2024 findou – o Brasil retoma sua produção científica? Nos últimos anos, a produção científica brasileira experimentou uma inflexão em seu ciclo de crescimento. Matérias jornalísticas e análises especializadas apresentam dados que ajudam a contextualizar e entender os fatores que contribuíram para esse cenário. Apesar do quadro desafiador, o momento é frutífero para pensar as causas e consequências que conduziram o país à diminuição da produção científica e, o mais importante, refletir sobre a ciência e inovação que o Brasil deseja e necessita para o futuro.
De acordo com a Agência Bori em conjunto com a Elsevier (2023), a produção científica brasileira que se apresentava em crescimento constante nas décadas anteriores, teve uma queda perceptível em 2022 e repetindo-se em 2023. Este documento demonstra que, em tal período, o número de artigos científicos publicados por pesquisadores brasileiros em revistas internacionais de alto impacto sofreu um decréscimo de aproximadamente 20%. Segundo dados do SCIVAL, essa retração continuou. Essa redução está associada a uma série de fatores, como os cortes orçamentários na área de ciência e tecnologia e as mudanças nas políticas públicas para o setor, o que tem levado muitos cientistas brasileiros a buscarem oportunidades no exterior.
Os cortes nos investimentos públicos em pesquisa foram determinantes nessa desaceleração. Entre 2014 e 2021, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) foi reduzido em mais de 50%, o que impactou diretamente na capacidade de financiamento de projetos e bolsas de estudo. Programas foram descontinuados ou tiveram seus recursos reduzidos, limitando as oportunidades de intercâmbio e formação de jovens cientistas. Esses cortes também afetaram universidades e institutos de pesquisa, que dependem de recursos públicos para manter a operacionalização de laboratórios e a execução de pesquisas de ponta.
Outro fator que tem influenciado a produção científica no Brasil é a migração de talentos para o exterior, com destaque para áreas estratégicas como engenharias, ciências da saúde, tecnologia, entre outras. Esse movimento, extremamente preocupante, também reflete a globalização da ciência e a busca por ambientes com maior estabilidade financeira e infraestrutura avançada para pesquisa. A internacionalização da ciência brasileira pode, em parte, trazer benefícios, como a criação de redes de colaboração global e o intercâmbio de conhecimentos, mas apenas se o país também investir em políticas voltadas para reter e atrair talentos de volta.
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A pandemia de COVID-19 evidenciou a importância da ciência e da pesquisa para a sociedade, mas também revelou algumas das limitações do sistema científico nacional. Enquanto países como Estados Unidos e China investiram maciçamente na pesquisa e no desenvolvimento de vacinas, o Brasil enfrentou desafios para manter laboratórios em funcionamento e financiar estudos relevantes. Apesar disso, iniciativas locais demonstraram a capacidade de inovação e resiliência dos pesquisadores do país, reforçando a necessidade de um apoio contínuo e estruturado para a ciência nacional.
É consenso de quem compreende a importância da ciência que, para retomar o crescimento da produção científica, é fundamental adotar políticas públicas eficientes que incentivem a pesquisa. Isso inclui não apenas o aumento de investimentos, mas também a criação de um ambiente favorável à colaboração entre universidades, institutos de pesquisa e outros tipos de instituições. Parcerias podem ser uma estratégia eficaz para ampliar o financiamento de pesquisas e acelerar a aplicação de descobertas científicas no mercado, sem perder de vista que os interesses do mercado não podem se sobrepor ao livre pensamento científico, cuja massa crítica se encontra em sua maior proporção nas Universidades. Além disso, é importante fortalecer programas de formação e capacitação de jovens pesquisadores, garantindo que haja uma nova geração de cientistas preparados para enfrentar os desafios do futuro.
Outro aspecto relevante é a divulgação científica, que desempenha um papel crucial na valorização da ciência perante a sociedade. Iniciativas voltadas para tornar a pesquisa acessível ao público geral e aos responsáveis por políticas públicas são essenciais para consolidar uma cultura que reconheça a importância da pesquisa para o desenvolvimento do país. Uma comunicação nítida, estratégica e acessível dos avanços científicos pode contribuir para o engajamento social e garantir o suporte necessário para a formulação de políticas de Estado adequadas ao setor.
