Ainda sobre Março e a visibilidade às mulheres negras nas lutas anticoloniais – O mês de março é movido por muitas datas históricas marcantes, ligadas ao feminismo, ao antirracismo e ao comunismo. Em sua passagem, celebramos o Dia Internacional da Mulher (8 de março), o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial (21 de março) e o dia da fundação do combativo e mais que centenário Partido Comunista do Brasil (25 de março). Gênero, antirracismo e luta de classes entrelaçados em um calendário mobilizador das lutas estratégicas de libertação do povo.
Isso nos inspira a narrar histórias de resistência e luta democrática, em defesa da causa socialista e da emancipação das mulheres – especialmente das mulheres negras, que enfrentam um triplo processo de opressão, que intersecciona gênero, raça e classe.
É com esse propósito, portanto, que escrevo este artigo: para valorizar o papel dos movimentos comunistas e sua influência nas lutas de libertação nacional de países africanos, destacando a contribuição das mulheres negras e seu ativismo feminista antirracista.
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Não se deve falar de Gana — o primeiro país do continente africano a conquistar sua independência, em 1957, contra o colonialismo do Reino Unido — sem mencionar Esi Badu, mais conhecida como Hanna Kudjoe, nome que ela recebeu durante o processo de colonização. Essa grandiosa mulher desempenhou uma liderança fundamental na luta de libertação nacional ganense, recrutando milhares de pessoas para a construção da Convenção do Partido do Povo. A liderança de Kwame Nkrumah – socialista, escritor e poeta – não teria sido a mesma sem a contribuição dessa mulher que marcou a história do seu país. Juntos, Nkrumah e Hanna Kudjoe construíram essa importante agremiação partidária. A independência de Gana e de diversos países africanos se deu numa perspectiva anti-imperialista, sob influência dos movimentos socialistas e internacionalistas.
Nkrumah foi o primeiro presidente de Gana pós-independência, e Hanna assumiu o ministério do Trabalho e das Questões Sociais. No entanto, em 1966, ele foi vítima de um golpe militar, fruto de uma articulação entre o Reino Unido e a CIA, sendo assassinado.
Ao revisitarmos a história da independência de Moçambique, há que se destacar a participação das mulheres na luta armada. Quando eu estive em Moçambique, em 2009, representando o PCdoB no Congresso da frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), a senhora Graça Machel me falou, com orgulho, sobre o papel das mulheres moçambicanas na guerra de independência e sobre a sua própria experiência de ter pegado em armas ao lado de Samora Machel — à época seu marido e líder revolucionário — que se tornou presidente logo após a declaração de independência daquele país africano de Portugal.

Militante da luta pela independência de Moçambique contra o domínio colonial português, ex-primeira-dama da África do Sul e viúva de Nelson Mandela, Graça Machel esteve no Brasil em 2023 para uma palestra na Rio Innovation Week, no Rio de Janeiro, onde usou sua própria trajetória para abordar a necessidade de combater o racismo e outras desigualdades sociais. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Samora Machel também morreu em condições sinistras, vítima de um acidente aéreo no qual se suspeita do envolvimento da alta cúpula do governo do apartheid, na África do Sul, em aliança com a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), partido de extrema-direita e oposição radical à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Mama Graça, como é conhecida em seu país, casou-se com Nelson Mandela e tem dupla cidadania: moçambicana e sul-africana. Atualmente segue trabalhando em projetos educacionais.
Ainda é importantíssimo destacar a relevância de outra mulher nas lutas pela independência de Moçambique: Josina Machel. Ela era uma jovem estudante que liderou o Destacamento Feminino da FRELIMO na guerra anticolonial. A data do seu falecimento, 7 de abril de 1971, foi declarada Dia Nacional das Mulheres Moçambicanas.
A FRELIMO, que nasceu sob forte inspiração socialista, sempre defendeu, em seu estatuto, a emancipação das mulheres. Da organização surgiu o Destacamento Feminino. Embora muitas mulheres precisassem se ocupar das tarefas de cuidados com as crianças e famílias durante a guerra, outras conseguiram, efetivamente, lutar de armas nas mãos contra o poder colonial.
Atualmente, no parlamento moçambicano, 42% das cadeiras são ocupadas por mulheres deputadas. Nos cargos de primeiro escalão do governo, 45% são mulheres.
Já em Angola, diversas organizações de mulheres surgiram com referenciais ideológicos distintos. Aqui, destacaremos o papel da Organização da Mulher Angolana (OMA), que teve sua história marcada por um episódio trágico. No dia 2 de março de 1968, a jovem poeta e revolucionária Deolinda Rodrigues, junto com Engrácia dos Santos, Irene Cohen, Lucrécia Paim e Teresa Afonso, foram capturadas, torturadas e esquartejadas vivas.
A autoria do quíntuplo assassinato foi do grupo armado opositor UPA, que mais tarde se tornou a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), uma organização de extrema-direita, força auxiliar dos interesses imperialistas dos EUA.
Como forma de homenagear essas mártires, o 2 de março é celebrado como o Dia Nacional da Mulher Angolana. O MPLA, liderado pelo poeta e socialista Agostinho Neto, saiu vitorioso e proclamou a independência de Angola de Portugal.
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Por fim, vale destacar Albertina Sisulu, uma grande liderança na luta contra o regime de apartheid na África do Sul. Ela foi uma das principais dirigentes do Congresso Nacional Africano (ANC), partido fundado por Nelson Mandela.
Albertina Sisulu Albertina Sisulu foi fundadora da Federação das Mulheres Sul-Africanas (FEDSAW). Enfrentou prisões, torturas e o exílio. Não só fez parte da luta, como pode vivenciar a vitória contra o apartheid. Viveu 92 anos e faleceu em 2011.
É fato que muitos desses movimentos e organizações que contribuíram com os processos de independência de países africanos abandonaram a perspectiva socialista. Mas seguem na luta por soberania e pelo direito à autodeterminação, à construção de seus próprios projetos de nação e na resistência ao imperialismo — a exemplo da África do Sul, que, de maneira firme e soberana, condenou o genocídio do povo palestino.
Assim, considerando as brutais desigualdades de classe social que seguem castigando o tecido social dos países africanos — que sofreram séculos de saque, pilhagem de corpos e exploração colonialista — só nos permite reafirmar que as lutas feminista e antirracista, para serem verdadeiramente emancipadoras, precisam ser anticapitalistas. As opressões de classe social, gênero e raça inviabilizam qualquer projeto de igualdade.
Aqui, demonstramos que muitos nomes de mulheres negras africanas marcaram as histórias de luta pela independência de seus países, sob inspiração do ideário socialista. São referências que devem ser lembradas, e suas histórias, contadas para esperançar e fortalecer as novas gerações.
Olívia Santana é deputada estadual da Bahia (PCdoB).
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.