Trumpismo e Bilionários Tentando Determinar o Destino da Humanidade – Declarações do novo presidente dos Estados Unidos eleito em 2024, Donald Trump, e de importantes líderes das maiores Big Techs americanas ganharam destaque nas manchetes internacionais, gerando consternação e preocupação. Esses episódios apontam para uma dinâmica que transcende o campo político e econômico, influenciando o padrão democrático das economias capitalistas e a lógica econômica dos países centrais.
Trump provocou reações intensas ao sugerir que o Canadá deveria se tornar um estado americano, propor a compra da Groenlândia da Dinamarca, retomar o controle do Canal do Panamá e mudar o nome do Golfo do México para “Golfo da América”. Essas declarações vão além de uma retórica isolada e refletem uma postura dos Estados Unidos que busca redefinir sua influência global em um contexto de rivalidade econômica crescente.
Posse de Trump: novas e velhas crises em 2025
Ha-Joon Chang, em seu livro Chutando a Escada, analisa a trajetória histórica dos Estados Unidos, destacando como o desenvolvimento do país foi sustentado por uma industrialização fomentada por políticas protecionistas. Desde o início do século XIX, especialmente após a Guerra de 1812, os EUA adotaram tarifas protecionistas, subsídios e intervenções governamentais para proteger suas indústrias nascentes. No pós-Segunda Guerra Mundial, com a hegemonia econômica consolidada, os EUA passaram a promover o livre-comércio como norma global, mas não sem antes garantir as condições internas que lhes deram vantagens competitivas. Essa postura contraditória, de “chutar a escada” após alcançar o desenvolvimento, é apontada por Chang como uma estratégia que impede outros países de seguirem o mesmo caminho.
Desde a década de 1970, a China passou de um aliado conveniente dos EUA para um rival econômico que ganha terreno nas regras estabelecidas pelo próprio livre-comércio pós-guerra. O país asiático tem defendido com mais intensidade o multilateralismo e as instituições globais, como a OMC, do que os próprios EUA. Além disso, a China implementou políticas econômicas e industriais estratégicas, como o plano “Made in China 2025”, que visa liderar setores tecnológicos avançados, como robótica, inteligência artificial, energia renovável e biotecnologia. O país também se destacou em tecnologias sustentáveis, liderando a produção de painéis solares e carros elétricos, além de integrar cadeias globais de produção e se consolidar como a “fábrica do mundo”.
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China adota tecnologia inteligente para revolucionar manutenção de trens de alta velocidade durante pico de viagens da Festa da Primavera. Foto: Mao Siqian/Xinhua
Os investimentos em infraestrutura, como portos, ferrovias e estradas, além de avanços em 5G e inteligência artificial, tornaram a China protagonista em tecnologias de fronteira. No âmbito educacional, o país registrou um crescimento expressivo, passando de 165.000 matrículas no ensino superior em 1978 para 82 milhões atualmente. Além disso, retirou 800 milhões de pessoas da pobreza em 40 anos e avançou significativamente no Índice de Complexidade Econômica, ocupando a 18ª posição em 2021, comparada à 39ª em 1995. Esses progressos tornam evidente que a China não apenas segue uma escada para o desenvolvimento, mas está reconstruindo os degraus que os EUA outrora “chutaram”.
Trump, portanto, não governa mais os EUA do discurso liberalizante dos anos 1990. O país ainda detém um importante poder bélico e a relevância de ser o emissor da moeda das transações internacionais, mas enfrenta um cenário em que precisa reconsiderar suas estratégias econômicas. Essa nova realidade obriga os EUA a retomarem políticas de caráter intervencionista, como no período pré-“chute da escada”, para proteger sua posição hegemônica.
No âmbito das Big Techs, Mark Zuckerberg, ao anunciar o fim do programa de checagem de fatos e a redução de filtros automáticos, além de criticar “tribunais secretos” na América Latina e afirmar colaboração com Trump para enfrentar governos que “perseguem” empresas americanas, revela um alinhamento claro com a agenda de proteção dos interesses econômicos dos EUA. Essa postura reflete uma estratégia mais agressiva para manter a hegemonia americana em um cenário global cada vez mais competitivo.
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A ascensão chinesa coloca os EUA em uma posição desconfortável. Ao não conseguir mais vencer o jogo econômico pelas regras que formulou, os EUA buscam criar novas regras e impô-las pela força. Trump, apesar de ser repudiado por parte do establishment americano, representa a face mais crua e explícita do capitalismo estadunidense: bilionários e interesses corporativos tentando determinar o destino da humanidade, custe o que custar. Enquanto aliados históricos como a Europa e o Canadá se veem como parceiros secundários, a “América em primeiro lugar” continua sendo a narrativa que molda as ações de Trump e daqueles que compartilham de sua visão.
O mundo observa, enquanto o tabuleiro geopolítico se reorganiza diante de novos protagonistas e antigos hegemons tentando se reinventar. Trump destrói as agendas multilaterais, ataca instituições internacionais e afirma desavergonhadamente que não hesitará em usar a força militar dos EUA para garantir seus funesto desejos.
Euzébio Jorge Silveira de Sousa é coordenador do GP 4: Trabalhadores e a Era Digital, assessor especial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), autor do livro Juventude, Trabalho e o Subdesenvolvimento e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. Atualmente, atua como professor de Economia na FESPSP e na Strong Business School, é membro da Cátedra Celso Furtado e possui pós-doutor em Economia Criativa e da Cultura pela UFRGS.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.