Apesar da queda na quantidade de artigos científicos publicados, é importante destacar que houve uma melhora significativa na qualidade e no impacto das pesquisas realizadas no Brasil. Conforme exposto no artigo “O Brasil reduz sua produção científica – e a qualidade, como fica?”, publicado no Jornal da Ciência – da SBPC (Oliveira, R. L. & Quintans Júnior, L. J., 2023), a produção científica brasileira tem ganhado visibilidade e reconhecimento internacional. Isso se reflete no aumento do número de citações por artigo e na maior presença de pesquisas brasileiras em revistas de alto impacto. O estudo aponta que, embora o volume de publicações tenha diminuído, a qualidade dos trabalhos submetidos tem aumentado, indicando uma maior seletividade por parte dos pesquisadores na escolha de periódicos de maior prestígio e relevância.
Além disso, o artigo supracitado ressalta a importância da colaboração internacional como um dos pilares fundamentais desse processo. Parcerias com instituições estrangeiras de relevo têm viabilizado a participação de pesquisadores em estudos de maior impacto, ampliando a projeção internacional e a relevância de suas contribuições. Essa tendência sugere que, apesar da redução no número de publicações, a ciência nacional tem se tornado mais estratégica e focada em pesquisas que geram impacto real, tanto no âmbito acadêmico quanto na sociedade.
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É fundamental compreender que a produção científica de qualquer sistema ou arranjo institucional reflete os efeitos de ações implementadas em um período anterior. Em outras palavras, o impacto de políticas públicas de incentivo à pesquisa, por exemplo, só começa a ser observado após um intervalo de tempo considerável, geralmente de 1 a 2 anos, devido ao tempo necessário para a condução de estudos, análise de dados e elaboração de publicações. Dessa forma, o pico de produção científica observado durante o governo vigente em 2021 (Figura 1) é, em grande parte, resultado de políticas e investimentos realizados em gestões anteriores. Por outro lado, quedas na produção, como as registradas em 2022 e 2023, podem ser atribuídas a decisões e medidas tomadas pelo governo que antecedeu esse período. Essa relação temporal entre políticas públicas e resultados na produção científica é amplamente discutida e fundamentada ao longo deste trabalho.
Levando em conta este “delay” entre as ações de um governo e seus impactos na produção científica, nos parece pertinente analisar o contexto atual, com o Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva completando seu primeiro biênio (2023-2024). Então, torna-se essencial avaliar, ainda que de forma preliminar, os efeitos das medidas implementadas no setor científico, visto que nos primeiros dois anos do governo do Presidente Lula, foi implementada uma série de medidas voltadas para o fortalecimento da ciência, tecnologia e inovação no Brasil, buscando reverter os cortes orçamentários e a desvalorização do setor ocorridos nos anos anteriores. Essas ações não apenas visam restabelecer a capacidade investigativa do país, mas também reposicioná-lo como um ator relevante no cenário global do conhecimento.
Uma das principais iniciativas foi a recomposição orçamentária do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a garantia de recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal mecanismo de financiamento para pesquisas no país. Durante o governo anterior, parte significativa dos recursos do FNDCT foi contingenciada, reduzindo drasticamente o suporte a projetos científicos, especialmente no que se refere à infraestrutura para tal. Sob a gestão do Presidente Lula, esses recursos foram desbloqueados e ampliados, permitindo o financiamento de pesquisas estratégicas em diversas áreas do conhecimento. Essa medida foi crucial para retomar projetos interrompidos e impulsionar novas iniciativas de pesquisa.
Outra medida importante foi o reajuste do valor das bolsas para pós-graduandos e estudantes de iniciação científica, concedidas por agências como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), seguidos pelas Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados. Após longo período de congelamento, o governo anunciou reajustes significativos nos valores das bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, buscando aprimorar as condições de trabalho dos pesquisadores e mitigar a evasão de talentos. Essa medida tem sido considerada essencial para a valorização da carreira acadêmica e o incentivo à formação de novas gerações de cientistas.
