No início de 2025, a Fundação Maurício Grabois deu um novo passo em sua consolidação como núcleo de produção de conhecimento a partir da criação do Centro de Estudos Avançados Brasil-China (Cebrac). Em entrevista exclusiva para o Portal Grabois, o presidente do Cebrac, Euzébio Jorge Silveira de Sousa, explica os objetivos do novo centro e as parcerias que já estão em andamento como o convênio com a Academia Chinesa de Ciências Sociais.
Brasil-China: um novo centro de pesquisa para um novo tempo
Euzébio Sousa é economista, professor e pesquisador, com destacada atuação nas áreas de desenvolvimento econômico, economia do trabalho e políticas públicas. É Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e possui pós-doutorado em Economia Criativa pela UFRGS/NECCULT. No último período, atuou como como Assessor Especial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), contribuindo para a formulação de políticas de reindustrialização, inovação tecnológica e fortalecimento do Estado como agente do desenvolvimento. Integra a coordenação da Cátedra Celso Furtado da FESPSP, dedicada à produção crítica sobre o pensamento estruturalista latino-americano e suas implicações para o desenvolvimento brasileiro.
Confira abaixo a entrevista:
Em fevereiro deste ano foi fundado o Centro de Estudos Avançados Brasil-China (Cebrac). Pode explicar para a gente o que é o Cebrac?
O Centro de Estudos Avançados Brasil-China (CEBRAC) é uma iniciativa institucional vinculada à Fundação Maurício Grabois, criada com o objetivo de promover o estudo, a pesquisa e o intercâmbio acadêmico-científico entre Brasil e China. Com foco nas transformações econômicas, sociais e tecnológicas da China contemporânea, o CEBRAC busca também contribuir para a formulação de um novo projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil.
China e Brasil são, hoje, polos de grande relevância geopolítica e precisam construir instrumentos sólidos de diálogo acadêmico, teórico e institucional. Nesse sentido, o CEBRAC se estrutura como um espaço de reflexão crítica e cooperação internacional, com base em tradições teóricas como o marxismo, o estruturalismo latino-americano e outras abordagens críticas e desenvolvimentistas, visando compreender e enfrentar os desafios do mundo contemporâneo.
Seus objetivos estratégicos incluem consolidar-se como um centro de referência nas relações Brasil-China, fomentar redes de cooperação institucional e produzir conhecimento relevante para o debate público e a formulação de políticas. Os objetivos táticos envolvem a realização de simpósios e seminários, a criação de cursos, o apoio a projetos de pesquisa, publicações conjuntas, intercâmbios entre pesquisadores e a tradução e difusão de obras acadêmicas fundamentais para ambos os países.
O Cebrac já possui uma diretoria e um Conselho Consultivo formados, certo?
O CEBRAC conta com uma Direção Executiva e um Conselho Consultivo. A direção é formada por acadêmicos, intelectuais, gestores públicos e gestores corporativos de diferentes áreas do conhecimento e de políticas públicas, residentes tanto no Brasil quanto na China. A estrutura foi pensada para garantir uma gestão integrada, multidisciplinar e representativa, com participação de pesquisadores, especialistas e lideranças com experiência prática e institucional.
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A Direção do CEBRAC é composta por um conjunto diverso de profissionais com experiências em diferentes campos do conhecimento e atuação. Reúne desde professores e pesquisadores com trajetória em universidades brasileiras e internacionais, até gestores públicos, especialistas em políticas sociais, desenvolvimento econômico, tecnologia, planejamento estratégico, cultura e comunicação. Também participam dirigentes de organizações da sociedade civil e representantes do setor empresarial.
Essa diversidade de formações e experiências profissionais reflete o compromisso do CEBRAC em promover uma gestão integrada, multidisciplinar e representativa, capaz de articular visões e saberes distintos para o fortalecimento das relações entre Brasil e China.
Na próxima semana o Cebrac e a FMG devem celebrar um convênio com a Academia Chinesa de Ciências Sociais. Pode falar sobre isso?
Estamos em fase de conclusão da formalização de um convênio entre a FMG, que abriga o CEBRAC, e a Academia de Marxismo da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS). A CASS é a mais importante instituição de pesquisa em ciências sociais da China, desempenhando um papel central na formulação teórica, análise de conjuntura e assessoria ao Estado chinês, além de ser um polo de diálogo com a comunidade acadêmica internacional.
Essa parceria representa um marco estratégico para o CEBRAC, pois possibilita a abertura de canais diretos de cooperação com um dos centros de pensamento mais influentes da China. O convênio prevê a construção de uma série de iniciativas: realização de simpósios bilaterais, desenvolvimento de cursos e programas de formação, intercâmbio de professores e estudantes, produção de estudos conjuntos sobre temas como socialismo contemporâneo, inovação, transição ecológica e geopolítica global.
As possibilidades incluem a realização de seminários conjuntos, intercâmbio de pesquisadores, publicação de estudos comparados e tradução de obras referenciais do pensamento marxista chinês e brasileiro. Também abre caminhos para que o CEBRAC possa integrar redes internacionais de centros de pesquisa, contribuir com uma perspectiva latino-americana no debate sobre o desenvolvimento global e participar ativamente da formulação de agendas de cooperação acadêmica Sul-Sul.
