Combater a censura sionista e abolir a Nakba na Palestina – Neste 15 de maio, temos o dever de colocar o genocídio palestino em perspectiva histórica, desvelando a sua função na colonização da Palestina. Para os palestinos no território, em campos de refugiados ou na diáspora desde a fundação do Estado de Israel, em 1948, durante essas sete décadas, a “catástrofe”, a Nakba, tem sido inescapável, estruturada pela colonização, ocupação militar, apartheid e exílio. Estes termos têm mais do que uma importância conceitual ou simbólica, e por isso são rejeitados por Israel e seus aliados. Portanto, é preciso empregá-los consequentemente.
Entenda o que foi a Nakba, a catástrofe palestina de 1948
Em 20 de junho de 2024, o Departamento Central de Estatísticas Palestino (PCBS) marcava o Dia Mundial dos Refugiados com um dado assombroso, estimando que, desde 1948, mais de 136 mil palestinos tinham sido mortos por Israel. Mas há contrastes ainda mais alarmantes que ilustram a intensificação desse massacre. Por exemplo, se as forças israelenses mataram cerca de 46.500 pessoas em duas décadas — entre 2000, quando eclodiu a Segunda Intifada, e abril de 2024, segundo o PCBS —, apenas entre 7 de outubro de 2023 e 14 de maio de 2025 há confirmação de cerca de 53 mil palestinos mortos, inclusive mais de 15.600 crianças, e quase 120 mil feridos, além de milhares de desaparecidos sob os escombros, possivelmente mortos.
Você pode acessar o relatório completo no site oficial do PCBS

Mulher palestina carrega uma bilha d’água enquanto caminha com uma criança durante a Nakba, em 1948, quando cerca de 750 mil palestinos foram expulsos ou fugiram de suas terras após a criação do Estado de Israel. Foto: Mr. Hanini – CC BY-SA 3.0
Mais do que falar de dados brutos — embora chocantes —, é importante compreender a tensão entre pelo menos duas visões da violência na Palestina e em Israel, que opõe uma narrativa historicizada a uma narrativa enviesada e francamente criminosa, ou cúmplice por ação ou omissão. Essa oposição perpassa todo o chamado “Conflito Árabe-Israelense”, convenientemente narrado por fases, ou episódios, em que Israel se vê confrontado, segundo a perspectiva enviesada, pela agressividade dos Estados árabes em geral e a resistência palestina, em particular, datadas pelas diferentes guerras e intifadas. Portanto, a conclusão lógica é a de que a agressividade de Israel, cujo resultado é o genocídio, diga-se, nada mais é do que o exercício do seu direito de se defender e proteger os seus cidadãos.
Esta é a versão mais simplória, a que faz manchetes, da perspectiva enviesada a favor do sionismo. Na versão mais complexa, que subjaz aos argumentos do aparato propagandístico israelense, o Estado de Israel foi fundado por um movimento de libertação nacional, o sionismo político, e é celebrado no 14 de maio como o dia da independência. Nesta perspectiva, esse movimento trouxe redenção e proteção ao povo judeu da efetiva perseguição antissemita através do seu assentamento na Palestina, como “uma terra sem povo para um povo sem terra” — segundo o mítico refrão já amplamente desmontado por historiadores palestinos e israelenses do processo de colonização, expropriação e expulsão empreendido pelos sionistas. Opor-se a este movimento, portanto, equivaleria a antissemitismo — o que é uma tergiversação e uma acusação gravíssima que instrumentaliza e banaliza o antissemitismo para fins de censura política e é assente em falácias, como a que identifica o sionismo e o judaísmo, já rejeitada por comunidades judaicas que se opõem a esse que é um projeto político — cuja premissa, ainda, é a supremacia do povo judeu.
