Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    China

    Relação com a China pode acelerar o crescimento do setor ferroviário no Brasil

    Parceria estratégica pode impulsionar reindustrialização brasileira, fortalecer a economia e integrar a América do Sul com investimentos em ferrovias.

    POR: Diego Pautasso

    Alan Santos/PR

    O setor ferroviário como núcleo potencial das relações entre Brasil e ChinaÉ de amplo conhecimento o acelerado desenvolvimento chinês no setor ferroviário nas últimas décadas. Desde a inauguração do seu primeiro trecho – que liga Pequim a Tianjin, em 2008, a China está chegando a uma malha com incríveis 45 mil km. Além disso, o país modernizou sua extensa infraestrutura de trens convencionais, bem como expandiu a construção de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) nas grandes cidades como parte das soluções de transporte urbano. No mesmo sentido, foi impressionante a velocidade da construção das redes de metrô nas cidades chinesas, apresentando atualmente a maior malha mundial.

    A malha ferroviária do Brasil, ao contrário, regrediu. Após crescer até a década de 1950, chegando a 37 mil km, atualmente alcança cerca de 30 mil km. A totalidade da malha é convencional, grande parte operando com baixa tecnologia e praticamente restrita a transporte de mercadorias. 

    Mesmo sendo um país continental e sem grandes barreiras geográficas, há uma enorme debilidade e subaproveitamento do setor ferroviário no Brasil, respondendo por cerca de 20% do transporte de mercadorias no país. Não apenas isso, a América do Sul é o continente com a mais precária malha e integração ferroviária. Ou seja, aí reside um potencial para que o setor de infraestrutura ferroviária alavanque a cooperação sino-brasileira, a reindustrialização do Brasil e a integração sul-americana.  

    Avanço das relações sino-brasileiras

    O retorno de Lula ao Palácio do Planalto, em 2023, representou um relançamento das relações entre Brasil e China, abalada durante o mandato de Jair Bolsonaro, quando diversas declarações anti-chinesas foram feitas por autoridades governamentais. Ato contínuo a sua eleição, em março de 2024, o presidente Lula visitou Pequim com uma grande delegação, retornando ao país asiático após as visitas de 2004, 2008 e 2009. Esta última, resultou em mais de 15 acordos e investimentos estimados em R$ 50 bilhões, além de outras 40 parcerias. No final do mesmo ano, foi a vez de Xi Jinping visitar o Brasil, que resultando em outros 37 acordos e memorandos.

    Fato é que as relações geoeconômicas sino-brasileiro vêm progredindo sistematicamente ao longo do século XXI, apesar das mudanças de conjunturas internas e internacionais. Aliás, desde 2002, antes de Lula assumir, o fluxo comercial passou de  US$ 4,4 bilhões de dólares para quase US$ 68 bilhões quando a presidente Dilma foi derrubada do cargo por um impeachment golpista em 2016. E apesar da diplomacia errática de Bolsonaro, em 2022 o comércio totalizou US$ 150 bilhões – responsável por R$ 28,9 bilhões de superávit ou quase metade do total de R$ 61 bilhões. Em 2023, a participação da China nas exportações brasileiras aumentou para 30,7% e as importações brasileiras de produtos chineses representaram 22,1% do total. Foi a primeira vez que as exportações para a China bateram a marca de mais de US$ 100 bilhões de dólares.

    Os importantes superávits comerciais do Brasil com a China têm sido determinantes para a economia nacional. Todavia, a pauta de exportação continua concentrada em poucos produtos de menor valor agregado, tais como soja, minério de ferro, petróleo e proteína animal, colocando o desafio de retomar a industrialização e aumentar a complexidade de tais bens destinados ao exterior. Tudo isso num contexto em que o governo Lula assume premido pela necessidade de retomar o crescimento econômico e melhorar o padrão geral de vida, mas enfrenta um quadro difícil, porque não tem maioria no Congresso, há limites orçamentários estreitos decorrentes do Teto de Gastos e, ainda, a sociedade segue polarizada.

    Trem de metrô produzido com fibra de carbono começa a operar em Qingdao, China. Foto: Li Ziheng/Xinhua

    Trem de metrô produzido com fibra de carbono começa a operar em Qingdao, China. Foto: Li Ziheng/Xinhua

    É justamente por isso que a infraestrutura pode ser o elemento chave para alavancar a cooperação entre Brasil e China a outro patamar. Por um lado, a China tem capacidade produtiva em bens de produção, meios de financiamento e expertise em engenharia e construção civil. Por outro, o Brasil precisa gerar empregos e revitalizar a infraestrutura, ao mesmo tempo em que recupera as empreiteiras destruídas pela Lava Jato – operação realizada pela Polícia Federal sob os auspícios do juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Como sabemos, um grande programa de obras públicas tem potencial multiplicador no impulso ao desenvolvimento nacional sem paralelo. 

