Marx, capitalismo financeiro e suas crises na fase monopolista, existe outra saída? Parte II – Monopólios, financeirização, especulação e formação de preços
A influência do capital fictício na geração de preços elevados pelos monopólios pode ser compreendida à luz de conceitos marxistas e de teorias econômicas contemporâneas sobre o capitalismo tardio. Monopólios e oligopólios dominam setores estratégicos, estabelecendo preços que não refletem os custos de produção, mas sim estratégias de maximização de lucros, muitas vezes alimentadas pela lógica especulativa do capital fictício.
Os monopólios não apenas controlam a produção e a distribuição de bens e serviços, mas também a fixação de preços. Sob a influência do capital fictício, essa formação de preços é desproporcional aos custos produtivos, porque inclui componentes especulativos e expectativas financeiras futuras.
- Karl Marx descreve no O Capital que, na fase do capitalismo monopolista, o preço não reflete apenas o valor-trabalho, mas incorpora um “sobrepreço” resultante da concentração de poder econômico e da capacidade de impor valores superiores àqueles gerados na produção. Ele observa que “o capital […] assume formas que não têm relação direta com o processo produtivo, mas que se tornam alavancas para a acumulação ampliada” (O Capital, Livro III, Cap. 29).
- David Harvey, no contexto do neoliberalismo, explica como a “financeirização da economia” promove uma concentração de poder que amplifica o papel do capital fictício na formação de preços. Ele ressalta que “as corporações monopolistas e os investidores especulativos utilizam a financeirização para impor preços altos, alimentados por expectativas de lucro e controle sobre cadeias globais de produção” (The Enigma of Capital, 2010).
Capital fictício e a pressão inflacionária artificial
O capital fictício atua como um fator de pressão inflacionária indireta sobre preços em setores dominados por monopólios. Isso ocorre de várias formas:
- Especulação em commodities: Investidores financeiros utilizam derivativos e outros instrumentos para inflar artificialmente os preços de recursos essenciais, como alimentos e energia. Por exemplo, o aumento do preço do petróleo muitas vezes não está vinculado à oferta e demanda real, mas a apostas especulativas nos mercados futuros.
- Joseph Stiglitz argumenta que “a especulação nos mercados de commodities pode levar a distorções significativas de preços, prejudicando economias reais e consumidores finais” (The Price of Inequality, 2012).
- Financeirização das empresas: Empresas monopolistas, em vez de reinvestirem na produção, utilizam recursos para recompras de ações (buybacks), fusões e aquisições financiadas por crédito barato. Esses movimentos aumentam o valor fictício das empresas e reduzem a concorrência, permitindo maior controle sobre preços.
- A economista Susan Strange enfatiza que “a financeirização não apenas concentra poder econômico, mas também facilita a manipulação de preços por parte de monopólios transnacionais” (Casino Capitalism, 1997).
Monopólios como tradutores de capital fictício em preços elevados
Os monopólios utilizam o capital fictício para:
- Expandir o controle de mercado: Investem em estratégias para eliminar concorrentes e consolidar poder, o que permite impor preços arbitrários.
- Manipular preços por meio de escassez planejada: Criam artificialmente escassez para justificar aumentos de preços. O capital fictício fornece os recursos financeiros necessários para sustentar períodos de baixa produção enquanto os preços sobem.
- Lenin, em Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, argumenta que “o controle monopolista das matérias-primas e da produção permite que as corporações manipulem preços globais, desvinculando-os das condições materiais de produção”.
Exemplos concretos:
- Setor farmacêutico: Empresas farmacêuticas monopolistas, como as gigantes norte-americanas, estabelecem preços exorbitantes para medicamentos essenciais. O capital fictício alimenta essas práticas, já que a valorização no mercado financeiro recompensa aumentos de preços que maximizam lucros imediatos.
- Big Tech: Empresas como Amazon e Google controlam mercados inteiros e definem preços para serviços digitais e físicos. As valorizações financeiras dessas empresas estão dissociadas de seus custos reais e baseiam-se em projeções especulativas futuras.
O capital fictício amplifica o poder dos monopólios, permitindo que eles imponham preços elevados sem relação direta com o custo de produção. Esse processo aprofunda desigualdades e crises sistêmicas, reforçando as contradições centrais do capitalismo. A conexão entre especulação financeira e preços monopolistas revela como o capital fictício não apenas sustenta, mas também exacerba a exploração e a concentração de riqueza.
Prioridade na economia real e combate a financeirização: abordagem chinesa
A análise marxista nos ajuda a entender as contradições desses dois modelos (financeirização globalizada monopolista e desenvolvimento soberano com inserção seletiva ao mercado global).