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Adicionalmente, o CNPq também lançou uma série de editais estratégicos voltados para o fortalecimento da infraestrutura de pesquisa e a atração de talentos. Entre eles, destaca-se o edital direcionado a Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), que visam consolidar redes de pesquisa de excelência em áreas prioritárias para o desenvolvimento nacional. O propósito é expandir a capacidade produtiva dos INCTs, garantindo que continuem a exercer um papel central no desenvolvimento de soluções tecnológicas e científicas de impacto.
Com o intuito de minimizar o êxodo de cientistas brasileiros para o exterior, o CNPq também implementou programas específicos para estimular o retorno desses profissionais ao país. Esses programas incluem financiamento para projetos de pesquisa, infraestrutura adequada e apoio à reinserção dos cientistas no sistema nacional de ciência e tecnologia. A iniciativa é uma resposta à fuga de cérebros que o Brasil vivenciou nos últimos anos, buscando reter e recuperar profissionais qualificados que possam contribuir para o avanço da pesquisa nacional.
Paralelamente, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) tem mantido um fluxo contínuo de editais voltados para o aprimoramento da infraestrutura científica do país, com recursos provenientes do FNDCT. A CAPES, por sua vez, tem reforçado o investimento na pós-graduação, reativando programas estratégicos, como o pós-doutorado institucional e o Pró-Equipamentos, essenciais para a modernização dos laboratórios de pesquisa.
Todas as medidas relacionadas acima são importantes, mas ainda insuficientes, visto que o orçamento das Universidades Federais – um dos principais motores da ciência brasileira – continua estagnado e ainda sem a recomposição esperada. Desse modo, um dos principais lócus de execução da pesquisa no país segue sob forte restrição financeira, configurando-se como um dos maiores entraves à expansão e consolidação da pesquisa de ponta no Brasil.
Diante desse cenário, é fundamental analisar o comportamento da produção científica no período recente, após a divulgação do estudo da Agência Bori e a Elsevier em 2023. Chegamos a 2025, com os dados obtidos no SCIVAL (Figura 1) nos mostrando que em 2024 o país demonstra retomada em sua produção científica, com incremento de aproximadamente 6% em relação a 2023. Este aumento percentual correspondeu a um total de 3.538 artigos a mais que o montante publicado em 2023. Podemos dizer que retomamos o crescimento de nossa produção científica? Se sim, é possível inferir que o retorno após a pandemia e a retomada de valorização da ciência por parte do governo federal já começa a surtir efeitos. Os números são alvissareiros e indicam que sim, contudo, ainda há muito que se fazer para que haja uma política duradoura de favorecimento da ciência como base para o crescimento do país.

Figura 1. Produção anual de artigos científicos brasileiros (x1000) entre 2014 e 2024 (SCIVAL,
2025)
A fim de compreender melhor essa evolução, é imprescindível recorrer a indicadores bibliométricos de qualidade. Embora esses índices não sejam os únicos parâmetros para avaliar o desempenho da ciência, especialmente em áreas como humanidades e artes, estes indicadores são ainda a melhor proxy para o impacto e a qualidade das publicações científicas. Feita esta ressalva, observemos que os dados obtidos no SCIVAL (2025) dão conta de que o crescimento quantitativo da produção total, registrado para 2024, vem acompanhado de elevação da proporção desses artigos sendo publicados nas revistas mais citadas e consultadas no mundo. Na Figura 2 podemos observar a variação, ao longo dos anos, do percentual de artigos brasileiros publicados no seleto grupo correspondente às revistas científicas que estão entre as 25% (Top 25%) mais citadas globalmente. O Brasil, mesmo durante o período em que a produção declinava, se posicionou melhorando continuamente seu percentual de publicações neste grupo. Não foi diferente em 2024, quando atingiu sua maior marca, chegando a 48,7% de sua produção nesses veículos. Para quem está familiarizado com a classificação Qualis Periódicos da Capes, este grupo corresponderia aos estratos A1+A2 na maioria das áreas de avaliação. Pode-se arriscar a dizer que o país voltou a ter aumento quantitativo de sua produção científica, afortunadamente, acompanhado de melhoria do posicionamento nas melhores revistas mundiais, refletindo um aprimoramento estratégico na disseminação do conhecimento brasileiro.

Figura 2. Percentual de artigos brasileiros publicados (2014 a 2024) em revistas científicas que
estão entre as 25% (Top 25%) mais citadas globalmente (SCIVAL, 2025).
