Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Ciência e Tecnologia

    A ciência voltou: um balanço do MCTI no período 2023-2025

    Após anos de descaso com a ciência sob o governo Bolsonaro, a gestão da ministra Luciana Santos (PCdoB) e do secretário-executivo Luis Fernandes no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) trouxe conquistas estratégicas para o Brasil. Inteligência Artificial e sustentabilidade estão no centro da agenda.

    POR: Theófilo Rodrigues

    A ministra Luciana Santos ao lado do Secretário-Executivo do MCTI, Luis Manuel Rebelo Fernandes.
    A ministra Luciana Santos ao lado do Secretário-Executivo do MCTI, Luis Manuel Rebelo Fernandes. Foto: MCTI

    Entre 2019 e 2022, o Brasil viveu tempos sombrios para a ciência. O negacionismo, em suas mais diversas vertentes, assumiu protagonismo. No caso da ciência, esse negacionismo foi responsável por uma tragédia de consequências calamitosas para a saúde da população. Ao lado desse negacionismo, os investimentos em ciência, tecnologia e inovação foram reduzidos drasticamente. Para termos ideia, o Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) perdeu quase metade de seus recursos nesse período. Criado em 1969, o FNDCT é o principal instrumento para o financiamento da ciência no país.

    Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República em outubro de 2022, a expectativa de que a ciência pudesse voltar a ter protagonismo foi grande. E, de fato, isso foi o que ocorreu. A indicação feita por Lula para que Luciana Santos assumisse, em janeiro de 2023, o Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) foi comemorada por todo o campo científico e pela academia. Tendo ao seu lado como Secretário Executivo o professor Luis Manuel Rebelo Fernandes, Luciana conseguiu recompor o FNDCT e lançar programas estratégicos para a soberania e o desenvolvimento sustentável nacional. Vale lembrar que, desde o início de 2023, o MCTI destinou mais de R$ 26,3 bilhões do FNDCT para fortalecer a ciência brasileira. Esses recursos superam os investimentos entre 2020 e 2022, que somados não chegaram a R$ 10,5 bilhões (1).

    Leia mais: Os comunistas, a ciência e a tecnologia

    Passados dois anos desde a nomeação de Luciana Santos como ministra, já temos condições de realizar um balanço do que foi essa gestão. O que orientou todas as ações da estrategia Santos-Fernandes foi a percepção de que as capacidades nacionais em ciência, tecnologia e inovação se tornaram um vetor central da reconfiguração do poder mundial. Isso significa dizer que, se o Brasil tem pretensão de alterar sua posição relativa no sistema internacional, é preciso incorporar de forma consistente “a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico e a inovação às suas políticas e ações de promoção do crescimento econômico” (2).

    Vejamos abaixo alguns dos projetos e programas estratégicos desenvolvidos nesse período.

    Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA)

    Na última semana, a informação divulgada pela empresa chinesa DeepSeek de que o seu modelo de inteligência artificial seria mais barato e superior em qualidade ao de empresas americanas como ChatGPT e Meta AI causou um frisson. Mais do que isso, demonstrou a importância de países terem seus próprios modelos de inteligência artificial.

    Prevendo que esse seria o futuro, o MCTI anunciou, em julho de 2024, o lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA). Construído com a participação de mais de 300 especialistas, o PBIA foi aprovado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT).

    De acordo com o PBIA, no período entre 2024 e 2028 o Estado brasileiro deverá investir cerca de R$ 23 bilhões em IA. O montante é maior do que países como França, Itália e Reino Unido pretendem investir. Uma das ações do PBIA é o investimento em um supercomputador para o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), que fica em Petrópolis-RJ, que possa atender a demanda de pesquisas na área. Ao lançar o PBIA, o MCTI posicionou Brasil de forma estratégica na disputa global por modelos de inteligência artificial.

    5a. Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5a. CNCTI)

    O PBIA foi anunciado justamente na mesa de abertura da 5a. Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5a. CNCTI). Após 14 anos sem ser realizada, a 5a. edição da CNCTI foi a maior da história, com a participação de mais de 70 mil pessoas nas reuniões preparatórias e de 5.300 pessoas presencialmente na etapa nacional.

    Leia mais: 5ª. CNCTI: sustentabilidade e inteligência artificial no centro da agenda

    Além da Inteligência Artificial, essa CNCTI colocou a sustentabilidade no centro da agenda do país. No processo de construção, até mesmo uma etapa livre voltada para a Amazônia foi realizada. Intitulada Conferência Livre “Amazônia – Para um futuro sustentável e inclusivo”, o evento discutiu o desafio da ciência brasileira no que se refere à Amazônia. Não é pouco lembrar que no próprio MCTI haja uma subsecretaria de Ciência e Tecnologia para a Amazônia coordenada pela professora Tanara Lauschner.

    Programa Mais Ciência na Amazônia

    Foi essa compreensão sobre a importância da Amazônia para a soberana nacional que fez o MCTI anunciar um investimento de R$ 3,4 bilhões entre 2024 e 2026 para o Programa Mais Ciência na Amazônia. Este programa, financiado pelo FNDCT, representa o maior aporte de recursos já destinado à ciência na região. Esses recursos serão investidos para recuperar e consolidar a infraestrutura de pesquisa, aperfeiçoar os sistemas de monitoramento da Amazônia, apoiar a inovação e o desenvolvimento de cadeias produtivas, ampliar a segurança alimentar, expandir a conectividade e promover a capacitação digital, atrair e fixar pesquisadores e preservar os acervos. O pano de fundo é a valorização da bioeconomia.