A China adotou uma abordagem única em relação à financeirização global, priorizando o desenvolvimento industrial, o controle estatal do sistema financeiro e a integração seletiva aos mercados globais. Esse modelo permitiu um crescimento econômico acelerado e a redução da pobreza.
O modelo de desenvolvimento da China apresenta uma abordagem única em relação à financeirização global, combinando soberania com elementos de controle estatal, planejamento econômico e integração seletiva aos mercados financeiros internacionais.
A análise marxista nos ajuda a entender as contradições desses modelos (financeirização globalizada monopolista e desenvolvimento soberano com inserção seletiva ao mercado global)., que busca conciliar o desenvolvimento econômico em um mundo hegemonizado pelo sistema capitalista financeirizado com a manutenção da soberania baseada no planejamento centralizado e no controle estatal dos setores estratégicos.
Ao contrário de muitas economias ocidentais, onde a financeirização assumiu um papel central, a China adotou uma estratégia que prioriza o desenvolvimento industrial, a infraestrutura e a redução da pobreza, mantendo um controle rigoroso sobre seu sistema financeiro.
Já vimos os conceitos e contradições do sistema financeirizado hegemonizado por grandes monopólios, vamos agora analisar como a China lida com a financeirização global à luz de sua trajetória econômica e política.
1. Soberania e Controle Estatal do Sistema Financeiro
A China mantém um controle soberano e estrito sobre seu sistema financeiro, com o Estado desempenhando um papel central na regulação e alocação de recursos. Isso inclui:
a) Bancos Estatais
Os principais bancos da China são controlados pelo Estado e direcionam crédito para a economia real e produção de bens nos setores estratégicos, como infraestrutura, indústria e tecnologia. Isso contrasta com o modelo ocidental financeirizado, onde bancos e monopólios privados priorizam a rentabilidade financeira e geração de “capital fictício” para exercer o poder e extrair mais valia do trabalho e expropriar o capital acumulado nas mãos dos setores capitalistas não monopolistas e das nações e empresas públicas.
“O sistema bancário chinês é um instrumento de política econômica, usado para promover o desenvolvimento industrial e regional.”
– Adaptação da teoria marxista para o contexto chinês.
b) Restrições ao Capital Estrangeiro
A China limita a participação de capital estrangeiro em seu sistema financeiro, evitando a volatilidade associada aos fluxos de capital especulativos. O yuan (moeda chinesa) também é controlado, com restrições à sua conversibilidade.
2. Priorização do Desenvolvimento Industrial e Tecnológico
A China adotou um modelo de desenvolvimento baseado na industrialização e na inovação tecnológica, em vez de depender excessivamente do setor financeiro. Isso inclui:
a) Investimento em Infraestrutura
Grandes investimentos em infraestrutura (ferrovias, portos, energia) foram fundamentais para o crescimento econômico chinês, criando empregos e integrando regiões.
b) Inovação Tecnológica
A China investe pesadamente em pesquisa e desenvolvimento (P&D), buscando se tornar líder global em setores como inteligência artificial, 5G e energia renovável. Isso reduz a dependência de tecnologias estrangeiras e fortalece a economia real.
“A China prioriza a produção real e a inovação, em vez de se apoiar na especulação financeira.”
– Adaptação da teoria marxista para o contexto chinês.
3. Integração Seletiva aos Mercados Globais
A China se integra aos mercados globais de forma seletiva, buscando beneficiar-se do comércio internacional e dos investimentos estrangeiros, sem abrir mão do controle sobre sua economia.
a) Comércio Internacional
A China se tornou a “fábrica do mundo” que produz com preços não monopolistas e são fortemente competitivos internacionalmente, exportando manufaturas e bens tecnológicos para todos os continentes. O governo mantém controle sobre setores estratégicos, como energia e defesa e investe em infraestrutura, novas fábricas de 5 geração e corredores de comércio e circulação de mercadorias a preços não monopolizados.
b) Investimento Estrangeiro Direto (IED)
Com forte mercado interno e ampla capacidade de exportação, a China atrai investimentos estrangeiros para setores específicos, como tecnologia e manufatura, mas impõe controle e restrições a setores sensíveis, como mídia e finanças.
c) Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative – BRI)
A BRI é um projeto de infraestrutura global que visa expandir as parcerias econômicas e políticas da China, financiando projetos em países em desenvolvimento. Isso fortalece a posição da China no sistema financeiro global, sem adotar o modelo de financeirização ocidental.