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Muito sucintamente, essas premissas — amplamente desmistificadas por arquivos históricos e livros como os de Nur Masalha, Edward Said, Noura Erakat, Rashid Khalidi, Ilan Pappé, e tantos mais — também fundamentam ataques de diversas entidades sionistas mundo afora a toda e qualquer manifestação de solidariedade com os palestinos, ou de mera constatação da ilegalidade da ação de Israel. Também já está amplamente estudada a estratégia sionista da hasbara, que significa “explicar” e é descrita por uns como “diplomacia pública” e, por outros, “propaganda”. Uma estratégia nada exclusiva de Israel, diga-se, que tem como características a fabricação de mitos e a desinformação evento a evento, e em que mesmo o uso de regras do direito internacional tem um papel.
Já numa ação mais claramente ofensiva e menos “diplomática”, os sionistas também têm usado o direito para atacar e cercear a expressão de solidariedade aos palestinos mundo afora em diversos âmbitos. Defensores do movimento sionista criaram, por exemplo, a rede de juristas dedicada a processar pessoas e entidades, inclusive governos e universidades, em diversos países, chamada The Lawfare Project.
Da sua parte, o governo israelense tem um Ministério de Assuntos Estratégicos dedicado ativamente ao combate ao movimento global por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), lançado pelos palestinos há duas décadas, num ímpeto por ações concretas por parte da chamada comunidade internacional. O Ministério dispõe especificamente de fundos para uma rede legal internacional para organizações dedicadas a combater o BDS, criada em 2017. Além disso, o governo criou listas de pessoas solidárias ao povo palestino a serem impedidas de entrar nos territórios ou deportadas e proibidas de retornar por longos períodos de tempo. Algumas delas são impedidas sequer de embarcar nos aviões com destino a Israel – rumo aos territórios ocupados. Leia o relato sobre o dia em que fui deportada por Israel.
Recentemente, vimos também o ataque desferido pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB) contra entidades e jornalistas brasileiros, e até mesmo contra o Presidente Lula, acusando-os de antissemitismo por criticarem o Estado de Israel e chamarem, pelo nome, de genocídio a sua ação na Faixa de Gaza — conforme amplamente documentado e demonstrado pela Organização das Nações Unidas (ONU), pelo Tribunal Internacional de Justiça e pelo Tribunal Penal Internacional.
Notadamente, em 2022, a relatora especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, Francesca Albanese, demonstrou como o regime de ocupação militar prolongada israelense se caracteriza como uma colonização de assentamento (settler-colonialism), antes mesmo da última e corrente guerra, em relatório apresentado na Assembleia Geral em 2022. Também demonstrou, em 2024, como o genocídio funciona em prol do “apagamento colonial”.
Para ler, em inglês, o Relatório da Relatora Especial sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967, clique aqui.
Os antecessores de Albanese no cargo também demonstraram como as políticas israelenses culminam em apartheid — um crime contra a humanidade, diga-se. Portanto, são também atacados pela liderança israelense e organizações sionistas mundo afora, porque as suas conclusões não convergem com aquela narrativa. Ora, até mesmo o promotor do Tribunal Penal Internacional, que pediu mandados de captura do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Yoav Gallant, tornou-se alvo de sanções do governo Trump nos Estados Unidos da América, num claro ataque às próprias instituições liberais.
Portanto, neste e em todos os outros dias, a solidariedade ao povo palestinos faz-se também de demandas por ação concreta pelo fim daquilo que estrutura a catástrofe nos seus 77 anos: a colonização da Palestina pelo movimento sionista. Resistir à censura e à intimidação dos perpetradores e dos seus cúmplices é crucial, mas não podemos nos deixar encurralar na defensiva. O genocídio corrente é tanto um crime contra a humanidade, pelo qual a liderança sionista precisa ser punida, como também é mais um mecanismo no processo de colonização da Palestina. A responsabilidade por detê-los é universal.
Moara Assis Crivelente é diretora-executiva do CEBRAPAZ – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz, doutora em Política Internacional e Resolução dos Conflitos e pesquisadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.