Qual a importância de estabelecer mais relações com instituições de pesquisa chinesas?
Ampliar as relações com instituições de pesquisa chinesas é fundamental para diversificar e qualificar o debate acadêmico sobre o papel da China no mundo contemporâneo. A China tornou-se um dos polos centrais de produção tecnológica, de experimentação institucional e de inovação econômica no século XXI. É, atualmente, o país que mais realiza registros de patentes em setores estratégicos e que mais investe em tecnologia de ponta. Além disso, é também da China que emergem, hoje, os maiores esforços globais para o desenvolvimento e a atualização do pensamento marxista, articulando teoria e prática em uma perspectiva de longo prazo.
Estar em diálogo com os principais centros de pesquisa chineses permite compreender suas estratégias, abordagens e visões de mundo. Isso é estratégico para o Brasil e para todos os países da periferia que buscam alternativas soberanas de desenvolvimento. O Brasil, que possui um importante histórico de planejamento econômico e formação de pensamento crítico, precisa reconstruir um projeto nacional de desenvolvimento consistente. O diálogo com a China pode gerar frutos significativos para ambos os lados, estimulando uma cooperação mutuamente benéfica em temas estruturantes para o futuro dos dois países.
O que o Cebrac tem planejado para os próximos meses?
Para os próximos meses, o CEBRAC tem como prioridades a formalização institucional do centro, a realização de um simpósio inaugural sobre Brasil e China, a estruturação de grupos de pesquisa e o lançamento de cursos de formação. Também está em planejamento a criação de uma revista bilíngue, podcasts e uma série de publicações e traduções com foco nas relações Brasil-China. Além disso, estamos construindo uma rede de parceiros e universidades para fortalecer o intercâmbio acadêmico e institucional entre os dois países.
Além da Academia Chinesa de Ciências Sociais, há previsão de convênios com outras instituições?
Sim. Estamos em contato com outras instituições chinesas, como o Centro de Estudos Mundiais Contemporâneos, vinculado ao Departamento Internacional do Comitê Central do Partido Comunista da China. Essa instituição coordena a rede de think tanks da Iniciativa Cinturão e Rota, e nossa proposta é estabelecer uma cooperação que envolva intercâmbio de pesquisadores, publicações conjuntas e participação em conferências internacionais. Também estamos dialogando com universidades brasileiras e institutos de formação para criação de cursos e programas de especialização.
No século XX, muitas instituições foram formadas no Brasil com apoio de entidades dos EUA como a Fundação Ford. Você acredita que nas próximas décadas esse eixo de interlocução gire dos EUA para a China?
Acredito que existe uma diferença colossal entre a postura dos Estados Unidos e da China na forma como se relacionam com os demais países. A política internacional dos EUA, historicamente, assumiu um caráter imperialista, guiado pela Doutrina Monroe, formulada no século XIX, que estabelecia a América Latina como zona de influência exclusiva dos EUA e justificava sua intervenção sobre os países da região sempre que seus interesses estivessem em jogo. As recentes guerras comerciais, especialmente sob o governo Trump, com o aumento unilateral de tarifas e barreiras, são expressões atuais dessa estratégia de subordinação de outras nações.
A China, por outro lado, tem buscado pavimentar estratégias de desenvolvimento baseadas em cooperação, conectividade e intercâmbio. Seu avanço tecnológico e científico tem se dado em setores estratégicos como energia, infraestrutura, inteligência artificial, telecomunicações e inovação industrial. Além disso, a China é, hoje, um dos países que mais investe na atualização e expansão do pensamento marxista como ferramenta de análise e orientação política.
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O Brasil, com sua tradição de planejamento e pensamento desenvolvimentista, precisa reconstruir um projeto nacional de desenvolvimento consistente e soberano. O diálogo com a China, nesse contexto, pode ser uma via promissora para a formulação de estratégias comuns, mais simétricas e mutuamente benéficas. Acredito que esse eixo de interlocução tende a se deslocar cada vez mais, não como mera substituição de dependência, mas como uma oportunidade concreta de construção de uma nova arquitetura internacional de cooperação entre países em desenvolvimento. Essa reconfiguração pode se basear no respeito mútuo à soberania, na identificação de agendas compartilhadas e no fortalecimento de instrumentos institucionais, acadêmicos e diplomáticos mais equilibrados. Trata-se de uma transformação que afeta não apenas a geopolítica econômica e comercial, mas também o campo das ideias, do pensamento crítico e da produção de conhecimento estratégico.
No século XX, boa parte das elites intelectuais e instituições no Brasil foram formadas sob influência de centros de poder e financiamento dos Estados Unidos. Hoje, a China é uma potência que não apenas disputa mercados e tecnologias, mas também modelos de desenvolvimento, visões de Estado e perspectivas de futuro. Isso cria a possibilidade de diversificarmos nossas referências e estabelecermos relações mais horizontais e plurais com centros de produção de conhecimento como os chineses. Essa mudança pode nos ajudar a pensar caminhos mais autônomos e soberanos para o Brasil.