4. Resistência à Financeirização Doméstica
A China resiste à financeirização em seu mercado interno, evitando os excessos observados em economias ocidentais.
a) Regulação do Mercado Imobiliário
O governo chinês regula o mercado imobiliário para evitar bolhas especulativas, como as que levaram à crise de 2008 nos EUA. Medidas incluem limites à compra de imóveis e restrições ao crédito.
b) Controle do Mercado de Capitais
A bolsa de valores chinesa (Shanghai e Shenzhen) é menos desenvolvida do que as bolsas ocidentais, e o governo intervém para evitar volatilidade excessiva.
c) Foco na Economia Real
A China prioriza a produção industrial e a geração de empregos, em vez de depender do setor financeiro para impulsionar o crescimento.
5. Desafios e Contradições
Apesar de seu sucesso econômico, a China enfrenta desafios e contradições em sua relação com a financeirização global e os monopólios que controlam esse sistema financeirizado e de geração de “capital fictício”:
a) Pressões Internacionais e Tensões Geopolíticas
- A rivalidade com os EUA e outros países ocidentais gera tensões geopolíticas, especialmente em setores estratégicos como tecnologia e finanças.
- Instituições financeiras globais e monopólios pressionam a China a abrir seu mercado financeiro e adotar regras globais, o que pode aumentar sua exposição ao capital fictício e à especulação.
- Sanções e restrições comerciais podem limitar temporariamente o acesso da China a mercados globais e tecnologias avançadas.
- O governo chinês implementa medidas para controlar o mercado imobiliário, é uma fonte de instabilidade, com preços de imóveis inflacionados e endividamento das famílias. Isso reflete a influência do capital fictício e da especulação.
b) Desigualdade Social
Apesar da redução da pobreza, a China enfrenta problemas de desigualdade social, especialmente entre áreas urbanas e rurais.
c) Dívida Corporativa e Pública
O rápido crescimento econômico da China foi acompanhado por um aumento significativo da dívida corporativa e pública. Isso gera preocupações sobre a sustentabilidade financeira no longo prazo.
Produção real e a inovação
A China adota uma estratégia em seu planejamento econômico, busca extrair todas as vantagens do mercado global financeirizado e que pratica preços elevados artificialmente pelos monopólios capitalistas, ocupando cada vez mais fatias de mercado com produtos a preços não fianceirizados ou artificiais, baseados na sua economia real, visando fortalecer sua economia interna por meio da distribuição de riqueza, aumento de salários e fortalecimento do mercado interno.
Essa abordagem reflete a complexidade da economia chinesa e sua transição de um modelo baseado em exportações e investimentos para um modelo mais equilibrado, com maior ênfase no consumo interno e no bem-estar social.
Leia também: A China e o “Concilio de Maastrich”, por Elias Jabbour e Luiz Gonzaga Belluzzo
- Integração ao Mercado Global
A China é uma das economias mais integradas ao mercado global, sendo o maior exportador mundial e um dos principais receptores de investimentos estrangeiros. Essa integração é fundamental para o crescimento econômico do país e para sua posição geopolítica.
- a) Exportações e Investimentos
- A China é a “fábrica do mundo”, exportando manufaturas para todos os continentes, aproveitando-se das brechas deixadas pelos preços inflacionados pela especulação da economia global financeirizada e vendendo seus produtos a preços baseados na economia real. Setores como eletrônicos, têxteis e maquinário são pilares dessa integração.
- O poderoso mercado interno do país também atrai investimentos estrangeiros diretos (IED) para setores como tecnologia, manufatura e infraestrutura, sempre orientados e limitados pelo planejamento estatal centralizado.
- b) Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI)
- A BRI é um projeto de infraestrutura global que visa expandir as relações econômicas e políticas da China, baseadas em trocas mutuamente vantajosas e com base na economia real, respeitando o desenvolvimento de cada parceiro ou país, e conectando-a a mais de 140 países por meio de investimentos em portos, ferrovias e energia.
- A BRI reforça a integração da China ao mercado global em bases da produção e economia real, e não na economia financeirizada, ao mesmo tempo que apoia e promove o desenvolvimento de países parceiros, com base nesses princípios.
- c) Participação em Organizações Internacionais
- A China é membro ativo de organizações como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento (AIIB) e o G20, onde defende seus interesses econômicos e promove a globalização.
- A China leva em consideração todos os aspectos da economia financeirizada global, buscando retirar vantagens sem afrontar regras internacionais, praticando política de preços e trocas baseadas na economia real.
“A integração ao mercado global é essencial para o crescimento econômico da China e para sua posição como potência global.” – Adaptação da teoria econômica para o contexto chinês.
