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    Ciência e Tecnologia

    Brasil avança em ciência, mas ainda busca o patamar das grandes potências

    Investimento em pesquisa no Brasil segue abaixo de 2% do PIB. Artigo analisa dados, desafios e caminhos para alcançar o patamar internacional em inovação

    POR: Mariana Moura

    8 min de leitura

    A discussão sobre de onde virá o financiamento necessário para sustentar um plano nacional de ciência, tecnologia e inovação parte de uma realidade em que ainda somos um dos grandes países do mundo que investe pouco nessa área. Estamos há décadas patinando entre 1% e 1,5% do PIB dispendidos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), enquanto a Coreia do Sul ultrapassou os 5%, os EUA, 3,5%, e China e Alemanha, 3% do PIB por paridade do poder de compra (OECD, 2024a).

    O atual governo garantiu um incremento nos recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação de mais de R$ 5 bilhões entre 2022 e 2023, com a recomposição do FNDCT e o aumento de quase R$ 900 milhões no repasse para o CNPq. No entanto, o esforço nacional no financiamento da pesquisa de um país é medido somando-se os investimentos públicos (no caso do Brasil, governos federal e estaduais), empresariais (no nosso caso, empresas públicas, privadas e mistas) e de pós-graduação privada (OECD, 2007). Ainda fora do radar dos Indicadores Nacionais publicados pelo MCTI estão investimentos de bancos públicos em inovação, como o BNDES, por exemplo; de fundos privados, como o Serrapilheira; e de entes municipais, como o Rio de Janeiro, São Carlos e Campinas. Nos próximos parágrafos, vamos fazer uma conta de chegar para estimar o dispêndio nacional em pesquisa e desenvolvimento, uma vez que ainda não estão disponibilizados os dados relativos aos recursos aplicados desde 2023.

    Leia também: Brasil retoma sua produção científica com crescimento de 6%

    Entre os investimentos federais, temos mais de uma dezena de órgãos com recursos direcionados à P&D. Entretanto, em 2022, apenas quatro contribuíram com 97% de todo o dispêndio federal: MEC (R$ 18,7 bi), MCTI (R$ 7,7 bi), MAPA (R$ 3,4 bi) e MS (R$ 2,5 bi), em valores correntes (MCTI, 2024a). Os quatro órgãos dispenderam R$ 32,3 bilhões dos R$ 33,2 bilhões investidos pelo Brasil no ano, em valores correntes.

    Entre os estados que mais investem, São Paulo é líder isolado, com 64,4% dos recursos para P&D em 2022, seguido do Rio de Janeiro (9,6%), Paraná (6,4%), Minas Gerais (3,2%), Bahia (2,84%) e Santa Catarina (2,46%). Apesar de termos registrado o aumento de 45,4% no dispêndio dos estados somados entre 2020 e 2022 – chegando a R$ 27,8 bilhões (MCTI, 2024b) –, nem todos os estados alocam o recurso previsto na própria legislação. Para se ter uma ideia da possibilidade de incremento no investimento, no ano de 2022, dos R$ 11,2 bilhões previstos em lei, apenas R$ 3,7 bilhões foram executados pelas 27 Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais (Tabela 1).

    Figura : Tabela 1 – Execução orçamentária das FAPs e destinação constitucional de recursos para ciência e tecnologia por UF – 2022

    Já os investimentos empresariais, desde a suspensão da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), realizada pela última vez em 2016, têm apenas uma fonte de dados primários capaz de estimá-los: o formulário de autodeclaração para efeitos de isenção fiscal da Lei do Bem (FORM P&D). O que, obviamente, traz desafios para a elaboração de uma política de inovação no país baseada em dados, já que nem todas as empresas que investem em P&D solicitam isenção pela Lei do Bem. Ainda assim, o último dado disponível no site dos Indicadores do MCTI é de 2020 e dá conta de que foram investidos R$ 40,2 bilhões pelas empresas públicas e privadas no país. Dessa forma, podemos apenas estimar o dispêndio empresarial anual a partir da taxa de crescimento do investimento declarado no FORM P&D (MCTI, 2023).

    Verificamos, assim, uma tendência de crescimento nos recursos dispendidos por empresas privadas que começa em 2017, com R$ 9,8 bilhões, e atinge os R$ 41,9 bilhões em 2023, com uma variação positiva de 56,26% no ano de 2021 em relação ao ano anterior. Entre 2014 e 2020, os investimentos declarados através da Lei do Bem representaram, em média, 30,65% dos dispêndios empresariais em C&T. Com uma extrapolação dessa média, podemos estimar os investimentos empresariais em R$ 88,7 bilhões em 2021, R$ 116,6 bilhões em 2022 e R$ 136,8 bilhões em 2023.

    Com a queda no dispêndio federal e o fôlego menor dado pelo dispêndio estadual, isso significa que, como em poucas vezes desde que esses dados são publicados, o investimento empresarial em P&D superou o público no Brasil, atingindo 66,1% do esforço nacional em P&D em 2021 e 68,4% em 2022. Lembrando que uma boa parte desse recurso empresarial é acompanhada de estímulo público, seja via subvenção, financiamento ou isenção fiscal. De acordo com dados fornecidos pela Receita Federal, o valor somado das diversas formas de renúncia fiscal vinculadas às leis de incentivo à pesquisa, desenvolvimento e capacitação tecnológica foi de quase R$ 11 bilhões em 2021 (MCTI, 2021).

