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    Soberania

    Exploração da Margem Equatorial não pode virar disputa Caprichoso x Garantido

    Artigo analisa o embate político e estratégico em torno da exploração de petróleo na Margem Equatorial Brasileira e questiona: como e para que explorar essa nova fronteira energética?

    POR: Ticiana Alvares

    7 min de leitura

    Plataforma de petróleo operada pela Petrobras em águas profundas da costa brasileira. Foto: Divulgação Petrobras/ABr
    Plataforma de petróleo operada pela Petrobras em águas profundas da costa brasileira. Foto: Divulgação Petrobras/ABr

    O maniqueísmo tomou conta do debate sobre as possibilidades de exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial Brasileira (MEB). De um lado, ambientalistas tentam impedir a continuidade das atividades exploratórias de combustíveis fósseis no Brasil e buscam o chamado phasing out (eliminação gradual), colocando a realização da COP-30 na Amazônia brasileira como fator de pressão. De outro, aqueles que enxergam a importância do petróleo para a segurança energética nacional muitas vezes se perdem nos argumentos e caem no explorar “custe o que custar”.

    Em meio a isso, o sentido estratégico da discussão fica em segundo plano. Ao perder esse sentido, o petróleo torna-se uma commodity que contribui para o superávit da balança comercial e para cumprir metas fiscais. A visão curto-prazista que impera no país sequestra o debate estratégico da Margem Equatorial.

    Leia também: Ecocivilização – como a China equilibra desenvolvimento e proteção ambiental

    O petróleo não é uma simples commodity. É um recurso estratégico cuja abundância é um elemento de força nacional e cuja carência se torna um elemento de vulnerabilidade e de insegurança. Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a produção de petróleo no Brasil começará a entrar em declínio a partir do início da década de 2030. Nesse cenário, o país deve empenhar todos os seus esforços para garantir a segurança energética, obviamente, observando as leis ambientais e a segurança nas operações. Sendo a Margem Equatorial uma promissora e abundante nova fronteira, a discussão que deveria ser feita é como e para que explorar a região, já que é inconcebível pensar que algum país possa abrir mão de suas riquezas.

    Como sabemos, o Brasil se distingue dos países desenvolvidos e/ou grandes produtores de petróleo no que tange à matriz de emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa). Enquanto o uso da terra representava, em 2021, 49% das emissões e a agropecuária representava 25% das emissões, o setor energético representava apenas 18%. Ou seja, no Brasil, a maior parte do problema não reside no setor de óleo e gás. Além disso, o petróleo produzido nos campos do pré-sal é menos emissor do que a média da produção mundial, por razões geológicas e tecnológicas. Sendo assim, não é razoável que o país importe soluções que não cabem na nossa realidade e que pouco dialogam com o interesse nacional brasileiro. Isso implicaria, inclusive, no insucesso das nossas metas de redução de emissões.

    Outro olhar: Transição energética e ética- o dilema do petróleo na Margem Equatorial, por José Bertotti

    Entretanto, também é preciso levar em consideração os desafios impostos pela emergência climática e somar esforços no sentido tanto de cumprir as metas estabelecidas pela Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira, de redução de emissões de gases de efeito estufa, quanto no sentido de pensar um projeto consistente de adaptação climática. Diante desse “dilema” — que, na realidade brasileira, deveria ser bastante relativizado no que tange ao setor energético —, qual o papel da indústria de óleo e gás, sobretudo da Petrobras?

    A Petrobras foi criada há mais de 70 anos para garantir o abastecimento nacional e para ser um instrumento de desenvolvimento. Essas deveriam ser premissas das quais não deveríamos abrir mão no debate sobre novas fronteiras exploratórias. Caso se confirme o potencial energético da MEB, ela servirá à garantia do abastecimento nacional ou para exportação de óleo cru? Para onde irá a renda petroleira? Para ser reinvestida em pesquisa, desenvolvimento e inovação ou apenas para remuneração de acionistas? As encomendas das novas embarcações serão feitas no Brasil? Ampliaremos nosso parque nacional de refino para garantir autossuficiência também no abastecimento e reduziremos a dependência externa de derivados? O Norte e Nordeste brasileiros serão verdadeiramente incluídos nesse processo ou servirão apenas de corredor de escoamento de riquezas para outras regiões ou outros países?

    Além disso, é importante lembrar que não é novidade falar de exploração de petróleo em terra ou em mares da Amazônia. Basta olhar para a exemplar produção de Urucu, no estado do Amazonas. O polo foi responsável pela produção de 8,9% do gás natural produzido no país, consolidando a Bacia do Solimões como a segunda maior produtora de gás do Brasil, atrás somente da Bacia de Santos. Trata-se de um exemplo concreto da atuação da Petrobras na exploração e produção de recursos na floresta amazônica, de forma segura e sustentável, há mais de três décadas. Nos mares das bacias que compõem a chamada Margem Equatorial, já foram perfurados mais de 800 poços desde a década de 1970 pela Petrobras, majoritariamente em águas rasas. Com as descobertas na Bacia de Campos e, posteriormente, no pré-sal, os esforços se deslocaram para a Margem Leste, esvaziando as atividades no Norte do país (ver estudo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra – Ineep, 2025). Os amplos investimentos da Petrobras e a expertise adquirida na exploração e produção em águas profundas e ultraprofundas supõem maior segurança nas operações em águas ultraprofundas da Margem Equatorial.

    Veja também: Debate sobre transição ecológica e diversificação energética foi tema do Simpósio da Fundação Maurício Grabois

    A provável exploração da Margem Equatorial brasileira precisa inserir-se num projeto nacional de desenvolvimento que garanta a soberania e segurança energética e que também esteja associado ao fortalecimento da indústria nacional, do combate às desigualdades regionais e ao direcionamento da Petrobras no sentido de uma empresa integrada de energias.

    Sendo assim, excluindo os poços já licitados, a região deveria ser considerada “área estratégica” pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), e enquadrada dentro do regime de partilha da produção, em que o Estado tem maior autonomia, controle e apropriação sobre a produção, e a Petrobras tem prioridade na exploração.

    Tal regime foi criado no contexto da descoberta do pré-sal, no sentido de maior apropriação do Estado daquela riqueza e garantia da longevidade dos seus recursos através do Fundo Social. Foi um importante momento de conscientização e mobilização da sociedade em defesa do uso estratégico do pré-sal, que culminou na Lei da Partilha, em 2010.

    O Brasil tem o direito de conhecer suas riquezas minerais em terra e em mar e decidir, a partir do seu interesse nacional, o que fazer com elas, obviamente respeitando e salvaguardando as características e sensibilidades de cada bioma e de cada território. Isso se aplica à exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial, mas também a outras possibilidades na Margem Leste, como é o caso da Bacia de Pelotas. Abrir mão desse direito é abdicar da nossa própria soberania.

    Ticiana Alvares é doutoranda em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretora técnica do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.