital financeiro “empresta” ao capital produtivo e retira uma parte do lucro gerado.
    • Crise financeira: A circulação de juros pode ser um elemento desestabilizador, especialmente quando o crédito é usado para especulação.

    “O juro é apenas uma parte do lucro total, que o capitalista industrial deve ceder ao proprietário do dinheiro.” (O Capital, Livro III, Capítulo 23)

    Circulação de Créditos Futuros

    Créditos futuros envolvem a antecipação de valores a serem gerados no futuro, como hipotecas, títulos securitizados e derivativos financeiros. Embora Marx não tenha usado esses termos modernos, sua análise do crédito e do capital fictício é pertinente.

    – Análise de Marx:

    • O crédito futuro permite a expansão da produção e do consumo, mas também cria o risco de crises financeiras.
    • Esses créditos são baseados em riqueza futura hipotética, frequentemente desconectada da produção material.

    “O crédito, ao se expandir sem base material, transforma capital fictício em uma bolha que cresce até estourar.” (O Capital, Livro III, Capítulo 27)

    Os diferentes tipos de circulação analisados por Marx (mercadorias, capital, dinheiro, meios de pagamento, juros e créditos futuros) revelam como o capitalismo transforma o valor e o trabalho em formas complexas e abstratas de riqueza. 

    Na fase de financeirização, esses processos se tornam ainda mais autônomos, criando contradições entre a economia real e a fictícia, ampliando as crises do sistema.

    A financeirização do capitalismo, segundo uma leitura marxista, é uma fase de desenvolvimento na qual o capital financeiro se torna hegemônico, subordinando e transformando os diversos meios de circulação econômica. 

    Esse processo amplia as contradições do sistema capitalista, descolando o valor financeiro da produção material e promovendo instabilidade econômica. 

    Mercadoria

    Na economia financeirizada, a circulação de mercadorias (M → D → M) perde relevância em relação às operações financeiras. Em vez de priorizar a produção e a troca de bens reais, o capital busca a valorização rápida por meio de especulação.

    Impactos:

    • A mercadoria torna-se um suporte secundário para a valorização financeira.
    • Mercadorias essenciais, como alimentos e energia, passam a ser tratadas como ativos financeiros (commodities), sujeitas a especulação em mercados futuros.

    “A mercadoria é a forma inicial do capital, mas no desenvolvimento do sistema financeiro, o valor se separa do seu substrato material.” (O Capital, Livro III, Capítulo 27)

    Capital

    A financeirização altera a lógica da circulação de capital (D → M → P → M’ → D’). O capital produtivo é subordinado ao capital financeiro, e a valorização do capital se dá principalmente por meio de instrumentos financeiros.

    Impactos:

    • Capital fictício: Títulos financeiros e outros instrumentos são negociados como se fossem valores reais, embora não representem trabalho socialmente necessário.
    • Redução do investimento produtivo: Empresas priorizam recompra de ações e pagamento de dividendos, em vez de investir em tecnologia ou expansão produtiva.

    “O capital fictício é um reflexo distorcido do capital real, que cresce sem qualquer base na produção material.”
    (O Capital, Livro III, Capítulo 29)

    Juros

    Na financeirização, o juro, que era originalmente uma parcela do mais-valor apropriada pelo capital financeiro, torna-se um fim em si mesmo. A lógica do lucro pelo juro ultrapassa a esfera produtiva.

    Impactos:

    • Domínio do rentismo: Bancos e credores lucram mais com juros do que com investimentos produtivos.
    • Criação de dívidas impagáveis: A busca por juros cada vez mais altos leva à ampliação de dívidas de Estados, empresas e famílias.

    “O capital a juros parece gerar valor a partir de si mesmo, alienado do trabalho real que o produz.” (O Capital, Livro III, Capítulo 23)

    Lucro

    Com a financeirização, o lucro não está mais diretamente ligado à produção material, mas à especulação e à manipulação financeira.

    Impactos:

    • Empresas geram lucros financeiros por meio de operações especulativas, como derivativos, sem relação com a produção de bens ou serviços.
    • A financeirização distorce a distribuição do lucro, concentrando-o no setor financeiro.