    Leia mais: A ciência voltou: um balanço do MCTI no período 2023-2025

    Chegamos em 2022, portanto, com aproximadamente 1,72% do PIB investidos em pesquisa e desenvolvimento, R$ 170,4 bilhões. Somando todo o recurso investido em ACTC – atividades científicas e técnicas correlatas –, chegamos em 2022 a um número muito perto dos 2% pleiteados pela comunidade acadêmica há 20 anos.

    Para se ter uma base de comparação, em 2022, entre as 10 maiores economias do mundo, apenas quatro destinaram recursos inferiores a 2% do PIB para pesquisa. Os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão – 1º, 3º e 4º lugares na lista do FMI – registraram ter investido acima de 3% do PIB em 2022. A China investiu 2,56%, a Inglaterra, 2,90%, e a França, 2,18% (OECD, 2024b).

    A recomposição do FNDCT, no entanto, ainda que seja muitíssimo importante para o Sistema de C&T brasileiro, não é suficiente para nos levar ao patamar necessário de desenvolvimento comparável a outros países. Em primeiro lugar, é necessário resgatar o saldo acumulado do Fundo entre os anos de 2011 e 2022 – que chegou a R$ 35 bilhões – antes de ser subtraído da conta da FINEP. Em segundo lugar, é preciso retomar a reivindicação das fontes já previstas no regramento jurídico do país para a ciência, tecnologia e inovação e que ainda não estão sendo dirigidas para o setor – como o percentual dos royalties da mineração que deveria ir para o CETEM e as destinações constitucionais, legais e infralegais dos estados que não estão sendo aplicadas – assim como dos recursos que, apesar de ainda não estarem em lei, são reivindicados pela comunidade acadêmica, como o Fundo Social do pré-sal. O pleito era de que, da metade do FS dirigido para programas sociais, 10% fosse para C&T. Em terceiro lugar, incluir na contabilidade os recursos anunciados pelo BNDES para apoiar a inovação no país. Com esses recursos “novos”, somados ao aumento do dispêndio público – federal e estadual – de 2023, e ainda que se mantenha o mesmo patamar de investimento empresarial, chegaremos bem perto dos 2% demandados pela comunidade acadêmica organizada.

    Mas isso não é suficiente para levar o Brasil para o século XXI. Em um momento em que o país está discutindo a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para os próximos 10 anos, precisamos ser mais ousados e definir como meta 3% do PIB para CT&I.

    Mariana Moura é bacharel em Relações Internacionais, doutora pelo Instituto de Energia e Ambiente da USP e pesquisadora pós-doc sobre Financiamento da Ciência no Centro SOU_Ciência da UNIFESP. Foi diretora de Gestão Estratégica e Indicadores de Ciência e Tecnologia do MCTI, membro do Conselho de Administração do CGEE, do Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas do Ministério da Fazenda, coordenadora nacional do PRODOC UNESCO/MCTI e da Comissão Organizadora da V Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

    Referências

    1. OECD. (2024a). OECD Main Science and Technology Indicators: R&D and related highlights in the March 2024 Publication. OECD Directorate for Science, Technology and Innovation. Disponível em: https://www.oecd.org/sti/msti2024march.pdf

    2. OECD. (2007). Manual de Frascati: Proposta de práticas exemplares para inquéritos sobre investigação e desenvolvimento experimental. Coimbra: OCDE.

    3. MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. (2024a). 2.2.2 Brasil: Dispêndios do Governo Federal em Ciência e Tecnologia (C&T), por órgão, 2000–2022. Disponível em: www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/indicadores/paginas/recursos-aplicados/governo-federal/2-2-2-brasil-dispendios-do-governo-federal-em-ciencia-e-tecnologia-por-orgao. Acesso em: 15 fev. 2025.

    4. MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. (2024a). 2.3.3 Brasil: Dispêndios dos Governos Estaduais em Ciência e Tecnologia (C&T), por região e unidade da federação, 2000–2022. Disponível em: www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/indicadores/paginas/recursos-aplicados/governos-estaduais/2-3-3-brasil-dispendios-dos-governos-estaduais-em-ciencia-e-tecnologia-por-regiao-e-atividade. Acesso em: 15 fev. 2025.

    5. MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. (2023). Informações Estatísticas. Publicado em 30 out. 2023. Disponível em: www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/lei-do-bem/noticias/informacoes-estatisticas.

    6. MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. (2021). 2.2.7 Brasil: Valor da renúncia fiscal do Governo Federal segundo as leis de incentivo à pesquisa, desenvolvimento e capacitação tecnológica, 1990–2021. Disponível em: www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/indicadores/paginas/recursos-aplicados/governo-federal/2-2-7-brasil-valor-da-renuncia-fiscal-do-governo-federal-segundo-as-leis-de-incentivo-a-pesquisa-desenvolvimento-e-capacitacao-tecnologica. Acesso em: 15 fev. 2025.

    7. OECD. (2024b). Main Science and Technology Indicators. Disponível em: www.oecd.org/en/data/datasets/main-science-and-technology-indicators.html

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