Sete teses sobre a guerra na Ucrânia
Nossas pesquisas têm apontado que:
1) A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma organização internacional político-militar da cadeia imperialista liderada pelos Estados Unidos. Em sua dinâmica está a expansão do capitalismo ocidental, a qual não tolera projetos nacionais e autônomos de desenvolvimento capitalista, governos não alinhados ao Ocidente, políticas externas independentes e projetos alternativos ao capitalismo neoliberal atual.
2) O expansionismo da OTAN e sua imposição de princípios burgueses, que procurou destruir a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e que procura neutralizar/incorporar a Rússia, são, de longe, a principal causa da guerra.
Leia também: Entenda como a Rússia Soviética derrotou intervenção estrangeira e recuperou a Ucrânia
3) O processo político ucraniano conhecido como Euromaidan, iniciado em 2013, foi um dos golpes coloridos influenciados pela diplomacia estadunidense. O golpe depôs um governo eleito pró-Rússia – não alinhado a Washington –, promoveu uma rebelião nas províncias do Donbass – de maioria étnica russa – e abriu caminho para governos dispostos a tal alinhamento e a fazer parte da União Europeia e da OTAN.
4) Além de despertar forças neonazistas, o golpe resultou na ascensão do governo de Volodymyr Zelensky, que não respeitou os Acordos de Minsk, os quais propunham autonomia para as províncias da região do Donbass. Governos e forças neonazistas passaram a fustigar a população daquela região.
5) O governo russo de Vladimir Putin constituiu-se em oposição ao governo neoliberal de Boris Yeltsin — alinhado aos EUA nos anos 1990 — e promove uma deterioração da democracia burguesa, com uma tendência aparente ao bonapartismo. Ao mesmo tempo, defende um projeto nacional e autônomo de desenvolvimento capitalista e uma política externa independente, além de se aproximar da China, o que é intolerável para o Ocidente e para a OTAN.
Por que Trump abandonou Kiev? Veja na TV Grabois
6) A guerra na Ucrânia é uma guerra contra-imperialista. Iniciada como uma operação militar contraofensiva do governo Putin, nela se opõem o Estado ucraniano, aliado à cadeia imperialista/OTAN liderada pelos EUA, e o Estado russo. Além do seu caráter antagônico ao expansionismo imperialista da OTAN, não deixa de ser igualmente uma guerra de defesa.
7) Toda a ajuda econômica e militar à Ucrânia, assim como todas as sanções e restrições econômicas aplicadas à Rússia pelo Ocidente, não foram capazes de deter as forças armadas de Moscou nem de abalar a economia e as instituições políticas russas. O governo Putin construiu uma economia de guerra, fortalecendo a atividade estatal, a indústria nacional e o mercado interno, além de aprofundar relações com países da Ásia, da África e de outras regiões da periferia global. Nesse sentido, o Estado russo se apresenta como um agente da transformação do sistema internacional.
O campo de batalha

Situação no Campo de Batalha – Atualização sobre a Ucrânia (21 de fevereiro de 2025)
Fonte: Inteligência de Defesa do Reino Unido (Defence Intelligence UK)
Dividimos aqui a guerra na Ucrânia em três fases distintas. A primeira fase foi marcada pela contraofensiva russa diante do avanço da OTAN e da pressão ucraniana nas províncias separatistas de Donetsk e Luhansk, no Donbass, no leste da Ucrânia. Nessa fase, a Rússia conquistou a maior parte do território que mantém sob seu controle até hoje.
A segunda fase foi a reação da OTAN e da Ucrânia, com todo o auxílio vindo do Ocidente, que causou perdas e retrocessos aos russos. Em junho de 2023, o governo Zelensky lançou uma ofensiva que não foi capaz de penetrar nas linhas de defesa russas. Ainda, longas e sangrentas batalhas foram travadas, como nas cidades de Bakmut e Avdiivka, com vitória russa.
A terceira fase é uma nova contraofensiva russa, bem-sucedida, que vem conquistando gradativamente novos territórios. O objetivo russo nessa fase é controlar a integridade das quatro províncias de Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson, além de manter a Crimeia, anexada em 2014. Atualmente, a Rússia controla quase totalmente essas cinco províncias, em uma faixa territorial que vai da Rússia até a Crimeia e ocupa cerca de 1/5 da Ucrânia.
Em paralelo, as forças ucranianas realizaram um ataque surpresa em agosto de 2024, avançando cerca de 30 km em território russo, na região de Kursk. As forças armadas da Ucrânia afirmam controlar uma área de mais de 1.200 km² e 93 vilarejos. Parte desse território foi reconquistado, mas os ucranianos ainda mantém tropas na região. O governo Zelensky pretende usar tal área como meio de troca diante do território ocupado pelos russos. Contudo, há uma larga vantagem da Rússia no campo de batalha, como mostram os mapas, de modo que qualquer negociação entre os beligerantes provavelmente não trará prejuízos ao governo Putin.
A atual conjuntura
Antes da eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, os governos estadunidense, europeus e ucraniano formavam um bloco coeso com o objetivo de sustentar e melhorar as forças armadas ucranianas, derrotar os russos no campo de batalha e vencer a guerra. Apesar de alguns atritos e desentendimentos, mantinham certa unidade, a tal ponto que a ajuda militar, econômica e humanitária do Ocidente atingiu 246 bilhões de euros. Os EUA são os maiores doadores, com 114 bilhões de euros. A OTAN chegou a treinar tropas ucranianas, e o governo Biden autorizou o uso de armas estadunidenses para atingir o interior do território russo. Mas tudo isso parece estar mesmo no passado.