    “O lucro no capitalismo sempre reflete a exploração do trabalho, mas no sistema financeiro, ele é mascarado como uma criação espontânea de riqueza.” (O Capital, Livro III, Capítulo 15)

    Dinheiro

    Na economia financeirizada, o dinheiro assume uma forma ainda mais abstrata, transformando-se em unidades eletrônicas e instrumentos financeiros, muitas vezes desconectados de sua função como medida de valor.

    Impactos:

    • Hegemonia do capital-dinheiro: O dinheiro deixa de ser apenas um meio de troca e torna-se o principal instrumento de acumulação.
    • Volatilidade: A especulação em moedas e ativos financeiros gera instabilidade cambial e crises monetárias.

    “O dinheiro, na forma de capital-dinheiro, se torna uma representação alienada e autônoma do valor.” (O Capital, Livro III, Capítulo 24)

    Meios Estendidos de Pagamento

    Os instrumentos financeiros, como títulos de dívida, cartões de crédito e derivativos, substituem o dinheiro físico e facilitam a circulação do capital fictício.

    Impactos:

    • Ampliação da especulação: Meios estendidos de pagamento, como derivativos, são usados para criar valor fictício desconectado da produção real.
    • Endividamento estrutural: A facilidade de crédito fomenta o endividamento das classes trabalhadoras e dos Estados, transferindo riqueza para o setor financeiro.

    “Os meios de pagamento ampliados aceleram a circulação de capital fictício, mas também intensificam as crises financeiras.” (O Capital, Livro III, Capítulo 27)

    Crédito

    O crédito, que originalmente visa facilitar a produção e a circulação de mercadorias, transforma-se em um mecanismo de acumulação financeira.

    Impactos:

    • Expansão do capital fictício: O crédito é usado para criar instrumentos financeiros que não têm relação direta com o trabalho social.
    • Crises cíclicas: A financeirização do crédito leva a bolhas especulativas que resultam em crises econômicas.

    “O sistema de crédito transforma o capital em algo independente da produção, alavancando especulações que ultrapassam os limites do valor real.” (O Capital, Livro III, Capítulo 30)

    Na análise marxista, a financeirização do capitalismo subordina todos os meios de circulação à lógica do capital fictício e do capital financeiro. Esse processo desconecta o valor econômico da produção material, acentuando as contradições do capitalismo, como a concentração de riqueza, o endividamento estrutural e as crises recorrentes. Para Marx, essas tendências são expressões de uma fase avançada do capitalismo, que inevitavelmente intensifica suas crises sistêmicas.

    Para Karl Marx, a velocidade ou aceleração dos ciclos de circulação no capitalismo está intimamente relacionada à dinâmica de valorização do capital. A circulação mais rápida aumenta a eficiência da realização do valor, mas também intensifica as contradições e as crises do sistema. Marx argumenta que a aceleração dos ciclos de circulação pode tanto favorecer a acumulação de capital quanto criar condições para crises mais profundas, devido à desarmonia entre os diferentes estágios do ciclo de produção e circulação.

    Velocidade da Circulação e sua Relação com a Valorização

    • Tempo de Rotação do Capital: Marx define o tempo de rotação como o período necessário para que o capital avance por todas as suas metamorfoses: dinheiro → mercadoria → produção → nova mercadoria → mais dinheiro. Uma circulação mais rápida permite que o capital complete mais ciclos em um determinado período, gerando maior mais-valia.

      “Quanto mais curta for a rotação, maior será a massa de mais-valia produzida em um dado período.” (O Capital, Livro II, Capítulo 8)

    • Impacto da Aceleração: A redução dos tempos improdutivos (por exemplo, transporte, estocagem ou espera para venda) aumenta a eficiência. Inovações tecnológicas, como sistemas logísticos e meios de comunicação, foram historicamente usadas para acelerar a circulação.

    Aspectos Específicos da Circulação

    a. Circulação de Mercadorias

    A aceleração da circulação de mercadorias permite uma realização mais rápida do valor de troca. Porém, quando a circulação supera a capacidade de consumo, surgem crises de superprodução, em que mercadorias permanecem invendidas.