- Fortalecimento da Economia Interna
Ao mesmo tempo que se integra ao mercado global, a China prioriza o fortalecimento de sua economia interna, com foco na distribuição de riqueza, aumento de salários e expansão do mercado interno. Essa estratégia visa reduzir a dependência de exportações e investimentos, promovendo um crescimento mais sustentável e equilibrado.
- a) Distribuição de Riqueza
- A China implementou políticas para reduzir a desigualdade social, como programas de transferência de renda, investimentos em educação e saúde, e desenvolvimento regional.
- A redução da pobreza é uma prioridade, com mais de 800 milhões de pessoas saindo da pobreza nas últimas décadas.
- b) Aumento de Salários
- O governo chinês tem promovido aumentos salariais, especialmente nas regiões costeiras e urbanas, para impulsionar o consumo interno.
- A elevação dos salários também visa reduzir a dependência de mão de obra barata e promover a transição para uma economia baseada em tecnologia e inovação e mão de obra cada vez mais especializada e produtiva.
- c) Fortalecimento do Mercado Interno
- A China avança aceleradamente em sua transição de um modelo baseado em exportações e investimentos para um modelo baseado em consumo interno. Isso inclui incentivos ao consumo das famílias, como redução de impostos e subsídios para bens duráveis.
- O mercado interno chinês é visto como um motor de crescimento, especialmente em setores como tecnologia, serviços e consumo de bens tecnologicamente avançados.
“O fortalecimento da economia interna é essencial para a China reduzir sua dependência de exportações e promover um crescimento mais sustentável.”
– Adaptação da teoria econômica para o contexto chinês.
- Estratégia: Integração Global Soberana, com base na produção real e Fortalecimento Interno
A China adota uma estratégia que combina integração soberana ao mercado global e fortalecimento da economia real interna. Essa abordagem reflete a complexidade da economia chinesa e sua transição para um modelo mais equilibrado.
- a) Planos Quinquenais
- Os planos quinquenais da China estabelecem metas tanto para a integração global (exportações, investimentos estrangeiros) quanto para o fortalecimento interno (consumo, redução da pobreza, aumento de salários).
- O 14º Plano Quinquenal (2021-2025), por exemplo, prioriza a inovação tecnológica, a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento regional.
- b) Dual Circulation Strategy (Estratégia de Circulação Dupla)
- A “Estratégia de Circulação Dupla” é um conceito central do planejamento econômico chinês, que busca equilibrar a circulação interna (mercado interno) e a circulação externa (mercado global).
- O objetivo é tornar a economia chinesa mais resiliente a choques externos, como crises globais ou tensões comerciais.
- c) Investimentos em Tecnologia e Inovação
- A China está investindo pesadamente em tecnologia e inovação, com o objetivo de reduzir a dependência de importações de alta tecnologia e promover a autossuficiência.
- Setores como inteligência artificial, 5G e energia renovável são prioridades.
- Desafios e Contradições
A estratégia da China enfrenta desafios e contradições, que refletem as tensões entre integração global e fortalecimento interno.
- a) Dependência de Exportações
- Apesar dos esforços para fortalecer o mercado interno, a China ainda depende significativamente de exportações, especialmente em setores como manufatura e eletrônicos.
- b) Desigualdades Sociais e Regionais
- Apesar da redução da pobreza, a China ainda enfrenta desigualdades sociais e regionais, com grandes disparidades entre áreas urbanas e rurais.
- c) Tensões Geopolíticas
- A integração ao mercado global gera tensões geopolíticas, especialmente com os EUA, que veem a China como uma ameaça à sua hegemonia econômica e tecnológica.
O foco no desenvolvimento da economia real e combate ao capital fictício e a financeirização é sem dúvida uma importante fonte do sucesso da prosperidade e progresso da China
A China adota uma estratégia em seu planejamento econômico, buscando integrar-se de forma soberana ao mercado global e, ao mesmo tempo, fortalecer sua economia interna combatendo a financeirização. Essa abordagem reflete a complexidade da economia chinesa e sua transição para um modelo mais equilibrado, com maior ênfase no consumo interno e no bem-estar social.
Enquanto a integração global soberana é essencial para o crescimento econômico e a posição geopolítica da China, o fortalecimento interno é prioritário para promover um desenvolvimento mais sustentável e reduzir as desigualdades. A estratégia de circulação dupla e os planos quinquenais são exemplos de como a China busca equilibrar esses dois objetivos blindando sua economia dos ataques da financeirização do mundo capitalista.
Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois – Engenheiro Eletrônico formado pela USP e Coordenador de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.