Enquanto a Rússia ganha terreno mais rapidamente do que em qualquer outro momento da guerra, a nova avaliação da política externa dos EUA é de que a atual ordem mundial está obsoleta, uma vez que trouxe para o país custos, guerras e a ascensão de novas potências. Washington declara a necessidade de substituir a ordem liberal do pós-guerra, marcada por instituições formalmente multilaterais fundadas pelos governos estadunidenses, por uma nova supremacia dos EUA, calcada no poder econômico e militar unilateral: construir uma nova ordem pela força, sob o lema Make America Great Again. Olhando de outro ângulo, para os Estados Unidos da América, a guerra na Ucrânia e a OTAN não são prioridades.
O fator Trump na guerra na Ucrânia pode ser resumido pelas posições de agentes do Estado. Em reunião do Grupo de Contato de Defesa da Ucrânia, o secretário de defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, disse que a guerra deve acabar, mas que a adesão do país à OTAN é irreal:
“Os Estados Unidos não acreditam que a adesão da Ucrânia à OTAN seja um resultado realista de um acordo negociado.”.
Hegseth também afirmou que os EUA deixarão de priorizar a segurança europeia e ucraniana, pois o governo Trump enfatizará a proteção de suas próprias fronteiras e os os problemas com a China. Ainda, declarou que as forças armadas europeias devem ser a principal força encarregada da proteção à Ucrânia após a guerra e que os EUA não se envolverão nesse processo:
“Para ser claro, como parte de qualquer garantia de segurança, não haverá tropas dos EUA enviadas para a Ucrânia.”
O secretário avaliou ainda que é irrealista esperar que as fronteiras ucranianas retornem ao que eram antes de 2014, ponto que Zelensky já tem indiretamente reconhecido em declarações recentes.. Por fim, Hegseth não anunciou novos auxílios para a Ucrânia. Em suma, o secretário deu um banho de água fria nos europeus, que terceirizaram sua segurança, e no governo Zelensky, completamente dependente da ajuda ocidental:
“Também estamos aqui hoje para expressar direta e inequivocamente que duras realidades estratégicas impedem que os Estados Unidos da América se concentrem principalmente na segurança da Europa.”
Em um posicionamento mais geral, mas que faz críticas aos europeus e afeta a guerra, o vice-presidente dos Estados Unidos, James David Vance, foi bastante claro na Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha. Disse que a maior ameaça à Europa “vem de dentro”, argumentando que os europeus “se afastaram dos valores fundamentais” e estão ignorando as “preocupações dos eleitores” sobre imigração e liberdade de expressão.

Vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance fala na Conferência de Segurança de Munique, 14/02/2025. Foto: MSC/Conzelmann
Vance mencionou a prisão de um homem que protestava perto de uma clínica de aborto no Reino Unido e a censura de uma campanha anti-islâmica na Suécia como limitações à democracia. Para ele:
“A ameaça que mais me preocupa em relação à Europa não é a Rússia, não é a China, não é nenhum outro fator externo. O que me preocupa é a ameaça que vem de dentro: o recuo da Europa em alguns de seus valores mais fundamentais.”
E acrescentou:
“Para nós, do outro lado do oceano Atlântico, parece cada vez mais que há interesses antigos e enraizados por trás de palavras que parecem ter vindo de uma era soviética, como informações falsas ou desinformação, em que as pessoas não gostavam da ideia de alguém ter um ponto de vista diferente, expressar sua opinião ou, Deus me livre, votar de forma diferente — ou, pior ainda, vencer uma eleição.”
Tais declarações, inseridas no contexto internacional atual, em que o governo Trump é parte integrante de uma aliança transnacional neofascista — e talvez a cabeça desse movimento —, mostram a natureza reacionária de seu governo: o combate ao fantasma do comunismo e a qualquer movimento político que se oponha aos princípios neofascistas e a tendência de substituir a democracia burguesa pela ditadura fascista, tudo mantido, obviamente, dentro da ordem capitalista.
Trump é nazista: uma análise das similaridades políticas e ideológicas
Fora do campo de batalha, no mais recente episódio da guerra na Ucrânia os ministros de relações exteriores de EUA e Rússia se reuniram na Arábia Saudita, sem europeus e ucranianos. Acordaram quatro pontos sobre o fim da guerra, ainda que vagos:
- Restabelecer a funcionalidade das instalações diplomáticas, operando e funcionando normalmente, para avançar nas negociações;
- Os EUA formarão uma equipe de alto nível para trabalhar pelo fim do conflito, de modo que seja duradouro e aceitável para todas as partes envolvidas;
- Discutir, pensar e examinar a cooperação geopolítica e econômica para os países após o fim do conflito;
- As cinco autoridades que participaram da reunião — o secretário de Estado, Marco Rubio, o conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, o enviado especial, Steve Witkoff, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, e o assessor presidencial, Yuri Ushakov — continuarão engajados no avanço desse processo.
Parece que o triunfo no campo de batalha garantiu a Putin uma vitória diplomática vinda de onde menos se esperava: dos EUA.
Caio Bugiato é professor de ciência política e relações internacionais da UFRRJ e do programa de pós-graduação em relações internacionais da UFABC. É pesquisador do Observatório Internacional da FMG.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.