    • Contradição: A produção aumenta em função do lucro, mas a capacidade de compra da sociedade é limitada pelos salários baixos. Isso resulta em crises periódicas.

    “A circulação de mercadorias pressupõe a capacidade de realização do valor, mas, sob o capitalismo, o poder aquisitivo da sociedade é insuficiente para absorver tudo o que é produzido.”
    (O Capital, Livro I, Capítulo 3)

    b. Circulação de Capital

    No ciclo do capital (D → M → P → M’ → D’), a velocidade é essencial para a maximização do lucro. O capital busca eliminar barreiras à circulação, como longos tempos de produção ou transporte.

    • Contradição: A tentativa de acelerar a circulação gera tensões, como pressões sobre os trabalhadores para aumentar a produtividade ou a expansão de mercados financeiros desconectados da produção.

    “A circulação mais rápida do capital intensifica a exploração do trabalho e aumenta as chances de descompasso entre produção e realização.” (O Capital, Livro II, Capítulo 10)

    c. Circulação de Dinheiro

    O dinheiro deve circular rapidamente para garantir que as mercadorias sejam vendidas e o capital retorne ao capitalista em forma de lucro. No entanto, uma circulação muito acelerada do dinheiro pode resultar em inflação ou bolhas especulativas.

    • Crises Monetárias: A tentativa de acelerar a circulação pode levar à instabilidade monetária, especialmente quando há uma desconexão entre o dinheiro e a produção real.

    “O dinheiro como meio de circulação pode esconder as contradições do sistema, mas também intensifica as crises quando não há mercadorias para justificar seu movimento.” (O Capital, Livro I, Capítulo 3)

    d. Créditos e Meios de Pagamento

    A circulação de crédito e meios estendidos de pagamento, como letras de câmbio e derivativos, reduz a necessidade de dinheiro físico, acelerando as transações. No entanto, essa aceleração é sustentada por expectativas futuras, criando um sistema vulnerável a crises.

    • Crises de Crédito: Quando o crédito se expande muito rapidamente, desconectado da produção material, surgem bolhas que inevitavelmente estouram.

    “O crédito permite a aceleração da circulação do capital, mas ao fazê-lo, também prepara o terreno para crises generalizadas.” (O Capital, Livro III, Capítulo 27)

    Aceleração e Crises no Capitalismo

    Marx identifica que a aceleração dos ciclos de circulação no capitalismo tende a criar e intensificar crises. Essas crises decorrem da contradição fundamental entre a produção para o lucro e a realização do valor no mercado.

    Crises de Superprodução:

    • A produção é acelerada para aumentar os lucros, mas os mercados não conseguem absorver toda a oferta, levando a estoques invendáveis.

    “As crises de superprodução mostram que, no capitalismo, a circulação do valor não pode ser sustentada sem interrupções.” (O Capital, Livro III, Capítulo 15)

    Crises Financeiras:

    • A aceleração da circulação de capital fictício (créditos e ativos financeiros) descola o valor nominal da base material. Isso cria bolhas financeiras que eventualmente colapsam.

    “A acumulação de capital fictício é uma expressão das contradições do capital, que não pode se expandir indefinidamente sem base material.” (O Capital, Livro III, Capítulo 27)

    Contradições Temporais:

    • A tentativa de acelerar a circulação cria descompassos entre diferentes setores da economia. Por exemplo, a produção pode não acompanhar o consumo, ou a oferta de crédito pode exceder a capacidade de pagamento.

    “A anarquia do sistema capitalista é amplificada pela tentativa de harmonizar ciclos de produção e circulação que operam em temporalidades diferentes.” (O Capital, Livro II, Capítulo 9)

    Para Marx, a aceleração dos ciclos de circulação é uma necessidade intrínseca do capitalismo, pois permite a maximização da mais-valia. No entanto, essa aceleração também amplia as contradições do sistema, gerando crises periódicas. 

    A financeirização agrava essas tensões, ao descolar o capital fictício da produção material, tornando as crises mais profundas e globais. Essas contradições são, em última análise, insolúveis dentro do capitalismo, apontando para seus limites históricos.

    Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois – Engenheiro Eletrônico formado pela USP e Coordenador de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

     

    Notícias Relacionadas