Cooperação China-Brasil para resistir aos quatro “ismos” – Desde que Trump chegou à Casa Branca, os quatro “ismos” — hegemonismo, intervencionismo, unilateralismo e protecionismo — tornaram-se características distintas da política externa dos Estados Unidos, representando uma grave ameaça à paz e ao desenvolvimento mundiais. Diante desse ambiente externo altamente desfavorável, a forma como o Sul Global deve responder é uma questão urgente e relevante.
Foi informado que representantes do Ministério da Agricultura da China, ao participarem da próxima reunião do Grupo de Trabalho Agrícola dos BRICS no Brasil, discutirão com suas contrapartes brasileiras como o Brasil pode exportar mais produtos agrícolas, como soja e carne bovina, para a China. Sem dúvida, essa visita envia um sinal claro: China e Brasil intensificarão ainda mais sua cooperação diante da guerra comercial promovida por Trump.
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Há tanto uma necessidade imediata quanto uma clara viabilidade para que China e Brasil fortaleçam sua cooperação nos campos econômico-comercial e em outras áreas.
Em primeiro lugar, ambos os países se opõem aos quatro “ismos”, já que é evidente que China e Brasil são vítimas deles. Por exemplo, os Estados Unidos impuseram tarifas de até 245% sobre produtos chineses e aumentaram as tarifas sobre uma variedade de produtos brasileiros, incluindo 25% sobre automóveis, aço e alumínio. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que os EUA, guiados por seus próprios interesses, usam tarifas como armas de pressão extrema e interesse próprio, infringindo gravemente os direitos legítimos de outros países, violando seriamente as regras da Organização Mundial do Comércio, prejudicando gravemente o sistema multilateral de comércio baseado em regras e desestabilizando fortemente a ordem econômica global. Trata-se de um ato flagrante de desrespeito à vontade da comunidade internacional e de oposição ao mundo como um todo. O presidente brasileiro Lula também acredita que as tarifas arbitrárias impostas pelo governo Trump desorganizaram a ordem econômica internacional e elevaram os preços globais, e que, portanto, não há vencedores em uma guerra comercial. Ele também apontou que “tentativas de restaurar a hegemonia estão à espreita em nossa região (América Latina)”.
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Em segundo lugar, os dois países possuem posições comuns ou semelhantes no cenário internacional. A posição da China no cenário global é bem conhecida. A do Brasil também não deve ser subestimada. Como maior país da América Latina, o Brasil é considerado “líder regional” e “estabilizador” dos assuntos latino-americanos. Embora não seja membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil tem desempenhado papel muito importante nas questões da ONU e participado ativamente da governança global da pobreza, do clima e do meio ambiente. Além disso, o Brasil também tem tido um excelente desempenho em organizações internacionais como o G20 e os BRICS.
Em terceiro lugar, ambos os países têm força econômica e complementaridade para promover a cooperação econômica e comercial. A China é a segunda maior economia do mundo, e o Brasil é a oitava. Sendo um país populoso, a China precisa importar grandes quantidades de produtos agrícolas e minerais do exterior, enquanto o Brasil é rico nesses recursos, e muitos de seus produtos ocupam posições significativas no mercado internacional. Portanto, há uma grande complementaridade entre as duas economias.
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Em quarto lugar, as relações políticas entre os dois países estabeleceram a base para a cooperação econômica e comercial. Desde o estabelecimento das relações diplomáticas em 1974, as relações bilaterais foram elevadas três vezes. A primeira foi em 1993, quando a relação foi elevada a uma parceria estratégica, fazendo do Brasil o primeiro país a estabelecer esse tipo de parceria com a China. A segunda elevação foi em 2012, quando a relação foi promovida a uma parceria estratégica global, fazendo do Brasil o primeiro país latino-americano a alcançar esse nível com a China. Em 21 de novembro de 2024, durante a visita do presidente chinês Xi Jinping ao Brasil, ele e o presidente brasileiro Lula anunciaram o avanço das relações bilaterais para uma “Comunidade de Futuro Compartilhado China-Brasil para Construir um Mundo Mais Justo e um Planeta Mais Sustentável”. O presidente Xi Jinping acredita que China e Brasil são bons amigos com ideias afins, bons parceiros que compartilham alegrias e dificuldades, e bons irmãos que avançam juntos. O presidente Lula acredita que Brasil e China são bons amigos que se respeitam e dependem um do outro, e que a China é o parceiro estratégico mais importante do Brasil, sendo o povo chinês o mais confiável amigo do povo brasileiro.
Por fim, os dois países acumularam experiência em realizar cooperação de benefício mútuo. Como dois grandes países em desenvolvimento nos hemisférios Leste e Oeste, embora estejam distantes geograficamente, se atraem e precisam um do outro, o que possibilita cooperação em diversas áreas. Segundo informações publicadas no site do Ministério das Relações Exteriores da China, os dois países já assinaram 167 acordos e documentos bilaterais importantes. Além disso, ao longo do processo de cooperação, acumularam ampla experiência, sabendo como se coordenar em assuntos internacionais e como lidar com diferenças com base no respeito mútuo.
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Para fortalecer ainda mais a cooperação na luta contra os quatro “ismos” e concretizar o quanto antes a “Comunidade de Futuro Compartilhado China-Brasil para Construir um Mundo Mais Justo e um Planeta Mais Sustentável”, os dois países devem tomar as seguintes medidas em duas áreas:
Primeiro, deve-se maximizar a facilitação do comércio. O Brasil é membro do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Como se trata de uma união aduaneira, seus membros não podem assinar acordos de livre comércio com terceiros, segundo seus regulamentos. No entanto, China e Brasil ainda devem explorar ativamente a viabilidade de facilitar o comércio por meio de medidas relacionadas a barreiras não tarifárias. É animador saber que os meios acadêmicos dos dois países já apresentaram boas sugestões, embora ainda seja necessário aprofundar os estudos de viabilidade.
Segundo, é preciso aprofundar o entendimento mútuo por meio do intercâmbio cultural e entre os povos. A relação entre países depende da proximidade entre os povos, e essa proximidade se constrói pela conexão entre os corações. Embora China e Brasil tenham relações diplomáticas há mais de 50 anos, devido à distância geográfica, à barreira linguística e às diferenças nos sistemas políticos e sociais, o entendimento mútuo entre os povos ainda precisa ser fortalecido. A recente “disputa trabalhista” envolvendo a empresa BYD no Brasil não pode ser dissociada da falta de entendimento profundo causada pelas diferenças culturais entre os dois países.
Em resumo, desde que China e Brasil cooperem com sinceridade e com base no benefício mútuo, certamente conseguirão unir forças com outros países do Sul Global para superar os quatro “ismos”.
Jiang Shixue é professor da Universidade de Estudos Internacionais de Sichuan, China