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    Política e Estado

    Voto distrital misto defendido por Hugo Motta pode piorar sistema eleitoral brasileiro

    Presidente da Câmara quer acelerar mudança na eleição de deputados e vereadores. Entenda como funcionaria o novo sistema, quais seriam seus impactos e o que dizem especialistas sobre a possível redução da representação de minorias na política.

    POR: Theófilo Rodrigues

    5 min de leitura

    Na última segunda-feira (7), o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos), reuniu dirigentes dos maiores partidos políticos para debater a viabilidade de mais uma reforma do sistema eleitoral brasileiro. Não se trata de algo exatamente inédito ou fora da curva. Na trajetória da Nova República, praticamente todos os presidentes da Câmara trataram da reforma do sistema eleitoral em algum momento: alguns com sucesso, outros nem tanto.  Para ficarmos em apenas dois exemplos recentes, Rodrigo Maia (DEM) aprovou o fim das coligações em 2017 e Arthur Lira (PP) criou as federações partidárias em 2021.

    De acordo com a imprensa, o objetivo de Motta agora é priorizar a aprovação do chamado voto distrital misto para substituir o atual sistema proporcional de lista aberta.

    O sistema proporcional de lista aberta é utilizado no Brasil, nas eleições para a Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras municipais, desde as eleições de 1945. Nesse tipo de sistema eleitoral, cada partido apresenta na eleição uma lista com os nomes de seus candidatos e o eleitor precisa escolher um desses nomes para votar.

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    Não há muitos detalhes sobre o que Motta entende por voto distrital misto, mas seria algo mais ou menos assim: metade das vagas seria eleita pelo voto majoritário uninominal, a outra metade preenchida pelo voto proporcional. No sistema majoritário uninominal, cada estado é dividido em distritos, cada distrito elege apenas um representante. Já a metade eleita pelo voto proporcional poderia continuar sendo com lista aberta ou então poderia ser por meio da lista fechada.

    Reunião de Líderes. Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (REPUBLICANOS - PB), em 03/04/2025. Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

    Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (REPUBLICANOS – PB), durante Reunião de Líderes, em 03/04/2025.

    Vejamos o caso do Rio de Janeiro, onde são eleitos 51 vereadores para a Câmara Municipal. Caso vingue esse formato de reforma, a justiça eleitoral dividirá a cidade em 26 distritos, cada um responsável por eleger um vereador. Os 25 vereadores restantes seriam escolhidos pelo modelo proporcional — ainda indefinido se com lista aberta ou fechada.

    Os defensores do sistema majoritário argumentam que ele aproximaria mais os eleitos dos eleitores, na medida em que o cidadão votaria em alguém de seu próprio distrito. O problema é que esse modelo faz com que apenas a maioria daquele distrito tenha a representação. Representantes de minorias seriam eleitos com muitas dificuldades nos distritos. A consequência imediata seria uma redução desses representantes — geralmente situados à esquerda do espectro político — no Parlamento. Os defensores do sistema misto sustentam que, como a outra metade seria eleita pelo sistema proporcional, as minorias continuariam tendo espaço. É intuitivo imaginar que esse espaço, na prática, seria reduzido pela metade.

    Já tive a oportunidade de argumentar em outro momento que, entre os cientistas políticos brasileiros que formulam sobre o tema dos sistemas eleitorais, há uma preferência pela continuidade do sistema proporcional, com uma ênfase maior na defesa da lista fechada[1]. Diferentemente do voto proporcional de lista aberta, em que a decisão final sobre a escolha do candidato cabe ao eleitor, no sistema proporcional de lista fechada é o partido quem define a ordem dos que serão eleitos. Antes da eleição, o partido estabelece um processo de prévias para definir democraticamente entre seus filiados como será a composição da lista. Cada partido apresenta na eleição uma lista ordenada com todos os seus candidatos; ao eleitor cabe votar na lista, mas sem estabelecer a preferência por um candidato específico.

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    Em síntese, esse sistema proporcional de lista fechada traz cinco grandes vantagens: (1) a redução dos custos de campanha; (2) o fortalecimento do programa partidário como elemento central na decisão dos eleitores; (3) o fortalecimento do sistema partidário; (4) uma maior transparência, pois o eleitor já sabe desde o princípio qual o provável resultado de seu voto; (5) e a garantia de uma maior participação de mulheres e negros, pois as listas poderiam ser pré-ordenadas e com alternância de gênero e raça.

    O sistema eleitoral brasileiro certamente pode ser aperfeiçoado. Em 2022, foram eleitas para a Câmara dos Deputados apenas 18% de mulheres e eleitos 26% de negros. Infelizmente, a adoção do voto distrital misto pode ser mais um obstáculo para a inserção de mulheres e negros na política. É certo que a técnica não deve se sobrepor à democracia. Mas o Congresso brasileiro não deveria fazer ouvidos moucos ao que dizem tantos especialistas sobre o tema.

    Nota:

    [1] Rodrigues, T. M. (2022). Propostas de reforma do sistema eleitoral no Brasil: o que pensa a ciência política brasileira? Revista Brasileira De Estudos Políticos124. https://doi.org/10.9732/2022.V124.879  Disponível em: https://pos.direito.ufmg.br/rbep/index.php/rbep/article/view/879/648

    Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM e coordenador do GP Cultura & Sociedade da FMG.

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