Na véspera do dia em que completaria 78 anos, Bergson Gurjão Farias, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) assassinado pela ditadura militar brasileira, foi diplomado post mortem pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Expulso em 1969 por sua luta contra o autoritarismo, ele retornou à universidade não em vida, mas em honra, acompanhado de sua família, de ex-companheiros de militância, professores, estudantes e lideranças que lotaram o salão da Reitoria na sexta-feira, 16 de maio.
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Na cerimônia, realizada 53 anos após sua morte, a UFC concedeu a Bergson o título de graduação póstumo em Química, numa solenidade marcada por memórias, reparo histórico e emoção.
“Além de um excelente filho, irmão e amigo, sua determinação e dedicação foi um exemplo para todos nós. Essa seria a mensagem dele para os estudantes que estão começando a descobrir e construir suas estradas. A solenidade de hoje tornou realidade o maior sonho de nosso pai, que era ver seus quatro filhos formados”, disse a irmã Ielnia Farias Johnson que representou a família na cerimônia.
Bergson nasceu em Fortaleza, em 17 de maio de 1947. Era estudante de Química da UFC e vice-presidente do DCE quando foi preso no histórico Congresso da UNE em Ibiúna, em 1968. Expulso pela universidade sob o Decreto-Lei 477, sobreviveu a um tiro na cabeça durante uma passeata, e depois mergulhou na clandestinidade, juntando-se à Guerrilha do Araguaia, no norte do país. Em maio de 1972, com apenas 25 anos, foi morto pelas forças de repressão. Seu corpo foi identificado apenas 37 anos depois, em ação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Foi velado na mesma universidade que o expulsara e sepultado em Fortaleza com honras de Estado.
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A mãe, dona Luiza Gurjão, lutou incansavelmente até encontrar os restos mortais do filho. Em 2009, quando finalmente o reencontrou, pode enterrá-lo. Quatro meses depois, como quem cumpriu a missão, descansou.
O título de graduação post mortem foi o primeiro da história da UFC — mas diplomar Bergson não foi um gesto isolado. É parte de um movimento simbólico e histórico, como o da Universidade de Brasília, que concedeu diploma póstumo a Honestino Guimarães; ou da USP, com seu projeto “Diplomacão da Resistência”, que homenageou estudantes como Helenira Resende, Luiz Eduardo Merlino e Alexandre Vannucchi Leme. Na UFMG, Gildo Macedo Lacerda, Walkíria Costa e outros também foram lembrados com diplomas e honras.
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São gestos que resgatam a dignidade dos que foram expulsos, perseguidos, mortos por lutarem contra o regime militar. Que garantem à memória um lugar na sala de aula. Que asseguram às novas gerações que não se esqueça. Como disse o reitor Custódio Almeida, também ex-líder estudantil: “Tiraram de Bergson a possibilidade de iniciar as atividades profissionais como químico. Ele tampouco teve a chance de ver o Brasil se abrir democraticamente novamente, depois da ditadura. Celebremos o título e lembremos que hoje falta um entre nós. A semente de sua resistência permanece viva na comunidade universitária, no movimento estudantil, e em todos nós que seguimos, das mais diferentes formas, na luta por um mundo melhor e mais justo.”
A UFC disponibilizou o registro fotográfico completo da solenidade de colação de grau póstuma de Bergson Gurjão. Veja as fotos no Flickr da UFC
Na UFC, o nome de Bergson agora batiza o espaço cultural inaugurado em 2024 — um lugar de memória, luta e permanência. É uma forma de fazer ecoar, pelos corredores da universidade, o lamento de sua mãe, entoado a partir da canção de Paulo Soledade e Fernando Lobo: “Oi, zum, zum, zum, zum, zum, zum! Tá faltando um!”.
Bergson — e tantos outros — seguem fazendo falta para o Brasil. Mas a luta por justiça e verdade continua, movida pela força da memória e da resistência.