    Centros Avançados de Desenvolvimento Sustentável

    Nessa mesma direção, merece registro a parceria do MCTI com o CNPq que liberou R$ 300 milhões para a criação de 48 centros avançados focados em áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. O objetivo é impulsionar a inovação e o desenvolvimento sustentável na região.

    Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)

    Criado em 2011, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) tem por objetivo usar tecnologias modernas de monitoramento e previsões hidrometeorológicas e geodinâmicas para a prevenção e mitigação de desastres. Atualmente, o órgão monitora 1.133 municípios brasileiros, o que corresponde a 20% das cidades brasileiras e cerca de 60% da população do país. Nesses últimos anos, o esforço do MCTI tem sido o de ampliar o número de municípios monitorados pelo Cemaden.

    Programa CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres)

    O Programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite, na sigla em inglês) é uma parceria entre o Brasil e a China para o desenvolvimento de satélites de sensoriamento remoto. Essa parceria teve início em 1988 e desde então já lançou 6 satélites para o espaço. Em 2023, o MCTI assinou com a China o acordo para a construção do CBERS-6, o mais avançado satélite dessa série que deverá ficar pronto em 2028. Esses satélites são fundamentais para o monitoramento ambiental, agrícola e de recursos naturais. Um desafio para o futuro é fazer com que o CBERS seja lançado do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Até o momento, os lançamentos foram feitos da base na China.

    Projeto Sirius

    Outro grande investimento do MCTI tem sido no chamado Projeto Sirius. O Projeto Sirius é uma das fontes de luz síncrotron de quarta geração mais avançadas do mundo, localizada no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. A meta do MCTI é fazer com que sejam destinados até 2026 cerca de R$ 800 milhões para o Sirius.

    Componente do acelerador de partículas Sirius, no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais – CNPEM/MCTI. Foto: Luara Baggi (ASCOM/MCTI)

    Laboratório Orion

    O MCTI também aposta na construção de um complexo de biossegurança nível 4 (NB4) integrado ao Sirius. Com previsão de conclusão em 2026, o Orion receberá um investimento de R$ 1 bilhão e será o primeiro laboratório desse nível na América Latina, ampliando a capacidade de pesquisa em doenças infecciosas e outros agentes biológicos de alta periculosidade.

    Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec)

    No mundo da alta tecnologia, a soberania sobre a produção de semicondutores é indispensável. Por essa razão, o anúncio feito pelo MCTI, em fins de 2024, de investimento de R$ 220 milhões no Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) – a empresa pública nacional produtora de semicondutores – foi tão comemorada. Os recursos, provenientes do FNDCT, serão investidos ao longo de três anos: R$ 96,5 milhões em 2024, R$ 101,5 milhões em 2025 e R$ 22,36 milhões em 2026. Trata-se de um investimento relevante para a transição energética e a sustentabilidade, pois esses semicondutores têm aplicações em sistemas de conversão de energia solar e módulos de controle para veículos elétricos (3).

    Laboratório de Tecnologias Quânticas do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)

    Há também investimentos para o país não ficar de fora da corrida das tecnologias quânticas. Por meio da Finep, o MCTI financiou a implementação do Laboratório de Tecnologias Quânticas do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Localizado no Rio de Janeiro, o Laboratório se destina à fabricação de dispositivos supercondutores, mais especificamente chips quânticos (4).

    Reajuste das bolsas de pesquisa do CNPq

    Uma das primeiras ações dessa gestão no MCTI, logo no início de 2023, foi o reajuste das bolsas de pesquisa do CNPq. Esse reajuste foi de 40% para os alunos do mestrado e doutorado, de 25% para os pós-doutorandos, de 75% para a iniciação científica e de 200% para a iniciação científica junior. O último reajuste nos valores das bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado ocorreu em abril de 2013. O número total de bolsas também passou por grande ampliação. Essa medida foi fundamental para a valorização daqueles que constroem a ciência brasileira no chão da fábrica (5).

    MCTI como instrumento da estratégia de desenvolvimento sustentável e soberano

    Como podemos ver, a estratégia Santos-Fernandes nos últimos dois anos buscou reposicionar o Brasil no cenário internacional por meio do desenvolvimento científico e tecnológico. Num mundo em profunda transformação, a continuidade dessa estratégia é pilar fundamental para a garantia da soberania do país.

    Notas:

    (1) Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2024/12/mcti-tem-recorde-de-investimentos-em-ciencia-tecnologia-e-inclusao-digital#:~:text=Os%20recursos%20superam%20os%20investimentos,pelo%20Conselho%20Diretor%20do%20FNDCT.

    (2) GARCIA, A. S., REBELO FERNANDES, L. M., RUFINO DE CARVALHO, S., & VIEGAS, L.. A vingança de Prometeu: ciência, tecnologia, inovação e a reconfiguração do poder internacional no século XXI. Revista Tempo Do Mundo, (28), 43-84, 2022.

    (3) Disponível em: http://www.ceitec-sa.com/pt/Paginas/CEITEC-Recebe-Investimento-de-R$-220-Milh%C3%B5es-para-Moderniza%C3%A7%C3%A3o-e-Produ%C3%A7%C3%A3o-de-Semicondutores.aspx

    (4) Disponível em: https://www.gov.br/cbpf/pt-br/assuntos/noticias/laboratorio-de-tecnologias-quanticas-do-cbpf-recebe-19-milhoes-da-finep

    (5) Disponível em: https://www.gov.br/cnpq/pt-br/assuntos/noticias/cnpq-em-acao/governo-federal-anuncia-reajuste-de-bolsas-do-cnpq-e-da-capes

    ******************

    Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM e Coordenador do Grupo de Pesquisa da FMG sobre a Sociedade Brasileira.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.