É importante salientar que cientistas brasileiros vêm adotando, ou sendo induzidos a adotar, relações mais estruturadas na formação de redes colaborativas. Programas de fomento que promovem a criação de centros multiusuários, a diversificação institucional nas propostas e a ampliação das relações com o exterior, entre outras ações, têm levado a uma proporção cada vez maior de trabalhos em coautorias com pesquisadores internacionais. Isto expõe nossos artigos científicos a uma comunidade mais ampliada. Sabe-se que artigos publicados com coautores estrangeiros, em média, são sempre mais citados que colaborações apenas intranacionais. Na Figura 3, pode-se observar que o número de citações dos artigos produzidos pelo Brasil com presença de coautores de fora tem mais que o dobro de citações (12 citações por artigo com colaboração internacional versus 5,2 citações por artigo somente com colaboração nacional).

Figura 3. Colaboração internacional, nacional e institucional do Brasil e citações (totais e por
publicação) entre 2020 e 2024 (SCIVAL, 2025).
A colaboração científica internacional é um dos quesitos em que o país também vem melhorando. Em 2014, apenas cerca de 25% da produção acadêmica brasileira ocorria em parceria com pesquisadores estrangeiros (Figura 4), subindo de forma constante nos últimos dez anos até atingir a marca histórica de 37,4% em 2024. A relação direta entre colaboração internacional e citação por publicação nos leva a inferir que, ao se confirmar o aumento quantitativo na produção científica brasileira, a ampliação nas citações e exposição maior da produção de nosso conhecimento, tanto para o país quanto para o mundo, serão as novas realidades do campo científico nacional. Essa tendência reforça a importância de promover o intercâmbio de conhecimento e fortalecer redes globais de pesquisa.

Figura 4. Percentual de artigos brasileiros publicados em colaboração com autores estrangeiros
(SCIVAL, 2025).
Por fim, podemos dizer que a desaceleração da produção científica vivenciada pelo Brasil entre 2022 e 2023, é um fenômeno multifatorial, influenciado por questões de restrições orçamentárias, migração de talentos para o exterior e mudanças nas políticas públicas, além de forte pressão da pandemia por Covid-19. Com investimentos adequados, políticas consistentes, estímulo à formação de jovens cientistas, recomposição orçamentária e recuperação estrutural das Universidades Federais, entre outras ações, o Brasil pode recuperar seu crescimento na área e fortalecer sua presença no cenário científico internacional. A ciência é um pilar fundamental para o desenvolvimento econômico e social, e seu fortalecimento é essencial para garantir um futuro mais próspero e inovador. A melhora na qualidade das publicações, por sua vez, demonstra que, mesmo em um cenário desafiador, a pesquisa brasileira continua evoluindo e ganhando reconhecimento internacional. É preciso, então, enfrentar os desafios para retomar e construir um profícuo espaço para a produção científica brasileira.
REFERÊNCIAS:
Elsevier-Bori (2023) Análise da produção científica de 1996-2022: queda inédita no número de artigos científicos do Brasil. Relatório técnico. Disponível em: https://abori.com.br/publicacoes/
Oliveira, R. L. & Quintans Júnior, L. J. (2023) O Brasil reduz sua produção científica – e a qualidade, como fica? Disponível em: https://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/29-o-brasil-reduz-sua-producao-cientifica-e-a-qualidade-como-fica/&utm_smid=10982535-1-1
SCIVAL (2025) – Base de dados da Scopus-Elsevier. Disponível em: https://www.scival.com/home
ABC, 2019. O desmonte da ciência brasileira. https://www.abc.org.br/2019/04/08/o-desmonte-daciencia-brasileira/
SBPC, 2021. Cortes na ciência brasileira atingem o meio científico como fechamento de torneira em seca de sete anos. http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/cortes-na-ciencia-brasileira-atingem-omeio-cientifico-como-fechamento-de-torneira-em-seca-de-sete-anos/
Ronaldo Lopes Oliveira é Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenador do INCT-Carne e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Artigo publicado originalmente pelo Jornal da Ciência, em 14/03/2025, com o título 2024 findou – o Brasil retoma sua produção científica?
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG