A urgência para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) nunca foi tão grande. No Brasil, encerramos a semana concluindo a etapa final da 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente (5ª CNMA, 2025) para debater as políticas públicas relacionadas à emergência climática. Como signatário do Acordo de Paris, o Brasil, assim como os demais países integrantes do acordo, assume a responsabilidade de propor e cumprir as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC Brasil, 2024) e desenvolver estratégias de descarbonização em favor das metas climáticas. No entanto, existe uma lacuna significativa entre essas estratégias e a capacidade dos governos de implementá-las efetivamente. Este artigo explora os desafios e soluções e, para preencher essa lacuna, apresenta uma solução inovadora implementada de forma piloto no estado de Pernambuco, a partir de uma parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
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As estratégias de descarbonização são complexas, envolvendo múltiplas partes interessadas, setores e compromissos de longo prazo. O Governo de Pernambuco formulou um Plano de Descarbonização (PDPE, 2022) abrangente, que se tornou política pública a partir do Decreto Nº 52.458, de 16 de março de 2022, e cujo objetivo é alcançar a neutralidade de carbono até 2050. No entanto, a fase de implementação revelou questões críticas:
- Volume de Ações: o PDPE inclui 45 soluções tecnológicas, 59 metas de redução de GEE e 256 ações, tornando a priorização e execução difíceis.
- Envolvimento de Múltiplos Atores: muitas ações exigem colaboração com entidades fora do controle direto do governo, como empresas privadas, agências reguladoras e a sociedade civil.
- Maturidade Tecnológica e Econômica: algumas tecnologias propostas, como o hidrogênio verde e/ou captura e armazenamento de CO2, ainda não estão totalmente desenvolvidas ou ainda não são economicamente viáveis.
Para enfrentar esses desafios, foi proposto o Processo de Implementação e Monitoramento de Ações de Descarbonização (PIMADE), uma abordagem estruturada que combina duas metodologias: Value-Focused Thinking* (VFT) e a Soft Systems Methodology (SSM). Em linhas gerais, a PIMADE consiste em quatro etapas principais:
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Estruturação de Objetivos
Utilizando o VFT, os objetivos fundamentais e intermediários de cada unidade governamental são identificados. Por exemplo, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) estruturou seus objetivos em torno da geração de empregos sustentáveis, redução de emissões de GEE e aumento da resiliência climática.
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Identificação de Situações-Problema e Sistemas Relevantes
A SSM é aplicada para transformar objetivos em estruturas de solução de problemas acionáveis. Por exemplo, o objetivo “Uso de Energia Renovável” foi dividido em sistemas de geração centralizada e distribuída, cada um com definições e ações de transformação específicas.
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Priorização de Ações
Uma abordagem multicritério, o PROMETHEE-ROC, é usada para priorizar ações com base em seu potencial de mitigação e adaptação. A partir daí, dois índices foram desenvolvidos: o Índice de Mitigação (IM), que mede o potencial de redução de GEE de cada proposta, e o Índice de Adaptação (IA), que avalia contribuições para resiliência, emprego e conservação de ecossistemas. Com a aplicação da PIMADE, a SEMAS pôde extrair, das 256 ações previstas no PDPE, 38 ações preferenciais e fixar 10 prioridades para serem implementadas no seu âmbito, , considerando o Índice de Mitigação e o Índice de Adaptação definidos por ela.
No estágio piloto, a aplicação em Pernambuco da PIMADE, testada na SEMAS, gerou alguns insights práticos:
- Expansão de Energia Renovável: ações como a colaboração com secretarias de agricultura para promover a energia solar foram priorizadas, mostrando como a cooperação intersetorial pode impulsionar avanços.
- Gestão de Resíduos: iniciativas para melhorar a reciclagem de resíduos urbanos e recuperar biogás foram identificadas como medidas de alto impacto.
- Uso do Solo e Conservação: programas de reflorestamento baseados em recuperação de nascentes em áreas protegidas e criação de corredores ecológicos foram destacados por seus benefícios duplos de sequestro de carbono e conservação da biodiversidade.
O estudo aborda uma lacuna crítica na literatura ao focar na execução das ações governamentais para promoção da descarbonização, e não apenas em sua formulação. Além disso, oferece um modelo escalável para governos nacionais, outros governos subnacionais, especialmente em economias emergentes, onde a capacidade institucional pode ser limitada. Enfatiza, também, o engajamento das partes interessadas e a priorização sistemática, além de garantir que os planos de descarbonização se traduzam em resultados tangíveis.
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Embora o PIMADE mostre potencial, seu sucesso depende de estruturas administrativas estáveis, como a criação de um Comitê Carbono Neutro (CCN) no âmbito governamental, além de claro compromisso político com as metas estabelecidas no âmbito de programas de descarbonização.
O caso de Pernambuco destaca as complexidades da implementação de ações governamentais para promoção da descarbonização em nível subnacional. A metodologia PIMADE fornece uma estrutura clara, inclusiva e acionável para superar esses desafios. Ao combinar o VFT e a SSM, ela não apenas prioriza ações eficazes, mas também garante o alinhamento com metas climáticas mais amplas.
Para que o mundo avance eficazmente em direção ao net zero, ferramentas como o PIMADE serão indispensáveis para transformar metas ambiciosas em realidade, com abordagens localizadas e multissetoriais na luta global contra as mudanças climáticas, oferecendo um modelo replicável para outras regiões comprometidas com o desenvolvimento sustentável.
Este estudo foi realizado no âmbito do Programa de Doutorado em Engenharia de Produção da UFPE, da qual sou aluno e, juntamente com minha orientadora, Dra. Ana Paula Cabral Seixas Costa, submetemos à revista Sustainability um artigo detalhado sobre a metodologia PIMADE, que ainda se encontra em fase de revisão por pares, mas que, por sugestão da revista, teve uma versão em preprint disponibilizada, acessível aqui.
Bibliografia
- Bertotti Júnior, J. A.; Seixas Costa, A. P. C. (2025). Climate Action for Decarbonization: The Case of a Subnational Government in Brazil. Preprints. Acesse aqui.
- Conferência Nacional do Meio Ambiente. (2025). Emergência climática: o desafio da transformação ecológica. Acesse aqui.
- Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil. (2024). Acesse aqui.
- Governo de Pernambuco. (2022). Plano de Descarbonização. Acesse aqui.
- Morais, D. C.; De Almeida, A. T.; Alencar, L. H.; Clemente, T. R. N.; Cavalcanti, C. Z. B. (2015). PROMETHEE-ROC Model for Assessing the Readiness of Technology for Generating Energy. Mathematical Problems in Engineering, 2015, Article ID 530615.
José Bertotti é pesquisador em inovação e sócio-fundador do Instituto Toró — Clima, Tecnologia e Cultura. Foi secretário de Estado em Pernambuco nas pastas de Meio Ambiente e Sustentabilidade, e de Ciência e Tecnologia. É membro da direção estadual do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em Pernambuco e um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa Transformação Ecológica e Diversificação Energética da Fundação Maurício Grabois.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.