    Caso das ferrovias e cooperação bilateral

    O governo Lula anunciou uma nova onda de investimento na expansão da malha ferroviária do Brasil no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A previsão é viabilizar seis trechos ferroviários voltados para o transporte de passageiros, todos de âmbito regional: Pelotas-Rio Grande, Londrina-Maringá, Brasília-Luziânia, Salvador-Feira de Santana, Fortaleza-Sobral e São Luís-Itapecuru, além do Trem Intercidades entre São Paulo e Campinas. As ferrovias interestaduais projetadas são de mercadorias, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), a Ferrogrão. Isso, porém, está muito aquém das necessidades do Brasil em trens convencionais, metrôs, VLT e trens de alta velocidade.

    Obras da Ferrovia Transnordestina, em Iguatu (CE), em 03/04/2024. Foto: Marcio Ferreira/Ministério dos Transportes

    Além de investimentos e expertise na construção, isso pode ser feito através de joint ventures com empreiteiras nacionais de modo a impulsionar a indústria nacional, transferir tecnologias e proporcionar inovação e empregos em território nacional. A produção de trilhos e vagões pode ter um efeito significativo para a indústria brasileira, por exemplo. Aqui encontramos o enlace entre o novo PAC e o potencial da China vir a ser um promotor da reindustrialização brasileira, convergindo com o programa Nova Indústria Brasil, cujos recursos estão previstos em R$ 300 bilhões de reais em financiamentos e subsídios. Inclusive, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, em visita ao Brasil, sugeriu que os investimentos internacionais da Iniciativa Cinturão e Rota (ou Nova Rota da Seda) poderiam impulsionar o PAC.

    Brasil e China: Inovação e Sustentabilidade na Era da Fratura Hegemônica

    Contudo, o potencial dos investimentos ferroviários vai bem além. Há o imperativo de impulsionar a integração e o desenvolvimento da América do Sul. Trata-se, afinal, de um mercado de cerca de 450 milhões de pessoas, cuja plataforma regional é o Brasil e o fluxo de passageiros e mercadorias é limitado pela debilidade da infraestrutura de integração. Ou seja, Brasil e China, potencializados pela Belt and Road, podem impulsionar grandes obras de infraestrutura e a integração física da América do Sul.

    Em 2024, inclusive, o governo Lula lançou o projeto Rotas de Integração Sul-Americana. São cinco rotas e 190 projetos com potencial de contribuir com a integração regional. Além dos recursos orçamentários, as obras de integração no território brasileiro podem contar com um financiamento de US$ 3 bilhões do BNDES, enquanto os bancos regionais de desenvolvimento – Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) e Fonplata – disponibilizaram outros US$ 7 bilhões. Aqui, novamente, o China Development Bank (CDB) e o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS (NBD) poderiam ser chave para financiar o desenvolvimento nacional e sul-americano.

    Considerações finais 

    O fortalecimento das relações entre Brasil e China tem avançado muito no comércio nas últimas décadas. São dois grandes países emergentes, com papel fundamental em seus continentes, e decisivos para a nova ordem mundial multipolar e para a construção de uma outra globalização. A sinergia tem crescido no âmbito multilateral, como vemos no fórum China-CELAC, no BRICS+, entre outros. Isso é particularmente importante tendo em vista a crise econômica mundial e as instabilidades decorrentes de políticas que insistem na lógica neoliberal e do hegemonismo, sob égide de Washington. 

    Nesse sentido, os investimentos em infraestrutura, notadamente no setor ferroviário, podem representar um marco. Primeiramente, isso vai alavancar o desenvolvimento econômico, seja pelo comércio e sua eficiência logística, seja pela reindustrialização relacionada às grandes obras. Segundo, e determinante para o continente, vai promover a integração regional. Terceiro, pode impulsionar o turismo e o fluxo cultural. Por fim, mas não menos importante, é um modal mais seguro e sustentável. Essa é uma chave para o futuro das relações entre Brasil e China, cujos transbordamentos teriam efeitos notáveis.  

     

    * Diego Pautasso é pós-Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais, professor do Colégio Militar de Porto e diretor de pesquisas do Centro de Estudos Avançados Brasil China (Cebrac). Autor dos livros “Imperialismo – ainda faz sentido na Era da Globalização?” e “China e Rússia no Pós-Guerra Fria”, bem como co-autor de “A China e a Nova Rota da Seda”, “Teoria das Relações Internacionais: contribuições marxistas” e de “Domenico Losurdo: crítico do nosso tempo”. 

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

    Notícias Relacionadas